São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 2006

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ANÁLISE/DISCO

"Estudando o Samba" se afirma entre as obras-primas dos anos 70

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Só o fato de ter sido a garrafa atirada ao mar que salvou Tom Zé de duas décadas de ostracismo já faria de "Estudando o Samba" um grande acontecimento. Mas seu mérito é bem maior: ouvido hoje, este álbum do inquieto compositor baiano se afirma entre as obras-primas da música brasileira nos anos 70.
Naquele mesmo ano de 1976, ao formarem com Maria Bethânia o quarteto Doces Bárbaros, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa sinalizaram não ver mais futuro nas críticas e provocações estéticas do movimento tropicalista, que também contara com Tom Zé. Ali optaram pelas carreiras mais seguras e confortáveis de autores e intérpretes de MPB.
Solitário, Tom Zé insistia no caminho oposto. Depois de lançar os elogiados, embora pouco ouvidos, "Se o Caso É Chorar" (1972) e "Todos os Olhos" (1973), enveredou de vez pela contramão do sucesso popular. Incomodado pelo alto grau de diluição que atingia o samba, naquele momento, Tom Zé decidiu desconstruí-lo, nas 12 faixas de "Estudando o Samba".
A versão de "A Felicidade" (de Tom Jobim e Vinicius de Moraes), que surge no disco logo após o estranho e dissonante samba "Mã", é exemplar. Como um João Gilberto minimalista, Tom Zé recriou o clássico da bossa nova, reduzindo-o a um esqueleto harmônico e rítmico, quase interrompido por uma surpreendente intervenção orquestral.
Mais experimental ainda é "Toc". O repetitivo pulso de samba mantido por um cavaquinho e um violão serve de trilha para uma sucessão de sons inusitados: fragmentos orquestrais, vozes, teclas de máquina de escrever, gritos, ruídos escatológicos.
Já em "Tô", parceria com o sambista Elton Medeiros, Tom Zé parece sugerir o sentido de seu "estudo" do samba: "Eu tô te explicando pra te confundir / Tô te confundindo pra te esclarecer / Tô iluminando pra poder cegar / Tô ficando cego pra poder guiar".
Ironicamente, quando encontrara enfim a essência de sua obra, Tom Zé se viu na iminência de interromper a carreira musical. No texto de apresentação de "Estudando o Samba", Elton Medeiros já revelava que o parceiro "teria que abandonar o lado de pesquisa de seu trabalho", caso este disco também fracassasse nas vendas. Para nossa sorte, o genial Tom Zé jamais desistiu.


Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor de "Tropicália - a História de Uma Revolução Musical", entre outros


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