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"ZATOICHI"
Kitano põe sangue na beleza da vida
PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Takeshi Kitano, o cineasta, é
antes de mais nada um filho
de inúmeros pais, dos filmes policiais japoneses ao western americano. Seu cinema carrega no sangue não poucas referências, e "Zatoichi" é o filme no qual ele deixa
claro aonde sua arte pode chegar.
Desde "Sonatine" (93), acompanha bandidos entregues ao
amor, vinganças embaladas com
trilhas melancólicas, parcerias
inusitadas, em filmes embarcados
tanto na tradição japonesa como
na melodramática. A graça está
na marca de Kitano, que cria uma
espécie de equilíbrio interno nos
filmes, casando as diferenças, tornando críveis tanto os facínoras
românticos como as inserções sonoras eletro-românticas de Keiichi Suzuki. Ao pegar o célebre
personagem do samurai cego Zatoichi, Kitano leva seu universo ao
encontro de uma tradição.
A começar pela história. Zatoichi (Kitano) chega a uma aldeia
dominada por gângsteres, onde
conhecerá um simpático bêbado
que será seu parceiro. O cego conhecerá também Hattori, monstro sanguinário, cuja missão é
menos defender o chefão local
que financiar a cura de sua mulher. Há ainda as gueixas que tentam encontrar os assassinos de
seus pais. É um plote tradicional,
mas o que está em jogo é como essas peças estão dispostas no tabuleiro de Kitano. Ainda que haja
uma profusão quase expressionista dos elementos do filme, chega-se a uma harmonia próxima
do cinema clássico. Assim, a mise-en-scène trabalha nesse sentido, como num musical que coordena vários elementos na cena.
Kitano dirige em "Zatoichi"
uma das mais coreografadas seqüências de luta da história do cinema. É o cineasta novamente se
voltando a outra tradição, a dos
filmes de samurai e lutas marciais.
As peles cortadas pela espada parecem pinceladas, assim como o
sangue pulverizado embeleza o
quadro. À parte a violência, o que
temos é a celebração do belo.
O diretor está a dialogar então
com outra tradição do cinema,
que é a da beleza. Porque tudo no
seu filme, além de equilibrado e
ritmado, é esteticamente belo.
É dito em certo momento que a
cegueira ajuda a enxergar melhor
as pessoas. Pois a beleza de "Zatoichi" está menos na superfície
das coisas do que em algo que
nossos olhos não vêem. Algo como a vida, que o espetáculo afro-kabuki do final tenta traduzir em
imagem e que o cinema de Kitano
chega muito perto.
Zatoichi
Idem
Direção: Takeshi Kitano
Produção: Japão, 2004
Com: Michiyo Ookusu, Gadarukanaru
Taka, Daigorô Tachibana
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca
Unibanco Arteplex, HSBC Belas Artes e
Lumière
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