São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2004

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CINEMA

Cinebiografia realizada por Nelson Pereira dos Santos sobre intelectual paulistano tem pré-estréia hoje em São Paulo

Filme exibe as raízes de Sérgio Buarque

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Quase todas as acepções da palavra raiz ajudam a ilustrar o que é o filme "Raízes do Brasil", cinebiografia sobre Sergio Buarque de Holanda (1902-1982) realizada por Nelson Pereira dos Santos.
Um dos intelectuais mais robustos da terra, o historiador e sociólogo paulistano poderia render centenas de rolos de 35 milímetros de debates sobre os desdobramentos de sua bibliografia. Mas não é para essas folhagens que o principal cineasta em atividade no país apontou sua câmera.
O filme, que tem pré-estréia hoje em São Paulo, na Sala Cinemateca, toma outra "árvore" como base, a "árvore genealógica". É por meio de depoimentos da vasta descendência de Buarque de Holanda que "Raízes do Brasil" busca retratar seu personagem.
Pereira dos Santos, 75, conta que queria mostrar aspectos pouco conhecidos (e não desimportantes) do intelectual, considerado unanimemente um dos principais "intérpretes do Brasil", ao lado de Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e outro punhado mais.
Os depoimentos dos sete filhos (Miúcha, Sérgio, Álvaro, Chico, Maria do Carmo, Ana Maria, Maria Cristina) e da maior parte dos netos ajuda a mostrar "a parte oculta de qualquer coisa enterrada, cravada, embutida ou fixada em outra", como (o dicionário) "Aurélio" (primo distante de Sérgio) define raiz.
Poucos sabem que o autor dos clássicos "Visão do Paraíso" (1958) e do hit "Raízes do Brasil" (1936) gostava de ler o gibi "Luluzinha", que ocasionalmente "puxava fumo", que não usava roupas marrons, que cantava tango em alemão e que "adorava fofocas", como afirma o filho Chico, é, Chico Buarque de Holanda (que conta história do pai sobre uma remessa por correio do "pentelho de Duque de Caxias").
Esses e outros tantos "temperos" do documentário não chegam a ser acessórios. Ajudam a retratar um "germe, princípio, origem" (mais uma vez o velho "Aurélio") do intelectual.
Quem o explica, no filme, é o crítico Antonio Candido, que deve falar hoje na pré-estréia.
"Era um erudito inclinado à molecagem", opina Candido, ressaltando a consciência de Sérgio Buarque do "dever intelectual", mas com a "qualidade da molecagem de 22". Mostrava que "seriedade está ligada à alegria".
O outro lado da moeda, o aspecto "trombudo", também sai do solo. Filhos e netos contam como o patriarca ficava plantado ad infinitum no seu escritório, com a cara enfiada nos fartos livros.
Com a palavra Chico, mais uma vez. "Eu me lembro de vê-lo andando e me surpreender que ele andasse", recorda, com o olhar do garoto, que "passava e via aquela pessoa com óculos na testa".
O cantor e compositor, que diz só ter tido acesso ao escritório do pai depois dos 20 anos (acesso que era vetado a todos os outros filhos, com exceção da "queridinha" Ana, apelidada de Baía), lembra dos livros "cobrindo tudo, fechando a janela para sempre".
Chico afirma que o pai "não gostava muito de criança". O que não transparece nos depoimentos emocionados dos netos do intelectual, cada um deles dono de um exemplar de "Raízes do Brasil" autografado pelo "Papyotto", como todos eles chamam o avô.
Uma das netas, a atriz Silvia Buarque, filha de Chico, é quem dá voz ao livro clássico do vovô.
Se a primeira parte toda do filme de Nelson Pereira dos Santos é centrada na conversa com a família, a metade subseqüente se nutre de uma cronologia alentada da vida do biografado, toda ela entremeada por trechos de "Raízes do Brasil" declamados pela atriz.
Esses 72 minutos finais (que levam o filme aos seus fartos 146 minutos) trazem à tona outro dos sentidos cravados no fundo da terra do substantivo "raiz".
"Essa parte do filme mostra como Sérgio foi radical, no sentido de ter sido um intelectual que nunca fez concessões", opina a crítica literária Beatriz Resende, que assistiu à primeira exibição do filme, na sede da Petrobras (patrocinadora do documentário), com o diretor do filme e familiares presentes.
Ausência mais sentida nessa "première" do filme foi sua estrela maior. Maria Amélia, hoje com 94 anos, viúva de Sérgio, dá os depoimentos mais bonitos do documentário. Nem a primogênita, a cantora Miúcha (co-roteirista do filme), segura a emoção. Enquanto a mãe fala na tela, na "platéia" ela chora e balbucia "Ah, mamãe". Como testemunha Candido, Maria Amélia esteve na raiz da força intelectual de Buarque de Holanda, o "homem cordial", que agora todos conhecem melhor.


O jornalista Cassiano Elek Machado viajou a convite da Petrobras


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