São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 2006

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A PRAIA É DO ROCK

Banda inglesa, que se apresenta hoje no Rio, ataca Bush e retoma vigor e coesão do início da carreira

"Há muito por acontecer", diz Richards

GARY GRAFF
DO "NEW YORK TIMES"

Para Keith Richards, existe pelo menos um bom motivo para manter vivos os Rolling Stones em sua quinta década como banda. "O fato de que nós sejamos convidados a fazer shows ajuda", diz o encarquilhado guitarrista de 61 anos, conhecido pela dedicação a "riffs" de guitarra imortais e ao uísque Jack Daniels Black Label. "Trata-se de uma oportunidade para que a banda passe algum tempo unida."
Três dos Stones -Richards, o vocalista Mick Jagger e o baterista Charlie Watts- têm passado muito tempo juntos desde 1962, e o guitarrista Ron Wood faz parte da banda desde 1974. Ao longo dessas décadas, eles conquistaram fama como "a maior banda de rock'n'roll do mundo", e sua carreira talvez tenha durado o suficiente para que agora sejam considerados também como a banda de rock mais velha do mundo.
Mas ao contrário dos músicos que ganharam fama nos anos 60 e 70 e continuam interpretando os maiores sucessos do passado a cada temporada, os Stones se orgulham de ser uma banda que se manteve ativa e continua capaz de lotar estádios -exatamente o que eles vêm fazendo em sua turnê atual-, e de gravar música de alta potência, como a que se pode ouvir em "A Bigger Bang", um disco com peso e pegada, que estreou na terceira posição da parada da "Billboard".

Rock adulto?
A essa altura, todos os membros da banda poderiam fazer parte de associações de aposentados. Jagger tem 62 anos, Watts, 64, e Wood, o "bebê" do grupo, já completou 58- e isso talvez faça com que pareçam muito distantes da rebelião juvenil expressa em "(I Can't Get No) Satisfaction" (1965) e "Let's Spend the Night Together" (1967). Mas Richards acredita que a carreira da banda seja um contínuo, e que ainda há muito por acontecer.
"Como é que se pode tornar o rock adulto?", pergunta. "Essa questão me parece muito interessante, e nós somos a única resposta. Quando enfim batermos as botas, aí vocês descobrirão por quanto tempo teremos sido capazes de manter o pique."
"O sentimento do pessoal da banda é que só agora descobrimos como as coisas deveriam ser feitas", diz Richards. "Tudo muda a cada vez que saímos em turnê. Surgem novas tecnologias, novas maneiras de lidar com as coisas, nada se repete. As pessoas talvez pensem: "Ah, olha os Stones fazendo mais uma turnê". Mas, quando você está envolvido no processo, há sempre uma nova aventura. Há sempre algo de novo a aprender."
"E, de qualquer jeito, eu gosto de viajar", acrescenta.
A viagem dos Stones até "The Bigger Bang" foi tão longa quanto movimentada, marcada por controvérsias quanto ao mau comportamento da banda, detenções por porte de drogas, letras que violavam tabus sexuais, políticos e referentes a drogas, romances que atraíram a atenção dos tablóides, preços altos de ingressos e o primeiro contrato de patrocínio corporativo a uma turnê de rock pela Jovan, em 1981.
O uso de drogas por Richards se tornou tema de lendas do rock e chegou a ameaçar sua vida na década de 70, enquanto a ativa vida romântica de Jagger sempre atraiu a atenção dos jornais sensacionalistas.

