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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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Emissoras vivem clima de guerra

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

De um lado, o presidente ameaçando cassar as concessões. De outro, as TVs transformando seus telejornais em porta-vozes da oposição ao governo.
Na Venezuela, esse cenário potencializa a crise que envolve a gestão de Hugo Chávez.
O conflito entre os maiores grupos de comunicação e a presidência é grave desde 2002. Em abril, o presidente os acusou de terem colaborado com o golpe que o depôs por cerca de 48 horas e, em tom ameaçador, disse, ao retomar o poder, que o "Estado pode ou não dar concessões".
A ameaça se fortaleceu nos últimos dias com a elaboração da Lei de Conteúdos, que tornaria obrigatória uma programação "educativa e revolucionária". Anteontem, Chávez afirmou no "Alô, Presidente", seu programa semanal de rádio e televisão, que a regra visa "proteger crianças e adolescentes dos abusos dos meios, em especial dos quatro cavaleiros, que tem perturbado a tranquilidade dos venezuelanos".
O presidente se refere à Globovisión, Venevisión (do grupo Cisneros, um dos mais poderosos da América Latina), RCTV e Televén, apelidadas por ele de "quatro cavaleiros do apocalipse" por "propiciarem ações golpistas". No programa, disse ainda que a criação da lei é "parte da ofensiva revolucionária contra a atuação discriminatória e racista dos donos dos meios de comunicação".
O governo também está multando as emissoras por diversas razões. A Globovisión, por exemplo, foi autuada na semana passada em US$ 34 mil por supostamente não ter pago impostos. Sua sede e a de outras já foram atacadas por defensores de Chávez e hoje estão cercadas por arame farpado e seguranças armados.
Os canais, por sua vez, além de atacarem sistematicamente o grupo político de Chávez, chegaram a se recusar a noticiar fatos considerados positivos para o governo. O caso mais notório foi em 2002, quando tentaram omitir a volta de Chávez ao comando do país.
Durante a greve geral, interromperam a programação normal para noticiar exclusivamente a paralisação. Intervalos comerciais foram substituídos por propagandas da Coordenação Democrática (reunião de partidos e organizações de oposição), acusando o presidente de "mentiroso", "assassino" e "fracassado" e pedindo a antecipação do referendo sobre a manutenção de Chávez, previsto para agosto deste ano.
Leia abaixo trechos da entrevista que Oswaldo Quintana, vice-presidente corporativo de Assuntos Legais da RCTV e do Comitê Permanente de Liberdade de Expressão da (AIR) Associação Internacional de Radiodifusão, concedeu por e-mail à Folha.
 

Folha - Chávez ameaçou cassar concessões dos veículos contrários a ele. Como está essa situação?
Oswaldo Quintana -
Está muito grave. O presidente está utilizando procedimentos administrativos, judiciais e tributários para justificar sua decisão de cercear a liberdade de pensamento e informação na Venezuela. Agora, há um procedimento aberto pelo ministro da Infra-estrutura que invoca normas de desacato e outros instrumentos jurídicos inconstitucionais com os quais se pretende suspender ou revogar as permissões para as TVs operarem.

Folha - Quantos por cento das rádios e TVs estão na oposição?
Quintana -
Só as públicas, que dependem diretamente do governo, e as ilegais, que têm inclusive incitado a violência contra os meios privados, se pronunciam a favor de Hugo Chávez. Uma imensa maioria está lutando pela democracia na Venezuela.

Folha - O fato de as redes terem omitido a volta de Chávez ao poder em 2002 e o discurso que ele fez à época não tira a credibilidade de seu jornalismo? Não teriam obrigação de ter noticiado esses fatos?
Quintana -
Os meios estão, mais do que nunca, ligados aos venezuelanos e à comunidade internacional. Sempre nos caracterizamos pela luta pela verdade e contra as arbitrariedades do poder. Nunca fomos amigos do governo da vez. O que nos diferencia agora é que enfrentamos um governo que saiu dos limites da democracia. Já não se trata, portanto, de cobrir a gestão de um governo normal, mas de enfrentar um regime autoritário que causou danos imperdoáveis ao país.


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