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NOITE ILUSTRADA - ERIKA PALOMINO
Aleluia: o paraíso é aqui no Body & Soul
VOCÊ chega à pista e vê o lugar
cheio, cheio de gente se mexendo.
Nessa primeira impressão, ainda
não dá para distinguir imagens,
apenas corpos em movimento,
quase lentos, malemolentes. A luz
é clara, e, em torno de um grande
globo de espelhos, dezenas de balões de gás coloridos, de diferentes tamanhos, emprestam um
tom levemente infantil, descompromissado. Ingênuo, até.
ASSIM está inscrito em minha
mente o Body & Soul, a mais importante experiência noturna nova-iorquina desde os históricos
tempos do DJ Junior Vasquez
(Sound Factory, Twilo). Por conta da relevância dessa festa, Noite
Ilustrada dedica a ela um miniespecial.
Para bom entendedor, muitos
sinais são ali emitidos e podem
certamente ajudar nas mudanças
que se fazem necessárias nesse
entediado/entediante momento
paulistano.
A primeira informação importante é que o Body & Soul acontece aos domingos, em horário de
matinê. Com exceção, talvez, das
tea-dances gays e dos day clubs
ingleses como o DTPM (em que o
povo vai mais é virado, emendando mesmo a noite de sábado), domingo é um mico universal. As
portas do clube Vynil (6, Hubert
Street, em Tribeca) se abrem às
16h, mas o horário bom de chegar
é por volta das 18h. Às 21h, aquilo
está pegando fogo; lá pelas 23h
acaba. E vai todo mundo embora
para casa, pronto para aguentar a
segundona.
O Body & Soul começou no final
de 95. Em 98, era considerado um
lugar para iniciados, um "kept-secret", um cult. Agora, em 2000,
já virou programa turístico. Chegue a Nova York, e qualquer pessoa (de concierges a jornalistas)
vai te dizer: "Você TEM de ir ao
Body & Soul").
Certamente vai ter ali algum
purista que vai suspirar e dizer:
"Ah, antigamente é que era bom,
hoje em dia foi "invadido" por
outsiders...". Mas mesmo os puristas de lá são receptivos e não
parecem se importar com a chegada de estranhos -que também se esforçam rapidinho para
entrar no esquema e não parecer
turistas.
DOIS modelos de noite funcionam no Body & Soul: o Loft e o
Paradise Garage. O primeiro foi
considerado o primeiro after-hours da história de Nova York,
as enlouquecidas madrugadas de
sábado para domingo no apartamento do DJ David Mancuso (o
CD em homenagem a ele saiu ano
passado; procure), lá em 1970,
chegando até os anos 80. O segundo foi inspirado pelo Loft e,
até 87, com o DJ Larry Levan, inventou o que se entende hoje por
garage music e muitos dos fundamentos da própria cultura club
em si.
Pois a decoração infantil vem
do Loft, junto ao jeito meio lá-em-casa de se tocar. Do Garage,
as técnicas de mixagens dos DJs
(filtros, mexer nas frequências,
criando viradas), os live PAs, os
órfãos do clube. Dos dois, o amor
pela música, acima de tudo.
O Body & Soul é uma noite tipicamente de NY. Ou seja: house e
garage pelas ventas e seus três DJs
se dividem e se completam ao
longo da noite. François Kervokian, Danny Krivit e o melhor,
Joe Claussel. Na noite (dentro do
Black History Month) que fui,
eles tocaram uma música cada.
Cheios de cultura e passado musical, eles tocam de houses jazzísticas (tipo as do selo Wave), com
muita percussão, clássicos do
soul, puros e originais, clássicos
da disco e ainda pitadas de reggae. O povo grita e aplaude entre
uma música e outra. Grita e levanta as mãos para cima. Aleluia,
é música.
