São Paulo, sábado, 18 de março de 2006

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Por que num país tão assimétrico a apatia parece dominar a ação dos mais pobres? É o que o novo livro de Wanderley Guilherme dos Santos tenta explicar

Desigual e acomodado

Alexandre Durão/Folha Imagem
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, que acaba de lançar o livro "Horizonte do Desejo", em seu escritório, no Rio


UIRÁ MACHADO
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A questão é, talvez, um dos maiores enigmas do arranjo social brasileiro: como é possível conciliar uma das sociedades mais injustas do mundo com a aparente acomodação dos mais pobres?
Para Wanderley Guilherme dos Santos, 70, um dos mais importantes cientistas políticos do país, não há contradição entre os termos, mas relação de causa e efeito. É que a suposta "acomodação", na realidade, reflete a claríssima percepção das "classes subalternas" do enorme risco contido em qualquer tentativa de ação coletiva para mudar a ordem das coisas -e, por fim, ajuda a explicar a desigualdade no país.
A sociedade brasileira, ele diz, para se reproduzir com toda a sua desigualdade, não só desestimula mas pune tentativas fracassadas de reivindicações de mudança.
Quando os mais ricos se mobilizam por suas demandas e falham, não pagam nada: sua situação continua sendo a mesma de antes da reivindicação. Entre os pobres, porém, afirma Santos, o custo do fracasso é alto: pode ser, por exemplo, a perda do emprego, (com desemprego prolongado), a marginalização etc.
O "risco implícito à ação coletiva" é maior para os mais pobres porque, diferentemente de outros países, aqui as garantias constitucionais não são igualmente consumidas por toda a população, diz Santos. Não há uma rede de proteção a escorar o pobre que "tropeça". Professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), seu último livro, "Horizonte do Desejo - Instabilidade, Fracasso Coletivo e Inércia Social" (FGV; R$ 26; 204 págs.) -que acaba de ser lançado- trata do tema.
 

Folha - Como se explica a constante desigualdade de renda no Brasil? O sr. fala num risco para os pobres em ações coletivas para tentar modificar essa situação.
Wanderley Guilherme dos Santos -
A desigualdade de renda, e não só ela, a desigualdade no consumo de vários itens, tanto materiais quanto simbólicos, não tem uma causa única. Aquilo para o que chamo a atenção nesse livro é algo que também tem um poder causal bastante grande e que tem passado despercebido: o custo do fracasso da ação coletiva.
No cálculo da ação coletiva por parte das populações mais pobres, há uma parcela que não consta do mesmo cálculo feito pelas populações mais ricas. Quando os mais ricos fazem os seus movimentos, se mobilizam, pressionam o Congresso, fazem abaixo-assinados, manifestos e tentam, por vários meios legítimos, obter uma legislação favorável e não conseguem, a situação atual dos integrantes dessa associação permanece como antes do início da ação. Tudo que valia antes continua a valer. O status quo dele permanecerá o mesmo.
Não é o caso com as corporações marginais, com as corporações mais pobres. Há um risco muito elevado de que, quando a ação coletiva fracassa, o status quo piore -de que a sua situação fique pior do que quando a ação coletiva começou. Isso faz com que o volume de mobilizações no país por parte das populações mais carentes seja bem menor do que seria de esperar, considerando o grau da desigualdade.


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