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FILOSOFIA
"Breviário" adere à vida
HÉLIO SCHWARTSMAN
da Equipe de Editorialistas
Por que um ateu
contumaz vai ler
um livro -a introdução adverte-
"de religiosidade e
reverência a Deus"?
Porque o chefe mandou, é a primeira resposta que surge. Mas esta é, para usar a terminologia escolástico-aristotélica, apenas a
"causa efficiens", aquela de onde
procede o princípio do movimento, uma causa de valor menor, podendo ser até puramente acidental. Quando, porém, o incréu gosta do que leu, faz-se necessária
uma análise mais detida.
Foi este o caso de "Breviário de
Meditação", de José da Silva Martins. A obra é composta de três
partes. Na primeira, que é o núcleo do livro, o autor oferece curtas reflexões sobre Deus, felicidade e sabedoria a partir de frases de
nomes como Tolstói, Schiller,
Proust. A escolha das máximas é
inspirada, e as glosas que se seguem não ficam atrás.
Se se pode tirar uma tendência
geral de comentários de escopos
tão variados, esta é, sem dúvida, a
vitalidade dos pensamentos. Independentemente do que se pense a respeito de Deus e de como se
encare a questão da felicidade, os
textos revelam uma "adesão à vida" que só pode ser invejada. E esse é um tema de que Martins entende. Do alto de seus 102 anos,
ele figura no "Guiness" como escritor mais idoso a ter publicado
seu primeiro livro, aos 84 anos.
É evidente, contudo, que ter 102
anos não credencia ninguém a escrever uma boa obra. É preciso
também exibir conteúdo, algo
que "Breviário de Meditação"
tem. As referências por detrás das
reflexões são múltiplas e ecléticas.
Há a tradição órfica, Platão, Pascal, livros da Bíblia, algo de filosofia oriental e muito estoicismo,
tudo isso temperado por um humanismo com fontes em Gandhi
e Luther King.
Seria mais fácil prosseguir na
trilha do elogio, mas eu não resisto. As meditações de Martins por
vezes pecam pela ingenuidade.
Embora esteja longe dos planos
do autor criar um sistema, de seus
textos emergem contradições que
colocam problemas nem sempre
enunciados. Um exemplo: como
conciliar um Deus que se pretende universal com a tolerância a visões que excluem este Deus? Martins afirma esses dois princípios.
Sua harmonização, contudo, é filosoficamente precária.
Talvez haja uma sabedoria mais
profunda por trás dessa precariedade. A aceitação de um mundo
repleto de contradições é uma das
lições do estoicismo de que o autor se apropria. Parece ser também um dos segredos de sua vitalidade. Fora de uma rígida disciplina estóica, como resistir ao desejo de abandonar tudo, em especial quando se acredita que depois
há uma outra vida melhor?
Na segunda parte do livro, Martins proporciona ao leitor trechos
de alguns de seus autores favoritos. Há desde textos bastante conhecidos, como o Canto 1 de "Os
Lusíadas" e "O Sermão da Montanha", até obras mais raras do tipo
de "Os Versos de Ouro", da tradição órfica, e "Só a Mente Lúcida
Vê o Real", de Krishnamurti.
No última parte, há uma coleção de mais de mil aforismos sobre os mais diversos temas, uma
"farmácia moral", como Martins
a chama "apud" Voltaire.
"Breviário de Meditações", em
que pese sua simplicidade, não é
obra fácil. Para acompanhar o raciocínio do autor, é necessário ler
e reler os textos várias vezes e até
abandoná-los para retornar depois. Não por falta de clareza -a
prosa é límpida e precisa-, mas
pela aridez do assunto.
Ainda não foi desta vez que encontrei Deus, mas achei uma leitura instigante, o que, para o ímpio, acaba sendo uma das coisas
que faz este mundo valer a pena.
Avaliação:
Livro: Breviário de Meditação
Autor: José da Silva Martins
Editora: Martin Claret
Quanto: R$ 39 (424 págs.)
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