A iluminação é um caso à parte, e
Ariel acende e apaga tudo, colore
tudo, enche a casa de vida. O som
é muito alto (uma sirene leva as
pessoas à loucura) e eles vendem
até plug de ouvido no bar para
proteger o ouvido. O sucesso do
Body & Soul hypou outras noites
no Vinyl, com Little Louie Vega
(quartas-feiras) e Danny Tenaglia
(sextas-feiras).
E quem vai? Negros, gays, latinos,
patricinhas, ingleses, gente da indústria, barbies (que descobriram o lugar no último ano). Gente interessada em música. Não
tem carão, nem na porta. Também não tem barração: entra
quem quiser (14 dólares para
não-membros). Democracia
clubber já. O Body & Soul representa a utopia máxima da experiência noturna, a de que todos
são iguais perante a luz estrobo.
A parte política da coisa se explica
pelo fortalecimento do Body &
Soul no auge da era Rudolph Giuliani, com a cruzada antidrogas e
antidiversão promovida pelo
prefeito em relação aos grandes
clubes e empresários. Pois o Body
& Soul é "limpo", quase moralizado. Não tem função. Nem pegação. As pessoas vão mesmo para dançar, para se acabar. Hedonismo já.
DANCINHAS de todos os tipos
proliferam na pista. Minha tese: o
chão é de tábua corrida, madeira
mesmo. E os pés deslizam, e é fácil (e hype) rodopiar. Todo mundo faz sua própria dancinha, individual, mas não fechada a quem
está à volta. Olhando para o DJ,
mas sem o messianismo do tecno. O DJ está lá, é um companheiro, um cúmplice. Claro, é Nova
York, e tem todos aqueles passinhos latinos legais, que só eles lá
sabem fazer. E tem break-dancing também (vogue eu não vi).
Tem um palquinho, baixo, em
que os mais animados podem se
exibir e se jogar no chão.
NA primeira meia hora, analisei o
clube feito ombudsman da noite,
ó vício de jornalista, louca para
entender tudo e relatar para você
aqui, leitor. Depois, sem perceber, me deixei levar e, quando tocou "I Feel Love", da Donna
Summer mesmo, tive uma crise
histérica (nunca pensei que fosse
ouvir "I Feel Love" em Nova
York!). E outros momentos mais,
que sequer saberia dizer o que era
o quê (sorry, leitor/DJ/estudioso). Por fim, na fila para pegar os
casacos, que levou quase 30 minutos, incrível: ainda consegui
ouvir "You Got me Forever", da
minha amiga Maydie Miles. Tive
outro treco.
COM perdão da intimidade com
o leitor, não podia deixar de contar que, quando cheguei, ainda tive a oportunidade de falar, in loco, a frase clássica: "My name is
on the list". E estava mesmo!
Daqui, o babado da semana é na
segunda-feira, com o Absolut
Ephemera, megafesta na sensacional locação do Ceagesp, no salão de silos, um lugar com pé-direito de 12 m que vai ganhar 400
lanternas e muita fumaça. O conceito de efêmero é fashion e está
no calendário da marca que, pela
primeira vez, encampa um brasileiro, Alexandre Herchcovitch,
que criou o look de novembro,
em tule transparente. Muita vodka e muita comida (Nina Horta,
Alê Atalla e Flávia Quaresma),
mais uma pista de dança com direção musical de Angelo Leuzzi
prometem fazer deste um dos
eventos do ano. Somente para
mil convidados (se vira).
E o top-performer Léo Áquila
convoca amigos e fãs para o espetáculo "Guerreira", dia 11 de
maio. Está longe, mas a história é
que ele alugou, ele mesmo em si,
o Tom Brasil, e contratou um
elenco de 25 pessoas, então precisa de toda ajuda do mundo. Info e
venda de ingressos pelo tel. 263-0390. Léo abala.
Noite Ilustrada manifesta aqui seu apoio à
comunidade gay, contra o homofóbico ataque dos skinheads em São Paulo.
Agradecimentos: Cláudio Braz, pela companhia e pelo macacão da Fiorucci, original.
Na Internet: www.bodyandsoul-nyc.com
E-mail: palomino@uol.com.br
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