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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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TEATRO

A era da inocência

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Cena de "O Paraíso Perdido", que faz temporada na Catedral Anglicana de SP a partir de amanhã para o público em geral



O Teatro da Vertigem resgata sua infância com a remontagem de "O Paraíso Perdido" (1992) numa igreja


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

"E se houver um tempo de retorno, eu volto", afirma o Anjo Caído. Dez anos e três meses depois da estréia, em 1992, ele empreende uma volta relâmpago a partir de hoje, em São Paulo, na remontagem de "O Paraíso Perdido", a peça-gênese do grupo Teatro da Vertigem.
Originalmente interpretado por Matheus Nachtergaele, agora revezado por Luís Miranda e Roberto Audio, este mensageiro entre Deus e o Homem amarra uma narrativa fragmentada, composta por quadros que redundam no questionamento do sagrado.
Imberbe, de asas alquebradas, este Anjo Caído traz nos punhos um aparato de luz que ilumina seu rosto e seu caminho na escuridão de uma igreja.
Contudo, não se espere de "O Paraíso Perdido" o duro périplo de "O Livro de Jó" (1995), encenada num hospital, ou a violência pé-no-chão de "Apocalipse 1,11", no interior de um presídio.
"Quem nunca viu "O Paraíso.." poderá se surpreender. É o primeiro trabalho do grupo, mais lírico, mais poético, talvez sem a contundência de "Jó" ou a agressividade de "Apocalipse'", diz o encenador Antônio Araújo, 36.
Os desassossegos são de outra natureza. Um espécie de era da inocência do Vertigem. Seu primeiro espetáculo radicaliza na pesquisa científica em torno das leis da física e da mecânica clássicas. Há mais ênfase na expressividade do corpo do que na palavra.
Para se ter idéia, o texto-roteiro, resultado da dramaturgia de Sérgio de Carvalho (hoje encenador da Cia. do Latão), ocupa sete páginas de "Teatro da Vertigem - Trilogia Bíblica" (Publifolha, 2002).
A peça é inspirada no poema clássico do inglês John Milton, "Paradise Lost", escrito no século 17. A pesquisa também usou como fonte a Bíblia, Jorge Luís Borges, Rainer Maria Rilke e T.S. Eliot, entre outros.
"O Paraíso Perdido" pode ser dividido em três movimentos, tal qual ritos de passagem: a dor da queda, o brincar com fogo que leva ao castigo e a tentativa de ascensão do Homem em detrimento do desejo do Anjo Caído de permanecer na terra.
A ludicidade se expressa, por exemplo, na brincadeira de cabra-cega. Mas há momentos de choro, de desolação. Como quando o Anjo Caído questiona o Pai, numa citação fiel a Jó, o personagem bíblico: "Por que indagar minha culpa e examinar meu pecado, se tudo foi modelado à sua imagem e semelhança?".
Encontrar pontos de interseção nos três espetáculos do repertório é atrativo à parte com o qual os artistas do Vertigem vêm lidando no projeto de remontagem da chamada trilogia bíblica.
Nesta semana e na seguinte, em particular, o público tem a chance de acompanhar consecutivamente as três peças em cartaz.
"Este Anjo Caído que fala contra Deus, evolui depois para o Jó e alcança a Besta", afirma Araújo. Ele espera proporcionar essa perspectiva sobretudo para o espectador que não conheceu a infância do grupo.
A polêmica gerada pela encenação de "O Paraíso Perdido" em sua primeira montagem, na igreja de Santa Ifigênia, bairro paulistano de Santa Cecília, marcada por reações de católicos conservadores, não deverá ser repetida na temporada da Catedral Anglicana de São Paulo, na zona sul.
O reverendo Aldo Quintão, 40, já havia assistido a "O Livro de Jó" e "Apocalipse 1,11" e consentiu com o projeto de remontagem de "O Paraíso Perdido".

O PARAÍSO PERDIDO - Dramaturgia: Sérgio de Carvalho. Direção: Antônio Araújo. Com: Teatro da Vertigem. Onde: Catedral Anglicana de São Paulo (r. Comendador Elias Zarzur, 1.239, Alto da Boa Vista). Quando: pré-estréia hoje, para convidados; a partir de amanhã, para o público em geral; ter. e qua., às 21h. Até 19/3. Quanto: R$ 30. Vendas na Casa nš 1 (r. Roberto Simonsen, 136-B, às ter. e qua., das 16h às 18h, e qui. a dom., das 16h às 19h; tel. 0/xx/11/9114-3410). Patrocinador: BrasilTelecom.


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