São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2000


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NOITE ILUSTRADA - ERIKA PALOMINO
Aleluia: o paraíso é aqui no Body & Soul

VOCÊ chega à pista e vê o lugar cheio, cheio de gente se mexendo. Nessa primeira impressão, ainda não dá para distinguir imagens, apenas corpos em movimento, quase lentos, malemolentes. A luz é clara, e, em torno de um grande globo de espelhos, dezenas de balões de gás coloridos, de diferentes tamanhos, emprestam um tom levemente infantil, descompromissado. Ingênuo, até.

ASSIM está inscrito em minha mente o Body & Soul, a mais importante experiência noturna nova-iorquina desde os históricos tempos do DJ Junior Vasquez (Sound Factory, Twilo). Por conta da relevância dessa festa, Noite Ilustrada dedica a ela um miniespecial.
Para bom entendedor, muitos sinais são ali emitidos e podem certamente ajudar nas mudanças que se fazem necessárias nesse entediado/entediante momento paulistano.

A primeira informação importante é que o Body & Soul acontece aos domingos, em horário de matinê. Com exceção, talvez, das tea-dances gays e dos day clubs ingleses como o DTPM (em que o povo vai mais é virado, emendando mesmo a noite de sábado), domingo é um mico universal. As portas do clube Vynil (6, Hubert Street, em Tribeca) se abrem às 16h, mas o horário bom de chegar é por volta das 18h. Às 21h, aquilo está pegando fogo; lá pelas 23h acaba. E vai todo mundo embora para casa, pronto para aguentar a segundona.

O Body & Soul começou no final de 95. Em 98, era considerado um lugar para iniciados, um "kept-secret", um cult. Agora, em 2000, já virou programa turístico. Chegue a Nova York, e qualquer pessoa (de concierges a jornalistas) vai te dizer: "Você TEM de ir ao Body & Soul").
Certamente vai ter ali algum purista que vai suspirar e dizer: "Ah, antigamente é que era bom, hoje em dia foi "invadido" por outsiders...". Mas mesmo os puristas de lá são receptivos e não parecem se importar com a chegada de estranhos -que também se esforçam rapidinho para entrar no esquema e não parecer turistas.

DOIS modelos de noite funcionam no Body & Soul: o Loft e o Paradise Garage. O primeiro foi considerado o primeiro after-hours da história de Nova York, as enlouquecidas madrugadas de sábado para domingo no apartamento do DJ David Mancuso (o CD em homenagem a ele saiu ano passado; procure), lá em 1970, chegando até os anos 80. O segundo foi inspirado pelo Loft e, até 87, com o DJ Larry Levan, inventou o que se entende hoje por garage music e muitos dos fundamentos da própria cultura club em si.
Pois a decoração infantil vem do Loft, junto ao jeito meio lá-em-casa de se tocar. Do Garage, as técnicas de mixagens dos DJs (filtros, mexer nas frequências, criando viradas), os live PAs, os órfãos do clube. Dos dois, o amor pela música, acima de tudo.

O Body & Soul é uma noite tipicamente de NY. Ou seja: house e garage pelas ventas e seus três DJs se dividem e se completam ao longo da noite. François Kervokian, Danny Krivit e o melhor, Joe Claussel. Na noite (dentro do Black History Month) que fui, eles tocaram uma música cada. Cheios de cultura e passado musical, eles tocam de houses jazzísticas (tipo as do selo Wave), com muita percussão, clássicos do soul, puros e originais, clássicos da disco e ainda pitadas de reggae. O povo grita e aplaude entre uma música e outra. Grita e levanta as mãos para cima. Aleluia, é música.

A iluminação é um caso à parte, e Ariel acende e apaga tudo, colore tudo, enche a casa de vida. O som é muito alto (uma sirene leva as pessoas à loucura) e eles vendem até plug de ouvido no bar para proteger o ouvido. O sucesso do Body & Soul hypou outras noites no Vinyl, com Little Louie Vega (quartas-feiras) e Danny Tenaglia (sextas-feiras).

E quem vai? Negros, gays, latinos, patricinhas, ingleses, gente da indústria, barbies (que descobriram o lugar no último ano). Gente interessada em música. Não tem carão, nem na porta. Também não tem barração: entra quem quiser (14 dólares para não-membros). Democracia clubber já. O Body & Soul representa a utopia máxima da experiência noturna, a de que todos são iguais perante a luz estrobo.

A parte política da coisa se explica pelo fortalecimento do Body & Soul no auge da era Rudolph Giuliani, com a cruzada antidrogas e antidiversão promovida pelo prefeito em relação aos grandes clubes e empresários. Pois o Body & Soul é "limpo", quase moralizado. Não tem função. Nem pegação. As pessoas vão mesmo para dançar, para se acabar. Hedonismo já.

DANCINHAS de todos os tipos proliferam na pista. Minha tese: o chão é de tábua corrida, madeira mesmo. E os pés deslizam, e é fácil (e hype) rodopiar. Todo mundo faz sua própria dancinha, individual, mas não fechada a quem está à volta. Olhando para o DJ, mas sem o messianismo do tecno. O DJ está lá, é um companheiro, um cúmplice. Claro, é Nova York, e tem todos aqueles passinhos latinos legais, que só eles lá sabem fazer. E tem break-dancing também (vogue eu não vi). Tem um palquinho, baixo, em que os mais animados podem se exibir e se jogar no chão.

NA primeira meia hora, analisei o clube feito ombudsman da noite, ó vício de jornalista, louca para entender tudo e relatar para você aqui, leitor. Depois, sem perceber, me deixei levar e, quando tocou "I Feel Love", da Donna Summer mesmo, tive uma crise histérica (nunca pensei que fosse ouvir "I Feel Love" em Nova York!). E outros momentos mais, que sequer saberia dizer o que era o quê (sorry, leitor/DJ/estudioso). Por fim, na fila para pegar os casacos, que levou quase 30 minutos, incrível: ainda consegui ouvir "You Got me Forever", da minha amiga Maydie Miles. Tive outro treco.

COM perdão da intimidade com o leitor, não podia deixar de contar que, quando cheguei, ainda tive a oportunidade de falar, in loco, a frase clássica: "My name is on the list". E estava mesmo!

Daqui, o babado da semana é na segunda-feira, com o Absolut Ephemera, megafesta na sensacional locação do Ceagesp, no salão de silos, um lugar com pé-direito de 12 m que vai ganhar 400 lanternas e muita fumaça. O conceito de efêmero é fashion e está no calendário da marca que, pela primeira vez, encampa um brasileiro, Alexandre Herchcovitch, que criou o look de novembro, em tule transparente. Muita vodka e muita comida (Nina Horta, Alê Atalla e Flávia Quaresma), mais uma pista de dança com direção musical de Angelo Leuzzi prometem fazer deste um dos eventos do ano. Somente para mil convidados (se vira).

E o top-performer Léo Áquila convoca amigos e fãs para o espetáculo "Guerreira", dia 11 de maio. Está longe, mas a história é que ele alugou, ele mesmo em si, o Tom Brasil, e contratou um elenco de 25 pessoas, então precisa de toda ajuda do mundo. Info e venda de ingressos pelo tel. 263-0390. Léo abala.


Noite Ilustrada manifesta aqui seu apoio à comunidade gay, contra o homofóbico ataque dos skinheads em São Paulo.
Agradecimentos: Cláudio Braz, pela companhia e pelo macacão da Fiorucci, original.
Na Internet: www.bodyandsoul-nyc.com

E-mail: palomino@uol.com.br



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