São Paulo, sábado, 18 de março de 2000


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CRÍTICA
Compositor procura a rota da sofisticação

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local


"Mama Mundi", quarto CD de Chico César, 36, é aprumo de rota na sua carreira.
Se vinha migrando a certo comercialismo populista em seus segundo ("Cuscuz Clã", 96) e terceiro ("Beleza Mano", 97) álbuns, agora ele parece perseguir a sofisticação -e sem apelar para modismos tecno.
Seu apreço pela world music está mantido ("4h14 ou 10 p/3", que abre o disco, já entra na fase terceiro-mundista de Paul Simon), mas aqui ele busca o novo.
Assim, congrega gaitas de foles (na já citada "4h14 ou 10 p/3") ou referências orientais ("Aquidauana", gravada primeiro nas ruas de Istambul), em arranjos quase sempre complexos.
Outro nicho de referência de Chico César, o caetanismo, passa pelo mesmo processo. A influência tropicalista fica marcada (Gilberto Gil é evidente em "Dança", regravada de seu primeiro CD, "Aos Vivos", de 95, e na "gonzaguiana" "Nego Forro").
Mas Chico resolveu tomar constituintes mais sofisticados da tropicália. Tal se pode perceber no belíssimo arranjo de "Barco" (impossível não lembrar de"Os Argonautas", do disco pré-exílio de Caetano), de evocação aos de Rogério Duprat no refluxo tropicalista de 69.
A mesma "Barco", um dos ápices do CD, se comunica com o pós-tropicalismo sideral/siderado de Jorge Ben em "Errare Humanum Est" (74) e, daí, com o outro ápice, "Talvez Você", forrado de violinos afetuosos (um pouco como os que Ben usava em 71), sob uma letra inspirada de espiral amorosa: "Se é melhor ficar só não sei/ Talvez sair/ E alguém me achar/ Talvez você".
As letras ainda giram em torno do pós-modernismo tropicalista e do romantismo de desamor.
Em "Dança do Papangu", entretanto, ele ousa modesto protesto, dizendo que "não é o Tchan/ nem U2/ na dança do papangu/ dança lady Diolinda/ dança Lady Zu".
De cara parece nacionalismo (a líder-mulher do Movimento dos Sem-Terra já foi tema de Chico em "Diolinda", que o co-autor Vicente Barreto lançou há pouco, assim como fez com "Talvez Você"), mas não é. É U2 versus Lady Zu -a disco-rock de lá contra a disco-funk daqui-, é Carla Perez versus Diolinda -a bunda de lá contra a cabeça daqui. De leve, que é contravenção.
Na ponta oposta, há "Sou Rebelde", aquela da versão brega-lindinha de Paulo Coelho para o sucesso de Lilian (a do Leno) em 79, em releitura ultracool.
Não é feia -Chico sempre se dá melhor quando amansa a voz, embora goste da aspereza e grite à vontade no CD, notadamente na canção-título e em canções que havia dado antes a Maria Bethânia ("A Força Que Nunca Seca", 99) e a Rita Ribeiro (a bela "Pensar em Você", também 99).
Mas quer apostar que foi idéia luminosa da gravadora, doida para que se refaça o "ressucesso" de Peninha por Caetano, "Sozinho"? Repare nas fundas semelhanças de tema e tratamento entre ambas... Vai ser moda.
Outra fresta é que "Mama Mundi" força a mão em estranhos temas world-indígenas -eles transpassam a faixa-título (uma realocação de "Um Índio", de Caetano), "Aquidauana", "Dança" (arranjo vindo direto da oca), os gritos finais do tecno-reggae "Folclore", o samba-enredo "Sonho de Curumim".
Fica um cheirinho de 500 anos de Brasil, de adesismo à festa que não tem razão de ser (os Pitta que o provem). Chico César fica de lá, fica de cá. Muito múltiplo, escolheu a sofisticação -o que já são óculos escuros na claridade cegante da indústria da bunda-, mas não ideologia.


Avaliação:   


Disco: Mama Mundi Artista: Chico César Lançamento: MZA/Universal Quanto: R$ 20, em média

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