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CINEMA
Entidade inaugura neste domingo salas climatizadas para depósito de matrizes em condições ideais de conservação
Cinemateca ergue seu aliado da memória
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Há 27 anos, Carlos Roberto Souza assiste ao duelo silencioso que
a memória do cinema brasileiro
trava com o tempo.
"É uma luta cabeça a cabeça para conseguirmos fazer o processo
de duplicação da película antes de
sua deterioração", diz o diretor-adjunto da Cinemateca Brasileira
de São Paulo, que trabalha na entidade desde 1974 e hoje é também curador de seu acervo, de 50
mil títulos.
A partir do próximo domingo,
quando serão inauguradas na Cinemateca quatro salas climatizadas, com capacidade para abrigar,
em condições ideais de temperatura e umidade, até 100 mil rolos
de filmes, a aritmética de Souza
irá adquirir compasso de alívio.
"Cada filme transferido é um a
menos na lista dos ameaçados."
O alívio, no entanto, sustenta-se
apenas em termos perspectivos. A
situação atual e retrospectiva é
"atemorizante" e mais desanimadora do que se imaginava. Recente mapeamento, ainda em curso,
mostra que 46% do acervo não
tem condições de transferência
para as salas climatizadas, porque
precisa antes de restauro.
A expectativa inicial da Cinemateca era de que 40% de seus títulos
apresentassem deterioração. "É
uma questão óbvia: se os filmes
foram armazenados em condições que não favorecem sua conservação, cedo ou tarde iriam se
deteriorar. Sabemos disso racionalmente, mas, quando abrimos
uma lata e sentimos cheiro de vinagre, o coração balança", diz
Souza. As velhas latas metálicas,
pouco indicadas para o armazenamento de filmes por sua interação com o material cinematográfico, estão sendo substituídas por
outras, de polietileno.
A construção do depósito climatizado de matrizes da Cinemateca Brasileira é a espinha dorsal
do projeto que a empresária Cosette Alves traçou para a entidade,
ao assumir a presidência da Associação dos Amigos da Cinemateca, em 1997.
"Não sou especialista em cinema, mas me senti intimamente
chamada para esse trabalho,
quando fui convidada por Roberto Teixeira da Costa a conhecer o
estado em que a Cinemateca estava", diz. Sem querer fazer "correlações políticas", Alves afirma que
"o cinema brasileiro ficou muito
abandonado" e o que ela encontrou na Cinemateca de São Paulo
"foi uma situação precária, em
que os funcionários eram quase
sobreviventes à falta de condições
e investimentos".
O investimento de R$ 3 milhões
para a viabilização de sua "prioridade número 1", Alves foi buscar
junto à iniciativa privada e encontrou eco também em algumas
empresas estatais. "O ministro da
Cultura, Francisco Weffort, foi
sensível ao projeto, doando verba
para a fundação das salas. Na sequência, tivemos o apoio da Fundação Bradesco, fundamental para dar segurança aos patrocinadores que vieram depois - Petrobras, BNDES e Fundação Vitae."
Concluída a etapa que assegura
o acondicionamento adequado
dos filmes, ainda restam à Cinemateca grandes questões em torno de sua atividade primordial
-a conservação da memória do
cinema brasileiro- e de sua
maior derivada -a divulgação
do acervo ao público espectador.
Para a recuperação dos filmes
deteriorados, a Associação de
Amigos da Cinemateca obteve
patrocínio da BR Distribuidora e
firmou convênio com o Ministério da Cultura no projeto Censo
da Cinematografia Brasileira.
A etapa inicial, o "diagnóstico",
consistirá na avaliação dos acervos da Cinemateca paulista e de
sua congênere carioca, pertencente ao MAM, para identificação
das prioridades de restauro.
A coordenação do projeto pertence a Carlos Roberto Souza, e a
supervisão, a Cosette Alves e Luiz
Viana, presidente da BR Distribuidora. O diagnóstico está orçado em R$ 1 milhão e envolve o trabalho de 20 pesquisadores.
Outra idéia em "fase preliminar
de discussões", de acordo com Alves, é a construção de mais salas
climatizadas na área da Cinemateca Brasileira, que ocupa 24 mil
m2, para abrigar acervos de entidades com menos recursos, em
sistema de pool.
Paralelamente às ações de longo
prazo, a Cinemateca deverá incrementar as mostras de seu acervo e
as temáticas. "Sempre ouvi críticas de cineastas quanto ao desempenho da Cinemateca como difusora do cinema nacional. Concordo que não adianta ter um acervo
dessa qualidade que não esteja à
disposição", diz Cosette Alves.
Até o final do ano será promovida uma mostra dedicada aos cineastas Jean-Luc Godard e Louis
Malle (em parceria com a Cinemateca Francesa) e ciclos sobre
atores brasileiros, a começar pela
filmografia de Paulo José, além de
um projeto em torno da obra de
Nelson Rodrigues no cinema.
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