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O músico, que compunha sobre a malandragem do morro carioca, sofria de enfisema pulmonar
Morre no Rio, aos 77, o sambista Bezerra da Silva
Roberto Price - 13.jan.1999/Folha Imagem
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O cantor e compositor Bezerra da Silva, principal representante do chamado "sambandido" |
LUIZ FERNANDO VIANNA
MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO
O cantor Bezerra da Silva
-principal representante do
chamado "sambandido"- morreu ontem aos 77 anos. O compositor estava internado havia 80
dias -ele tinha enfisema pulmonar e sofreu uma parada cardíaca,
seguida de falência múltipla dos
órgãos. Morreu às 7h45 num hospital público do centro do Rio de
Janeiro.
Em 28 de outubro do ano passado, Bezerra da Silva passou mal
em sua casa, em Copacabana (zona sul), e desde então estava internado no Hospital dos Servidores
do Estado do Rio de Janeiro, na
praça Mauá. Já havia sido hospitalizado em setembro em razão de
uma pneumonia.
O "sambandido", consagrado
por Bezerra da Silva, reúne músicas que misturam humor e protesto usando o linguajar das favelas cariocas. Bezerra gravou mais
de 20 discos, conquistando 11 discos de ouro (100 mil cópias vendidas), três de platina (250 mil) e
um de platina duplo (500 mil).
O velório do sambista estava
programado para o teatro João
Caetano, na praça Tiradentes, e o
enterro para as 11h de hoje no cemitério São João Baptista, em Botafogo (zona sul do Rio).
A vida e a música de Bezerra da
Silva também inspiraram um curta-metragem ("Onde a Coruja
Dorme", de Márcia Derraik e
Simplício Neto) e um livro ("Bezerra da Silva - Produto do Morro", de Letícia Vianna).
José Bezerra da Silva nasceu em
Recife numa família pobre. Aos
15, veio para o Rio escondido
num navio que transportava açúcar. Trabalhou na construção civil
até 1950, quando conseguiu ingressar na Rádio Clube como ritmista, já que desde criança tocava
instrumentos de percussão. Com
ótimo ouvido musical, Bezerra
ainda viria a estudar violão e pistom. De 1977 a 1985, tocou na Orquestra da TV Globo.
Duas de suas primeiras composições, "O Preguiçoso" e "Meu
Veneno", foram gravadas nos
anos 50 por Jackson do Pandeiro.
Por influência de seu ídolo Jackson, durante muito tempo só cantou e compôs cocos, estilo musical nordestino. Seu compacto de
estréia -de 1969, com as músicas
"Mana, Cadê o Boi?" e "Viola Testemunha"- e seus dois primeiros discos ("Bezerra da Silva, o Rei
do Coco Volumes 1 e 2", de 1975 e
1976) são voltados para o gênero.
O samba, que Bezerra conhecia
e praticava desde 1949, quando foi
morar no morro do Cantagalo
(zona sul do Rio), tornou-se sua
senha para o sucesso a partir de
1977. Com os três volumes de
"Partido-Alto Nota 10", ele criou
o estilo que o consagrou, o do malandro de morro dos tempos
atuais: em vez do bucolismo de
épocas passadas, as letras que
cantava falam da vida dura nas favelas, dos pequenos golpes para
sobreviver e dos truques para escapar da repressão policial.
"Gravo a realidade brasileira do
povo faminto e marginalizado",
afirmou ele à Folha em 2000.
No segundo "Partido-Alto Nota
10", de 1978, emplacou seu primeiro grande sucesso: "Pega Eu",
do bordão "Pega eu que eu sou ladrão". De autoria de Jorge F. Silva
"Crioulo Doido", é um dos muitos sambas que Bezerra gravou de
compositores pouco conhecidos,
alguns deles marginais de fato,
que criavam codinomes para esconder suas identidades.
Ao longo dos anos, Bezerra
compôs cada vez menos e se tornou intérprete desses sambistas.
Gente como Pinga, Caboré, Roxinho, Adelzonilton, Pedro Butina e
Barbeirinho do Jacarezinho -este é, hoje, um dos principais compositores de Zeca Pagodinho.
Muitas músicas de seu repertório
são assinadas por Regina do Bezerra, sua mulher.
O maior sucesso de Bezerra veio
em 1986, abrindo o disco "Alô
Malandragem, Maloca o Flagrante": "Malandragem Dá um Tempo" eternizou os versos "É por isso que eu vou apertar/ mas não
vou acender agora" e atraiu para o
cantor um público mais jovem,
em especial depois que a música
foi gravada pelo Barão Vermelho.
Com seu jeito iconoclasta, Bezerra foi idolatrado por muitos
nomes do pop-rock brasileiro, como O Rappa -que regravou seu
sucesso "Candidato Caô-Caô"-
e Marcelo D2, além de todo o movimento hip hop. Ele afirmava
não consumir drogas nem beber.
Evangélico nos últimos anos, planejava lançar um CD religioso,
mas com músicas feitas pelos
mesmos compositores de seus
outros trabalhos.
Sem fugir de seu estilo, Bezerra
gravou vários discos marcantes,
como "Produto do Morro"
(1983), "Violência Gera Violência" (1988), "Cocada Boa" (1993) e
"Malandro É Malandro e Mané É
Mané" (2000). Ao lado de Moreira da Silva e Dicró, gravou em
1995 "Três Malandros in Concert". Seu último CD foi "Meu
Bom Juiz" (2003), em que aparece
na capa com uma toga de juiz.
Em setembro do ano passado, o
traficante José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, foi enterrado
ao som do samba que dá título a
esse disco. Gravado por Bezerra,
"Meu Bom Juiz" foi composta por
Beto sem Braço e Serginho Meriti
em homenagem a Escadinha.
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