São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 2005

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O músico, que compunha sobre a malandragem do morro carioca, sofria de enfisema pulmonar

Morre no Rio, aos 77, o sambista Bezerra da Silva

Roberto Price - 13.jan.1999/Folha Imagem
O cantor e compositor Bezerra da Silva, principal representante do chamado "sambandido"


LUIZ FERNANDO VIANNA
MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO

O cantor Bezerra da Silva -principal representante do chamado "sambandido"- morreu ontem aos 77 anos. O compositor estava internado havia 80 dias -ele tinha enfisema pulmonar e sofreu uma parada cardíaca, seguida de falência múltipla dos órgãos. Morreu às 7h45 num hospital público do centro do Rio de Janeiro.
Em 28 de outubro do ano passado, Bezerra da Silva passou mal em sua casa, em Copacabana (zona sul), e desde então estava internado no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro, na praça Mauá. Já havia sido hospitalizado em setembro em razão de uma pneumonia.
O "sambandido", consagrado por Bezerra da Silva, reúne músicas que misturam humor e protesto usando o linguajar das favelas cariocas. Bezerra gravou mais de 20 discos, conquistando 11 discos de ouro (100 mil cópias vendidas), três de platina (250 mil) e um de platina duplo (500 mil).
O velório do sambista estava programado para o teatro João Caetano, na praça Tiradentes, e o enterro para as 11h de hoje no cemitério São João Baptista, em Botafogo (zona sul do Rio).
A vida e a música de Bezerra da Silva também inspiraram um curta-metragem ("Onde a Coruja Dorme", de Márcia Derraik e Simplício Neto) e um livro ("Bezerra da Silva - Produto do Morro", de Letícia Vianna).
José Bezerra da Silva nasceu em Recife numa família pobre. Aos 15, veio para o Rio escondido num navio que transportava açúcar. Trabalhou na construção civil até 1950, quando conseguiu ingressar na Rádio Clube como ritmista, já que desde criança tocava instrumentos de percussão. Com ótimo ouvido musical, Bezerra ainda viria a estudar violão e pistom. De 1977 a 1985, tocou na Orquestra da TV Globo.
Duas de suas primeiras composições, "O Preguiçoso" e "Meu Veneno", foram gravadas nos anos 50 por Jackson do Pandeiro. Por influência de seu ídolo Jackson, durante muito tempo só cantou e compôs cocos, estilo musical nordestino. Seu compacto de estréia -de 1969, com as músicas "Mana, Cadê o Boi?" e "Viola Testemunha"- e seus dois primeiros discos ("Bezerra da Silva, o Rei do Coco Volumes 1 e 2", de 1975 e 1976) são voltados para o gênero.
O samba, que Bezerra conhecia e praticava desde 1949, quando foi morar no morro do Cantagalo (zona sul do Rio), tornou-se sua senha para o sucesso a partir de 1977. Com os três volumes de "Partido-Alto Nota 10", ele criou o estilo que o consagrou, o do malandro de morro dos tempos atuais: em vez do bucolismo de épocas passadas, as letras que cantava falam da vida dura nas favelas, dos pequenos golpes para sobreviver e dos truques para escapar da repressão policial.
"Gravo a realidade brasileira do povo faminto e marginalizado", afirmou ele à Folha em 2000.
No segundo "Partido-Alto Nota 10", de 1978, emplacou seu primeiro grande sucesso: "Pega Eu", do bordão "Pega eu que eu sou ladrão". De autoria de Jorge F. Silva "Crioulo Doido", é um dos muitos sambas que Bezerra gravou de compositores pouco conhecidos, alguns deles marginais de fato, que criavam codinomes para esconder suas identidades.
Ao longo dos anos, Bezerra compôs cada vez menos e se tornou intérprete desses sambistas. Gente como Pinga, Caboré, Roxinho, Adelzonilton, Pedro Butina e Barbeirinho do Jacarezinho -este é, hoje, um dos principais compositores de Zeca Pagodinho. Muitas músicas de seu repertório são assinadas por Regina do Bezerra, sua mulher.
O maior sucesso de Bezerra veio em 1986, abrindo o disco "Alô Malandragem, Maloca o Flagrante": "Malandragem Dá um Tempo" eternizou os versos "É por isso que eu vou apertar/ mas não vou acender agora" e atraiu para o cantor um público mais jovem, em especial depois que a música foi gravada pelo Barão Vermelho.
Com seu jeito iconoclasta, Bezerra foi idolatrado por muitos nomes do pop-rock brasileiro, como O Rappa -que regravou seu sucesso "Candidato Caô-Caô"- e Marcelo D2, além de todo o movimento hip hop. Ele afirmava não consumir drogas nem beber. Evangélico nos últimos anos, planejava lançar um CD religioso, mas com músicas feitas pelos mesmos compositores de seus outros trabalhos.
Sem fugir de seu estilo, Bezerra gravou vários discos marcantes, como "Produto do Morro" (1983), "Violência Gera Violência" (1988), "Cocada Boa" (1993) e "Malandro É Malandro e Mané É Mané" (2000). Ao lado de Moreira da Silva e Dicró, gravou em 1995 "Três Malandros in Concert". Seu último CD foi "Meu Bom Juiz" (2003), em que aparece na capa com uma toga de juiz.
Em setembro do ano passado, o traficante José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, foi enterrado ao som do samba que dá título a esse disco. Gravado por Bezerra, "Meu Bom Juiz" foi composta por Beto sem Braço e Serginho Meriti em homenagem a Escadinha.


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