São Paulo, quarta-feira, 18 de abril de 2001

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CINEMA

Entidade inaugura neste domingo salas climatizadas para depósito de matrizes em condições ideais de conservação

Cinemateca ergue seu aliado da memória

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Há 27 anos, Carlos Roberto Souza assiste ao duelo silencioso que a memória do cinema brasileiro trava com o tempo.
"É uma luta cabeça a cabeça para conseguirmos fazer o processo de duplicação da película antes de sua deterioração", diz o diretor-adjunto da Cinemateca Brasileira de São Paulo, que trabalha na entidade desde 1974 e hoje é também curador de seu acervo, de 50 mil títulos.
A partir do próximo domingo, quando serão inauguradas na Cinemateca quatro salas climatizadas, com capacidade para abrigar, em condições ideais de temperatura e umidade, até 100 mil rolos de filmes, a aritmética de Souza irá adquirir compasso de alívio. "Cada filme transferido é um a menos na lista dos ameaçados."
O alívio, no entanto, sustenta-se apenas em termos perspectivos. A situação atual e retrospectiva é "atemorizante" e mais desanimadora do que se imaginava. Recente mapeamento, ainda em curso, mostra que 46% do acervo não tem condições de transferência para as salas climatizadas, porque precisa antes de restauro.
A expectativa inicial da Cinemateca era de que 40% de seus títulos apresentassem deterioração. "É uma questão óbvia: se os filmes foram armazenados em condições que não favorecem sua conservação, cedo ou tarde iriam se deteriorar. Sabemos disso racionalmente, mas, quando abrimos uma lata e sentimos cheiro de vinagre, o coração balança", diz Souza. As velhas latas metálicas, pouco indicadas para o armazenamento de filmes por sua interação com o material cinematográfico, estão sendo substituídas por outras, de polietileno.
A construção do depósito climatizado de matrizes da Cinemateca Brasileira é a espinha dorsal do projeto que a empresária Cosette Alves traçou para a entidade, ao assumir a presidência da Associação dos Amigos da Cinemateca, em 1997.
"Não sou especialista em cinema, mas me senti intimamente chamada para esse trabalho, quando fui convidada por Roberto Teixeira da Costa a conhecer o estado em que a Cinemateca estava", diz. Sem querer fazer "correlações políticas", Alves afirma que "o cinema brasileiro ficou muito abandonado" e o que ela encontrou na Cinemateca de São Paulo "foi uma situação precária, em que os funcionários eram quase sobreviventes à falta de condições e investimentos".
O investimento de R$ 3 milhões para a viabilização de sua "prioridade número 1", Alves foi buscar junto à iniciativa privada e encontrou eco também em algumas empresas estatais. "O ministro da Cultura, Francisco Weffort, foi sensível ao projeto, doando verba para a fundação das salas. Na sequência, tivemos o apoio da Fundação Bradesco, fundamental para dar segurança aos patrocinadores que vieram depois - Petrobras, BNDES e Fundação Vitae."
Concluída a etapa que assegura o acondicionamento adequado dos filmes, ainda restam à Cinemateca grandes questões em torno de sua atividade primordial -a conservação da memória do cinema brasileiro- e de sua maior derivada -a divulgação do acervo ao público espectador.
Para a recuperação dos filmes deteriorados, a Associação de Amigos da Cinemateca obteve patrocínio da BR Distribuidora e firmou convênio com o Ministério da Cultura no projeto Censo da Cinematografia Brasileira.
A etapa inicial, o "diagnóstico", consistirá na avaliação dos acervos da Cinemateca paulista e de sua congênere carioca, pertencente ao MAM, para identificação das prioridades de restauro.
A coordenação do projeto pertence a Carlos Roberto Souza, e a supervisão, a Cosette Alves e Luiz Viana, presidente da BR Distribuidora. O diagnóstico está orçado em R$ 1 milhão e envolve o trabalho de 20 pesquisadores.
Outra idéia em "fase preliminar de discussões", de acordo com Alves, é a construção de mais salas climatizadas na área da Cinemateca Brasileira, que ocupa 24 mil m2, para abrigar acervos de entidades com menos recursos, em sistema de pool.
Paralelamente às ações de longo prazo, a Cinemateca deverá incrementar as mostras de seu acervo e as temáticas. "Sempre ouvi críticas de cineastas quanto ao desempenho da Cinemateca como difusora do cinema nacional. Concordo que não adianta ter um acervo dessa qualidade que não esteja à disposição", diz Cosette Alves.
Até o final do ano será promovida uma mostra dedicada aos cineastas Jean-Luc Godard e Louis Malle (em parceria com a Cinemateca Francesa) e ciclos sobre atores brasileiros, a começar pela filmografia de Paulo José, além de um projeto em torno da obra de Nelson Rodrigues no cinema.





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