São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 2002

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FESTIVAL DE DOCUMENTÁRIOS É TUDO VERDADE

"H.I.J.O.S."

Uma história dos argentinos, de panelaço em panelaço

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

"Escrachar" é trazer algo à luz, algo feio, é denunciar um crime. Quem explica isso à câmera no documentário "H.I.J.O.S. - El Alma en Dos" é uma jovem argentina, munida de cartazes, pincéis e cola, numa fria e úmida noite de Buenos Aires.
Com um grupo de rapazes e moças de 20 e poucos anos, ela prepara um "escrache", tradicional -e barulhento- ato de repúdio que os argentinos promovem contra responsáveis por torturas realizadas durante o regime militar (1976-1983).
Num "escrache", cartazes são afixados em locais próximos à casa do ex-torturador, denunciando seus atos e avisando que ele será "escrachado". Na noite escolhida, jovens comparecem ao local com cartazes, apitos e palavras de ordem -parece um panelaço, como os que tomaram as ruas de Buenos Aires nos últimos dias do presidente Fernando de la Rúa.
"H.I.J.O.S." é uma espécie de "making of" de manifestações contra ex-torturadores e de eventos promovidos por jovens para relembrar parentes mortos durante a ditadura. A sigla (que, em português, significa "filhos pela identidade e justiça contra o esquecimento e o silêncio") dá nome a uma organização criada em 1995, que reúne filhos de pessoas desaparecidas, exiladas ou mortas no período e tem braços em várias cidades argentinas e no exterior.
Segundo dados oficiais, cerca de 9.000 pessoas morreram ou desapareceram durante o regime militar. Já as entidades de defesa de direitos humanos apontam para um número maior, 30 mil.
O documentário é assumidamente panfletário, e seu mérito é dar voz apenas aos jovens que integram a entidade e a seu discurso, que paira entre o idealismo, a ingenuidade e o inconformismo, numa tentativa de mostrar, com um olhar benevolente, a maneira como as idéias políticas amadurecem na Argentina de hoje.
Alguns discursam, outros se perguntam o que é o perdão e a quem devem perdoar, outros buscam paliativos para o sofrimento, em cartas, fotos ou tateando entre lápides. Uma garota faz colagens com fotos de filhos e seus pais desaparecidos. "Era para ser um quebra-cabeças, mas a imagem nunca ficava completa."
A câmera vaga por ruas vazias, madrugadas, sarjetas, cemitérios e fachadas com néons antigos que se contrapõem a modernos orelhões iluminados da Telefónica.
"H.I.J.O.S." mostra por que, aos olhos dos argentinos, ainda sobram motivos para os panelaços.


H.I.J.O.S. - El Alma en Dos    
Direção: Carmen Guarini e Marcelo Céspedes
Quando: hoje, às 20h, no Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 0/xx/11/3082-0213)
Quanto: entrada franca

Veja a programação completa na Folha Online (www.folha.com.br/ilustrada)




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