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ANÁLISE/DISCO
"Estudando o Samba" se afirma entre as obras-primas dos anos 70
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Só o fato de ter sido a garrafa
atirada ao mar que salvou
Tom Zé de duas décadas de ostracismo já faria de "Estudando o
Samba" um grande acontecimento. Mas seu mérito é bem maior:
ouvido hoje, este álbum do inquieto compositor baiano se afirma entre as obras-primas da música brasileira nos anos 70.
Naquele mesmo ano de 1976, ao
formarem com Maria Bethânia o
quarteto Doces Bárbaros, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa sinalizaram não ver mais futuro
nas críticas e provocações estéticas do movimento tropicalista,
que também contara com Tom
Zé. Ali optaram pelas carreiras
mais seguras e confortáveis de autores e intérpretes de MPB.
Solitário, Tom Zé insistia no caminho oposto. Depois de lançar
os elogiados, embora pouco ouvidos, "Se o Caso É Chorar" (1972) e
"Todos os Olhos" (1973), enveredou de vez pela contramão do sucesso popular. Incomodado pelo
alto grau de diluição que atingia o
samba, naquele momento, Tom
Zé decidiu desconstruí-lo, nas 12
faixas de "Estudando o Samba".
A versão de "A Felicidade" (de
Tom Jobim e Vinicius de Moraes), que surge no disco logo
após o estranho e dissonante
samba "Mã", é exemplar. Como
um João Gilberto minimalista,
Tom Zé recriou o clássico da bossa nova, reduzindo-o a um esqueleto harmônico e rítmico, quase
interrompido por uma surpreendente intervenção orquestral.
Mais experimental ainda é
"Toc". O repetitivo pulso de samba mantido por um cavaquinho e
um violão serve de trilha para
uma sucessão de sons inusitados:
fragmentos orquestrais, vozes, teclas de máquina de escrever, gritos, ruídos escatológicos.
Já em "Tô", parceria com o
sambista Elton Medeiros, Tom Zé
parece sugerir o sentido de seu
"estudo" do samba: "Eu tô te explicando pra te confundir / Tô te
confundindo pra te esclarecer /
Tô iluminando pra poder cegar /
Tô ficando cego pra poder guiar".
Ironicamente, quando encontrara enfim a essência de sua obra,
Tom Zé se viu na iminência de interromper a carreira musical. No
texto de apresentação de "Estudando o Samba", Elton Medeiros
já revelava que o parceiro "teria
que abandonar o lado de pesquisa
de seu trabalho", caso este disco
também fracassasse nas vendas.
Para nossa sorte, o genial Tom Zé
jamais desistiu.
Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor de "Tropicália - a História de Uma Revolução Musical", entre outros
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