|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Cinebiografia realizada por Nelson Pereira dos Santos sobre intelectual paulistano tem pré-estréia hoje em São Paulo
Filme exibe as raízes de Sérgio Buarque
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Quase todas as acepções da palavra raiz ajudam a ilustrar o que é
o filme "Raízes do Brasil", cinebiografia sobre Sergio Buarque de
Holanda (1902-1982) realizada
por Nelson Pereira dos Santos.
Um dos intelectuais mais robustos da terra, o historiador e sociólogo paulistano poderia render
centenas de rolos de 35 milímetros de debates sobre os desdobramentos de sua bibliografia.
Mas não é para essas folhagens
que o principal cineasta em atividade no país apontou sua câmera.
O filme, que tem pré-estréia hoje em São Paulo, na Sala Cinemateca, toma outra "árvore" como
base, a "árvore genealógica". É
por meio de depoimentos da vasta descendência de Buarque de
Holanda que "Raízes do Brasil"
busca retratar seu personagem.
Pereira dos Santos, 75, conta
que queria mostrar aspectos pouco conhecidos (e não desimportantes) do intelectual, considerado unanimemente um dos principais "intérpretes do Brasil", ao lado de Gilberto Freyre, Caio Prado
Júnior e outro punhado mais.
Os depoimentos dos sete filhos
(Miúcha, Sérgio, Álvaro, Chico,
Maria do Carmo, Ana Maria, Maria Cristina) e da maior parte dos
netos ajuda a mostrar "a parte
oculta de qualquer coisa enterrada, cravada, embutida ou fixada
em outra", como (o dicionário)
"Aurélio" (primo distante de Sérgio) define raiz.
Poucos sabem que o autor dos
clássicos "Visão do Paraíso"
(1958) e do hit "Raízes do Brasil"
(1936) gostava de ler o gibi "Luluzinha", que ocasionalmente "puxava fumo", que não usava roupas marrons, que cantava tango
em alemão e que "adorava fofocas", como afirma o filho Chico, é,
Chico Buarque de Holanda (que
conta história do pai sobre uma
remessa por correio do "pentelho
de Duque de Caxias").
Esses e outros tantos "temperos" do documentário não chegam a ser acessórios. Ajudam a
retratar um "germe, princípio,
origem" (mais uma vez o velho
"Aurélio") do intelectual.
Quem o explica, no filme, é o
crítico Antonio Candido, que deve falar hoje na pré-estréia.
"Era um erudito inclinado à
molecagem", opina Candido, ressaltando a consciência de Sérgio
Buarque do "dever intelectual",
mas com a "qualidade da molecagem de 22". Mostrava que "seriedade está ligada à alegria".
O outro lado da moeda, o aspecto "trombudo", também sai do
solo. Filhos e netos contam como
o patriarca ficava plantado ad infinitum no seu escritório, com a
cara enfiada nos fartos livros.
Com a palavra Chico, mais uma
vez. "Eu me lembro de vê-lo andando e me surpreender que ele
andasse", recorda, com o olhar do
garoto, que "passava e via aquela
pessoa com óculos na testa".
O cantor e compositor, que diz
só ter tido acesso ao escritório do
pai depois dos 20 anos (acesso
que era vetado a todos os outros
filhos, com exceção da "queridinha" Ana, apelidada de Baía),
lembra dos livros "cobrindo tudo,
fechando a janela para sempre".
Chico afirma que o pai "não
gostava muito de criança". O que
não transparece nos depoimentos
emocionados dos netos do intelectual, cada um deles dono de
um exemplar de "Raízes do Brasil" autografado pelo "Papyotto",
como todos eles chamam o avô.
Uma das netas, a atriz Silvia
Buarque, filha de Chico, é quem
dá voz ao livro clássico do vovô.
Se a primeira parte toda do filme de Nelson Pereira dos Santos é
centrada na conversa com a família, a metade subseqüente se nutre
de uma cronologia alentada da vida do biografado, toda ela entremeada por trechos de "Raízes do
Brasil" declamados pela atriz.
Esses 72 minutos finais (que levam o filme aos seus fartos 146
minutos) trazem à tona outro dos
sentidos cravados no fundo da
terra do substantivo "raiz".
"Essa parte do filme mostra como Sérgio foi radical, no sentido
de ter sido um intelectual que
nunca fez concessões", opina a
crítica literária Beatriz Resende,
que assistiu à primeira exibição
do filme, na sede da Petrobras
(patrocinadora do documentário), com o diretor do filme e familiares presentes.
Ausência mais sentida nessa
"première" do filme foi sua estrela
maior. Maria Amélia, hoje com 94
anos, viúva de Sérgio, dá os depoimentos mais bonitos do documentário. Nem a primogênita, a
cantora Miúcha (co-roteirista do
filme), segura a emoção. Enquanto a mãe fala na tela, na "platéia"
ela chora e balbucia "Ah, mamãe". Como testemunha Candido, Maria Amélia esteve na raiz da
força intelectual de Buarque de
Holanda, o "homem cordial", que
agora todos conhecem melhor.
O jornalista Cassiano Elek Machado
viajou a convite da Petrobras
Texto Anterior: Mundo gourmet: Yan tenta retomar gosto pela cozinha asiática Próximo Texto: Sessão na Cinemateca dá início a ciclo Índice
|