São Paulo, sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

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"ZATOICHI"

Kitano põe sangue na beleza da vida

PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Takeshi Kitano, o cineasta, é antes de mais nada um filho de inúmeros pais, dos filmes policiais japoneses ao western americano. Seu cinema carrega no sangue não poucas referências, e "Zatoichi" é o filme no qual ele deixa claro aonde sua arte pode chegar.
Desde "Sonatine" (93), acompanha bandidos entregues ao amor, vinganças embaladas com trilhas melancólicas, parcerias inusitadas, em filmes embarcados tanto na tradição japonesa como na melodramática. A graça está na marca de Kitano, que cria uma espécie de equilíbrio interno nos filmes, casando as diferenças, tornando críveis tanto os facínoras românticos como as inserções sonoras eletro-românticas de Keiichi Suzuki. Ao pegar o célebre personagem do samurai cego Zatoichi, Kitano leva seu universo ao encontro de uma tradição.
A começar pela história. Zatoichi (Kitano) chega a uma aldeia dominada por gângsteres, onde conhecerá um simpático bêbado que será seu parceiro. O cego conhecerá também Hattori, monstro sanguinário, cuja missão é menos defender o chefão local que financiar a cura de sua mulher. Há ainda as gueixas que tentam encontrar os assassinos de seus pais. É um plote tradicional, mas o que está em jogo é como essas peças estão dispostas no tabuleiro de Kitano. Ainda que haja uma profusão quase expressionista dos elementos do filme, chega-se a uma harmonia próxima do cinema clássico. Assim, a mise-en-scène trabalha nesse sentido, como num musical que coordena vários elementos na cena.
Kitano dirige em "Zatoichi" uma das mais coreografadas seqüências de luta da história do cinema. É o cineasta novamente se voltando a outra tradição, a dos filmes de samurai e lutas marciais. As peles cortadas pela espada parecem pinceladas, assim como o sangue pulverizado embeleza o quadro. À parte a violência, o que temos é a celebração do belo.
O diretor está a dialogar então com outra tradição do cinema, que é a da beleza. Porque tudo no seu filme, além de equilibrado e ritmado, é esteticamente belo.
É dito em certo momento que a cegueira ajuda a enxergar melhor as pessoas. Pois a beleza de "Zatoichi" está menos na superfície das coisas do que em algo que nossos olhos não vêem. Algo como a vida, que o espetáculo afro-kabuki do final tenta traduzir em imagem e que o cinema de Kitano chega muito perto.


Zatoichi
Idem
    
Direção: Takeshi Kitano
Produção: Japão, 2004
Com: Michiyo Ookusu, Gadarukanaru Taka, Daigorô Tachibana
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex, HSBC Belas Artes e Lumière



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