|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
"Comando" tem o fino da reportagem de TV
XICO SÁ
CRÍTICO DA FOLHA
Um viciado em Walter Benjamin, o filósofo, louvaria o
afeto que se encerra nos bons contadores de histórias. Aqueles que
contam com carinho, quase dengo, narrativas com cafunés. O carioca Goulart de Andrade, o repórter, provavelmente o mais antigo do ramo em atividade na TV
brasileira, é assim.
À beira das bodas de prata (25
anos) do clássico "Comando da
Madrugada", o repórter não perde a manha de arrastar o telespectador para o miolo das suas aventuras. Não é à toa que o prefixo
"Vem comigo!" é o chamado
mais intimista que se conhece no
país.
São 42 anos de reportagens. Do
batuque nas "pretinhas" (como a
gente das antigas tratava as teclas
das velhas Remingtons) do "Última Hora" do bravo Samuel Wainer ao pescoção televisivo da
Band. Maior repórter de TV do
Brasil? Apostamos que sim, mas é
melhor deixar de lado a fita métrica do bom gosto e impressionismo. O velho Goulart condenaria.
Pena que o modelo engomadinho seja tão valorizado pelas
emissoras e quase nada sobre para reportagens como as do "Comando...". Mas se é assim na vida,
como não seria na TV? O pouco
com Goulart é muito. A reportagem mais chocante sobre o inferno das casas psiquiátricas do Brasil é dele, uma descida ao subsolo
do Juqueri.
O que foi feito de melhor sobre a
indústria do prazer em SP, delícias ou sofrimentos, também tem
o "Vem comigo!" de Goulart como evocação. E olhe que o tal do
jornalismo-verdade, aquele em
que o repórter vive na pele a história, é o teletransporte ideal para
levar um homem ao ridículo em
um bater de cílios.
Os adeptos da nostalgia precoce, essa doença infantil da humanidade, poderiam dizer que o velho Goulart já não é mais aquele.
Mas como não? Mantém a coragem como luxo e trata os personagens com o humanismo de antigamente. Seja um burguês metido ou um travesti que enfia silicone industrial no corpo, com risco
de morte, nos pardieiros da Boca
do Lixo.
Mas o submundo ainda é o seu
melhor gênero. É dessa matéria
que se fez o repórter que as TVs
brasileiras só têm coragem de
mostrar na madruga.
Comando da Madrugada
Onde: Bandeirantes
Quando: todo sábado, à 0h30
Texto Anterior: Autora faz Lobato narrar o modernismo Próximo Texto: Bernardo Carvalho: O fetiche do autor Índice
|