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LIVROS
ROMANCE
É reeditado "Subúrbio", que iniciou nova fase na literatura de SP em 94
A bruta periferia de Bonassi, para além do determinismo
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Títulos de romance com
uma palavra só -"Cacau"
(Jorge Amado), "Maleita" (Lúcio
Cardoso), "Angústia" (Graciliano
Ramos), "Lapa" (Luís Martins)-
têm o poder de sugerir um universo fechado, brutal, abatendo-se como uma fatalidade sobre os
seus personagens.
"Subúrbio", de Fernando Bonassi (colunista da Folha), inscreve-se com brilho nessa tradição, e
é numa homenagem não de todo
irônica ao determinismo naturalista que o nome de Cesare Lombroso apareça na primeira página
deste romance. Não como referência teórica, é claro (pois já passou o tempo de tomar o formato
craniano como chave para explicar atos de delinqüência), mas como um marco geográfico: Bonassi faz menção a uma placa de rua,
"quase morta de ferrugem", celebrando a memória do "emérito
cientista italiano" lá pelos lados
da Vila Prudente, perto da "divisa
com São Caetano do Sul", onde "a
fumaça da Mannesmann turva
tudo".
Mesmo se paulistano, o leitor
dos livros de Bonassi dificilmente
transita por essas regiões, muito
além dos Jardins. Nascido na
Mooca, em 1962, o autor sabe disso -e faz da riqueza documental
um ponto forte de "Subúrbio". Na
casa do "velho" e da "velha"
-personagens que ficarão sem
nome ao longo do romance-, sabemos que "tinha acontecido um
problema com a manilha que
atravessava a cozinha de fora a fora", e que por isso a cerâmica do
chão foi quebrada, e "do conserto
adiado resultou uma passarela de
vermelhão."
O virtuosismo detalhístico
-que não recua diante da brutalidade e da escatologia- convive,
nas 74 cenas curtas que compõem
o livro, com um senso muito matizado da distância, do arquetípico, do exemplar. O uso peculiar
de pronomes demonstrativos
("naquela manhã do tempo dessa
história", por exemplo) é um dos
recursos que servem para turvar,
no plano da narração, aquilo que
no plano descritivo se fez objeto
de atenção quase microscópica.
Proximidade e repulsa, aderência e separação se fazem presentes
também no clima emocional. A
rotina de ódio e desprezo matrimonial apresentada na primeira
parte do livro se vê superada
-mas a que preço!- quando o
"velho", bêbado e embrutecido,
se entrega a um amor pedófilo
que ambiguamente o purifica.
Publicado pela primeira vez em
1994, "Subúrbio" abriu, como diz
Manuel da Costa Pinto na apresentação do livro, "uma nova fase
na literatura brasileira" e também
"criou um repertório de formas e
temas que seriam posteriormente
desenvolvidos nas diversas obras
de seu autor."
A tensão entre a forma curta
-no conhecido expediente bonassiano de repetir até à exaustão
um mesmo molde gramatical-,
e um arcabouço narrativo mais
amplo persiste nesta nova edição
de "Subúrbio", assim como, provavelmente, em toda a já vasta
produção do autor. É o jogo entre
"centro" e "periferia", "lei" e "desordem", afinal, o que move, para
além do determinismo, muitos
textos da "Geração 90". A supressão de vários minicapítulos que
constavam da primeira edição
trouxe, entretanto, mais equilíbrio ao livro, consolidando-o como uma obra-prima.
Subúrbio
Autor: Fernando Bonassi
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (296 págs.)
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