Bush
Ainda hoje, o grupo é capaz de causar irritação. "Sweet Neo-Con", uma das faixas de "A Bigger Bang", é um ataque deliberado às políticas do presidente norte-americano George W. Bush.
"Eles continuam a ser muito ferozes", diz o também roqueiro e fã Jon Bon Jovi. "Poderíamos imaginar os dois velhinhos sentados em uma sala, dizendo que as pessoas estão fazendo piadas a respeito deles, e que a única solução é voltar a ostentar o lado durão que caracterizava a banda. E é isso que eles estão fazendo."
Talvez, mas Richards alega que "começam a aparecer sinais de maturidade".
A observação se aplica especialmente à relação entre ele e Jagger, a outra metade dos "Glimmer Twins", seu parceiro de composição e produção e seu amigo desde que se conheceram em uma escola britânica, ainda alunos de primeiro grau. Houve períodos de belicosidade entre eles, especialmente nos anos 80, quando uma briga dos dois manteve os Stones longe dos palcos por sete anos.
Mas "A Bigger Bang", cuja gravação começou em junho de 2004 no castelo de Jagger no sul da França, reflete uma proximidade e uma coesão que remetem aos dias clássicos do grupo.
"Eu sou testemunha de que a colaboração entre Mick e Keith neste disco foi tão próxima quanto a que eles mantinham em 1968, ou algo assim", declarou em entrevista o produtor Don Was, que co-produziu o disco.
O trabalho em "A Bigger Bang" começou com uma dose gélida de realidade para os Rolling Stones. Wood, que sofre de alcoolismo e passou por um período de reabilitação antes da turnê do grupo em 2002, teve uma recaída e voltou à terapia. Um abalo ainda mais severo surgiu com a notícia de que Watts estava sofrendo de um câncer na garganta. Jagger e Richards não sabiam exatamente como proceder.
"Mick e eu nos olhamos e pensamos que tudo que é bom um dia acaba", lembra Richards, e sorri. "Mas que nada. Em alguns segundos percebemos que essa atitude não seria ajuda nenhuma para Charlie. Ele não se sentiria nada bem, trancado em um hospital em algum lugar e sabendo que a ausência dele estava impedindo que trabalhássemos. Por isso, decidimos tocar o projeto."
Jagger e Richards começaram a compor, dividindo as funções de contrabaixista; Jagger se encarregou da bateria.
"É trabalho pesado", diz Jagger, acrescentando que apenas uma de suas trilhas de bateria, na faixa "Infamy", sobreviveu ao retorno de Watts. "Eu vivia telefonando para Charlie, dizendo que minha perna estava doendo por causa do pedal do bumbo, e que eu não sabia qual era o pedal certo. Ele me explicou que pedal eu precisava comprar."
O resultado foi um processo de gravação muito enxuto, que se beneficiou da colaboração estreita entre Jagger e Richards e da pressão a que os dois foram submetidos em função das circunstâncias. "De certa maneira, foi até bom", disse Jagger, "porque conseguimos fazer muito naquele período de trabalho". "Assim, enquanto Charlie estava em recuperação, conseguimos compor muito mais, cuidar dos arranjos e de outras tarefas", acrescenta.

Only rock'n'roll
Quando Watts enfim retornou ao estúdio, diz Richards, "A Bigger Bang" tinha um jeito diferente. "O álbum começou a falar conosco, logo que Charlie voltou, e nos dizia que não queria saber de cobertura, marzipã e velas decorativas, que nada disso era necessário, e que o melhor era não enfeitá-lo demais", diz o guitarrista. "Nós percebemos que havíamos composto um conjunto de canções que tinham personalidade sem precisar de ajuda externa."
Jagger e Richards tiveram seus desentendimentos durante a gravação, mas Was alega que os desacordos ocasionais foram produtivos. "Nunca chegaram ao estágio de conflito armado", diz o produtor, "mas houve alguns momentos tensos, porque eles investem emocionalmente naquilo que fazem. Têm sentimentos fortes com relação ao disco, e um com relação ao outro".
Um dos pontos de desacordo foi "Sweet Neo-Con", composta por Jagger, que classifica o presidente Bush como "hipócrita"; o vocalista define a canção como "um ataque bastante direto à política dos neoconservadores".
Ainda que compartilhe dos sentimentos do parceiro, Richards questionou a inclusão da canção no álbum. "Eu imaginava que ela poderia prejudicar o disco, criar uma espécie de tempestade política em um copo d'água", relembra Richards. "Meu problema com políticos é que... eu não sei, na verdade, se eles merecem uma canção dos Rolling Stones."
Resolvidas todas as divergências, Jagger e Richards ficaram ansiosos por mostrar o material novo, como se fossem fotos de seus filhos ou, no caso deles, netos.

Recorde de grana
Richards diz que os Stones e os músicos que os acompanham na turnê estão preparados para tocar todas as 16 canções de "A Bigger Bang", e diversas delas já foram integradas ao show. "Não temos chance de tocar muitas canções novas", admite Jagger. "Mas à medida que a turnê avança, o número tende a aumentar. É bom ter um disco novo no mercado."
E é bom que existam pessoas dispostas a ouvi-lo. Mesmo com preços um tanto elevados, as turnês dos Stones continuam a ser uma máquina de fazer dinheiro. Desde "Steel Wheels", em 1989, o grupo faturou mais de US$ 1 bilhão em vendas de ingressos, e a turnê "Voodoo Lounge", de 1994, continua a deter o recorde mundial de faturamento, com 6,4 milhões de ingressos vendidos e cerca de R$ 700 milhões em receita.
Richards diz que ele e sua banda não deixarão de tocar enquanto as pessoas estiverem interessadas em vê-los.
"Sempre me surpreendo. Se tanta gente assim quer ver você, mesmo que sua perna tenha caído, você se sente obrigado a tocar. Isso nos mantém alertas. Você não quer decepcionar o público, e você não quer decepcionar a você mesmo", ele diz. "Na verdade, eu sempre me digo que, se as pessoas querem que a gente toque, o negócio é sair do sofá e tocar."


Tradução Paulo Migliacci


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