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GASTRONOMIA
Comida é...
MÚSICA
Literatura e cinema sempre foram mais
prolíficos e ricos do que a música quando o assunto é cultura gastronômica.
Mas, aqui e ali, pinçam-se belas e saborosas letras que reverenciam os inúmeros proveitos de uma boa refeição.
Repórteres, redatores e colunistas da
Ilustrada selecionaram algumas dessas canções, feitas por gente que entende da coisa, de Dorival Caymmi a
Rita Lee.
Bom apetite.
"Vatapá"
O pai das comidas na MPB é Dorival
Caymmi, não há como negar. E, sendo baiano, não podia dar em outra: é
"Preta do Acarajé" para cá, "Vatapá"
para lá... Foi nessa última que ele teve o lampejo de transformar receita
gastronômica em música, deixando
quem quisesse dançar com água na
boca: "Bota castanha de caju, um bocadinho mais/ pimenta malagueta,
um bocadinho mais/ amendoim, camarão, rala um coco/ na hora de machucar/ sal com gengibre e cebola,
iaiá/ na hora de temperar". Mas mera descrição de ingredientes não daria em bom vatapá se o autor era um
humanista por excelência. "Procure
uma nega baiana, ô, que saiba mexer", o mestre-cuca de comida, sexo
e ritmo. O samba está em "Eu Vou
pra Maracangalha", de 1957.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
"Macarrão com Linguiça e
Pimentão"
Se dar um peteleco no humanismo
era um dos projetos do tropicalismo,
Rita Lee foi na fibra do osso em "Macarrão com Linguiça e Pimentão",
composta com o companheiro de
Mutantes e algo mais Arnaldo Baptista para seu primeiro disco solo
("Build Up", 70). Sob arranjo entre
blues e tropicália e vocais de criança
erotizada, a canção resignava-se a
ler/cantar a receita de um duvidoso
macarrão com pimentão, cebola e
linguiça: "Meia xícara de chá de azeite/ 200 gramas de linguiça calabresa/ uma cebola picadinha e um pouco de salsinha/ quatro tomates batidos no liquidificador", daí adiante. O
máximo de intervenção permitida
era: "E está pronto pra você", e sirva-se quem puder.
(PAS)
"Amendoim Torradinho"
Essa é sem receita, mas pisou fundo
no acelerador da conexão MPB-sexo-comida. De Henrique Beltrão, a
manhosa "Amendoim Torradinho"
foi gravada nos ditos anos de ouro
por ídolos do kitsch como Angela
Maria e Ivon Curi, com dose sempre
farta de malícia. "Meu bem/ este teu
corpo parece/ do jeito que ele me
aquece/ um amendoim torradinho,
tão quentinho". Embora sexo fosse o
tempero, romantismo torradinho
também cabia na receita: "Sinto uma
vontade louca de gritar pela rua/ que
eu colei minha boca na boca que é
tua/ e de gritar no teu ouvido, lá dentro, bem fundo/ que não existe no
mundo/ um amor mais profundo/
que o amor bem vagabundo/ que
vem lá do meu bem". Depois do final, não havia jeito: só comendo tudo de novo.
(PAS)
"Chocolate"
E comida, quem diria, também é
contracultura. Foi o que o maluco-mor Tim Maia provou em 71, ao
compor e gravar "Chocolate", funk
mais de beber do que de comer.
Num hino black power ao nonsense,
Tim dispensava a refeição e ia direto
à sobremesa -provavelmente também em referência velada à presença da droga na equação "paz &
amor" dos anos hippies. "Eu só quero
chocolate/ não adianta vir com guaraná pra mim/ é chocolate o que eu
quero beber", raciocinava, fazendo
toda a apologia: "Não quero chá/
não quero café/ não quero Coca-Cola/ me liguei no chocolate". "Black is
beautiful" era o lema de fundo.
(PAS)
"Refazenda"
Fiquei para lá de intrigada quando
ouvi Gilberto Gil dizer que "Refazenda" não tinha sentido, que alinhavara uma palavra atrás da outra, só em
ritmo de beleza. Pois não é uma das
músicas que mais entendo? Fizera
sentido do não-sentido? "Abacateiro/ acataremos teu ato/ nós também
somos do mato/ como o pato e o
leão/ Aguardaremos/ brincaremos
no regato/ até que nos tragam frutos/ teu amor, teu coração/ Abacateiro/ teu recolhimento é justamente o significado da palavra temporão/ enquanto o tempo não trouxer
teu abacate/ amanhecerá tomate/ e
anoitecerá mamão."
