São Paulo, sexta-feira, 17 de dezembro de 2004

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ARTES

Maior mostra já realizada sobre o pernambucano abre hoje, para convidados, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba

Brennand busca o horror na mitologia

MARI TORTATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA

Um olhar desatento acreditará estar diante de peças em ferro, ora em madeira, pedra, cobre. No entanto, tudo tem origem na argila e ganha forma de figuras mitológicas e dramáticas nas mãos do escultor Francisco Brennand, 77.
O artista pernambucano abre hoje no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, a maior exposição fora de seu ateliê, que está transformando em museu, em Recife.
São 204 esculturas em cerâmica terracota e 13 telas preparatórias distribuídas por três salões. As peças contam a trajetória do artista, que dá destaque ao que chama de "a representação do horror". "É num grito contra a violência", define. A sensação do horror, diz, não está presente apenas nos livros que devora.
"Não estamos passando por um período anômalo. As notícias do horror de hoje estão na mídia, que se encarrega de carregar nas tintas", diz Brennand. Um personagem presente na inspiração cotidiana do escultor é o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, "o nosso diabinho em pessoa". Para Brennand, que diz ter lido toda a biografia sobre Bush, "ele é uma figura muito mais perigosa do que qualquer terrorista".
Identificado como artista com obsessão em retratar símbolos sexuais, classificação que ele rejeita, Brennand diz que sua criação é toda baseada no enigma da existência. "Talvez esteja aí a razão de eu reproduzir tanto o ovo, um emblema de eternidade. E os ovos são eternos porque se reproduzem, o que nos remete ao enigma da sexualidade."
A distribuição das obras pelo museu começa com duas personagens mitológicas -as deusas Ligia e Leuconia, castigadas por Afrodite-, inspiração resultante da leitura de "Odisséia". Os pássaros rocas, recorrentes no trabalho do escultor, assim como os gansos do Capitólio com pés de humanos, "guardam" a exposição.
A representação mais evidente do horror, no entanto, está presente em 30 figuras de caveiras destroçadas que guardam as esculturas dos últimos imperadores das civilizações inca (Ataualpa) e asteca (Montezuma 2º). Brennand diz que elas foram criadas ao acaso. "A primeira peça foi um acidente. Ela ficou danificada porque virou no forno, e então me veio a idéia."
Um "Calígula" que chora, a figura do conhecimento representada por "Gnose", o "Cavalo de Tróia" só com pescoço e cabeça, a "Árvore da Sobrevivência", a figura trágica e bela de "Lara" são outros destaques da exposição.
No caso de "Lara", Brennand conta que brigou com o forno para conferir dramaticidade à figura, mas que foi uma gota escura caída ao acaso do teto do ateliê sobre o rosto da escultura -tomando a forma de uma lágrima- que definiu o trabalho.
Há casos também em que a inspiração tem a ajuda dos operários da cerâmica comercial da família, contígua ao ateliê. "Eles se habituaram a essas formas e, de vez em quando, me dão de presente um pedaço de madeira ou uma pedra de forma estranha." A "Árvore da Sobrevivência" foi inspirada nesses presentes.
O curador da mostra, Emanoel Araujo, 64, próximo secretário da Cultura da cidade de São Paulo, conta que as peças expostas somam 23 toneladas. O peso dos trabalhos em cerâmica é a principal razão de a exposição ocorrer após dois anos e meio de negociação. Mas é a criação o que importa. Para o curador, ao esculpir, Brennand "se aproxima da criação divina do Gênesis".


O HOMEM E A NATUREZA. Mostra do artista Francisco Brennand. Curadoria: Emanoel Araujo. Onde: Museu Oscar Niemeyer (r. Marechal Hermes, 999, Centro Cívico, Curitiba, tel. 0/xx/41/350-4400). Quando: abertura hoje (apenas para convidados); de ter. a dom., das 10h às 18h30; até 31/3. Quanto: R$ 4. Patrocinadores: governo do Paraná, Copel, Sanepar, Ministério da Cultura e Clear Chanel.


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