São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2008

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Crítica/"Viva Zapatero!"

Filme vê fascismo em Berlusconi

No estilo de Michael Moore, diretora Sabina Guzzanti acusa premiê de favorecer institucionalização

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em relação a "Viva Zapatero!", é preciso ter duas vistas distintas e complementares. Do ponto de vista cinematográfico, a direção de Sabina Guzzanti parece ter uma relação direta com a de Michael Moore. Ambos são autores e personagens, permitem que um se contagie do outro.
O caráter incisivo de suas intervenções leva a quase obrigatoriamente questionar essa forma: até que ponto a realidade não é adaptada à conveniência dos documentaristas? Diga-se a favor de Guzzanti, em todo caso, que ela diz de que ponto fala. Ela não se pretende uma observadora neutra. É contra Berlusconi que se coloca, isto é, contra o acúmulo de um poder que é econômico, midiático e, por fim, político.
O segundo ponto de vista é político. Berlusconi é um homem riquíssimo, dono de canais privados de TV na Itália, tornou-se um político central na história recente italiana. Nunca foi acusado de ser excessivamente escrupuloso.
Sabina Guzzanti, comediante, tinha um programa satírico na RAI (TV estatal italiana), tirado do ar por ordem de Berlusconi. Boa parte do filme consiste em demonstrar como esse gesto simboliza, de certa forma, a tomada por Berlusconi de um poder quase absoluto. Guzzanti o faz com energia suficiente para colocar na defensiva mais ou menos toda a direção da RAI.
Há alguns dias, o ex-ministro Rubens Ricupero escreveu na Folha um artigo em que comentava o "suicídio da esquerda", representado pelo assassinato de Aldo Moro. À luz do documentário de Sabina Guzzanti, pode-se, na verdade, perguntar se foi apenas a esquerda a vítima do homicídio praticado pelas Brigadas Vermelhas.
Antes dela, Nanni Moretti já havia colocado o assunto em pauta. A subida de Berlusconi corresponderia a um processo de degeneração da democracia italiana que envolve não só o poder político, mas também o midiático. Moretti atribuía a decadência do cinema italiano a Berlusconi (a decadência o precedeu, na verdade).
Guzzanti acusa-o formalmente de favorecer a institucionalização, por meios quase mafiosos de um pensamento único, pela substituição dos executivos da RAI, pela demissão dos jornalistas mais brilhantes (e independentes) da organização, pela pressão exercida sobre os jornalistas de menor destaque etc. Tudo o que se diz nesse documentário é sujeito a comprovação por outras fontes. O que não impede que a experiência e a documentação de Guzzanti sejam matéria de reflexão. Os indícios ali existentes de ascensão de um novo fascismo são muitos e inquietantes.


VIVA ZAPATERO!
Produção:
Itália, 2005
Direção: Sabina Guzzanti
Onde: estréia hoje no Reserva Cultural
Avaliação: bom


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