A árvore e o homem, cúmplices no
criar e no esperar. Os dois do mato,
na vigília alegre e paciente que nos
trará os meses transformados em
mangas doces e azedos tamarindos.
Enquanto o tempo não trouxer o
abacate, sabemos, com certeza, que
amanhecerá tomate e anoitecerá
mamão. Deo gratias.
(NINA HORTA)
"Eat It", "Girls Just Wanna Have
Lunch"
Obcecado por comida, o californiano
Weird Al Yankovic ficou relativamente famoso ao transformar megahits como "Beat It" (Michael Jackson) e "Girls Just Wanna Have Fun"
(Cindy Lauper) em músicas hilárias
sobre comedores compulsivos. Nas
mãos de Yankovic, "Beat It" virou
"Eat It" (Coma), e a música de Cindy
Lauper foi transformada em "Girls
Just Wanna Have Lunch" (Garotas Só
Querem Almoçar). As duas versões
tiveram direito a clipes escrachadíssimos, em que o próprio Yankovic
aparece como Lauper e Jackson. O
rei da paródia trash americana lançou em 93 um disco totalmente dedicado a transformar músicas famosas em piadas gastronômicas.
(CLAUDIA ASSEF)
"Meat Is Murder"
Esta, dos Smiths, deve ter feito muita
gente parar de comer carne. A música, um dos momentos mais panfletários de Morrissey, virou hino entre
os vegetarianos. Foi, na verdade, nome de disco dos Smiths (aquele com
a imagem do soldado na capa). A
música, superlonga, compara o abate de animais para alimentação com
assassinato humano. "Este animal
lindo precisa morrer/ Morrer por razão nenhuma/ Morrer por razão nenhuma é assassinato", cantava Morrissey, ele próprio um vegetariano,
lógico. A letra ainda pega mais pesado: "Você sabe como os animais
morrem? Aquele cheiro da cozinha
não é caseiro nem festivo/ É sangue
fresco fritando".
(CA)
"Rock Lobster"
Brincadeirinha dos britânicos do B-52'S com lagostas. O líder da banda,
Fred Schneider, certa vez disse:
"Sempre cantei as maravilhas das lagostas e me enche o saco quando
vejo pessoas colocando elas numa
panela de água fervente".
(THIAGO NEY)
"We're a Happy Family"
A comida aqui é apenas mais um ingrediente na ácida e bem-humorada
alfinetada dos Ramones na classe
média americana. "Nós somos uma
família feliz/ eu, mamãe e papai/
sentados aqui no Queens/ comendo
feijão requentado". Este punk rock
faz você pular tanto que não é recomendável escutá-lo após as refeições.
(TN)
"Beans", "In Bloom", "Polly"
Mesmo que "en passant", Kurt Cobain também gastava tinta de caneta escrevendo sobre comida. Ainda
que, claro, a comida, na poesia do líder do Nirvana, servisse mais como
figura de linguagem. O melhor
exemplo é a música "Beans", em que
Cobain canta: "Feijão, feijão, feijão/
Jessie comeu feijão/E ficou feliz, feliz, feliz". No superhit "In Bloom", do
disco "Nevermind", ele começa a letra com a frase "Venda as crianças
por comida...". E em "Polly" ele diz:
"Polly quer uma bolacha/ Talvez eu
deva sair de cima dela antes". Poesia
gastronômica da mais sinistra.
(CA)
"Savoy Truffle"
Contribuição gastronômica de George Harrison para o "White Album",
dos Beatles. Ele cita várias e várias
sobremesas para, no final, fazer reverência à trufa Savoy. Até nos lembra: "Você é o que você come". É de
abrir o apetite.
(TN)
"Digsy's Diner"
"O que seria a vida/ se você viesse à
minha casa para um chá/ eu te pegaria às três e meia/ e nós comeríamos
lasanha/ eu te trataria como a Rainha/ te daria morangos com creme/
(...) Poderiam ser os melhores dias de
nossas vidas." É Oasis, de "Definitely
Maybe" (1994), época em que os Gallaghers transpiravam aquele ingênuo idealismo adolescente. Se uma
garota recusar um convite desses, é
porque ela não é para você.
(TN)
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