|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS LANÇAMENTOS
"Breve Espaço" coloca Tezza no mapa
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Com o romance "Breve Espaço
entre Cor e Sombra" (Rocco), seu
11º livro publicado, talvez Cristovão Tezza deixe de ser visto como
"promissor talento paranaense" e
ingresse finalmente no primeiro
time da literatura brasileira.
Aos 45 anos, esse catarinense radicado há mais de três décadas em
Curitiba sente que atravessa um
bom momento. "É meu romance
mais maduro e arriscado."
No livro, um jovem pintor curitibano que busca firmar-se como
artista vê-se às voltas com uma
mulher sedutora, um marchand
suspeito e um falso Modigliani.
Tezza, que publicou anteriormente "Trapo", "A Suavidade do
Vento" e "Uma Noite em Curitiba", entre outros, falou à Folha
em São Paulo, onde esteve esta semana para divulgar o novo livro.
Folha - Seu romance apresenta
características comuns a certa tendência literária atual: intriga policial ambientada no mundo das artes e entremeada de digressões
eruditas. Como você distingue seu
livro dessa tendência?
Cristovão Tezza - Não escrevo
policiais. O que me atrai é manter
um fio de suspense. Gosto de criar
uma narrativa que tenha uma tensão, não por ela mesma, mas porque ela joga luz sobre certos pátios
narrativos, certas cenas. Se o leitor
está ligeiramente tenso por algo
que ele quer saber, determinada
cena ganha uma luminosidade que
de outra forma, neutramente, talvez não tivesse.
Quanto às digressões, elas não
têm pretensão erudita. Servem só
para adensar o jogo, para tornar a
narração mais divertida.
Folha - Com relação à intriga policial, você despreza as regras do
gênero, como que para esvaziar a
sua importância.
Tezza - Sim. Em nenhum momento eu quis escrever uma intriga policial, mas sim manter uma
tensão narrativa.
Os arrombamentos que acontecem (na casa e no ateliê do protagonista) são funcionais no livro.
Eles dizem muito do universo em
que o protagonista se movia, dizem muito sobre a personagem da
"vampira" e criam uma tensão no
leitor. Era isso o que eu queria.
Folha - Como o romance se constituiu na sua cabeça?
Tezza - Ao longo dos últimos
cinco anos, o livro foi me surgindo
por camadas. Primeira: "Quero
escrever um livro sobre artes plásticas". Sempre tive uma ligação
forte com as artes plásticas. Cheguei a falsificar alguns quadros...
Folha - Mas nunca vendeu...?
Tezza - Não, não. Foi para uso
próprio. Era a única maneira de ter
um Matisse em casa.
A segunda coisa que pensei para
o livro foi: "Vai começar num enterro". "Viagens com a Minha
Tia", do Graham Greene, começa
com um enterro maravilhoso.
Por fim, veio a idéia da relação
mestre-discípulo, que eu acho
uma relação bonita na arte. É sempre uma relação tensa, complicada, que em algum momento exige
um rompimento.
Paralelamente a isso, eu gosto de
trabalhar com uma trama narrativa, com um enredo, para me sentir
seguro. Lembrei-me de ter lido,
muitos anos atrás, numa biografia
do Modigliani, que ele teria supostamente jogado fora umas cabeças
de pedra que ele tinha feito.
Minha primeira idéia foi fazer
aparecer em Curitiba uma dessas
cabeças. Depois, na Itália, fiquei
sabendo que essas cabeças do Modigliani nunca existiram, que eram
falsas. Aí tive que sofisticar um
pouco mais meu argumento.
Folha - As cartas da "amante"
italiana ao protagonista acabam
tendo um papel tão importante
quanto a narração dele.
Tezza - A italiana, a descoberta
desse ponto de vista, deu a intensidade que eu queria ao livro. Foi o
maior risco que corri. Primeiro
porque significava sustentar o livro no ponto de vista de uma mulher, e depois porque era uma mulher estrangeira. Quer dizer, duas
situações estrangeiras para mim.
Folha - Como você vê a literatura
brasileira que se faz hoje?
Tezza - Acho que há uma diversidade muito grande de linhas. Por
outro lado, a gente vem de uma espécie de vazio muito grande. A última grande referência importante, que consolidou a literatura urbana, foi o Rubem Fonseca.
Outro aspecto interessante é a
redescoberta do espaço urbano,
não só como geografia, mas como
um tipo de mundo que modifica
aquelas relações familiares,
pré-modernas, mitológicas, que
comandavam a ficção regional ou
rural. O mundo urbano é mais
abstrato, implica outro tipo de solidão, outro tipo de referência.
Folha - Viver em Curitiba pode
dificultar a visibilidade e o reconhecimento. Mas deve ter suas
vantagens também.
Tezza - Sem dúvida. Como Curitiba tem uma imprensa sem expressão, e você vive numa solidão
absoluta, a atividade artística não é
para diletantes. O silêncio é tão
grande que, se você não for do ramo, pára e vai fazer outra coisa.
Curitiba brutaliza a solidão. Viver lá te dá um certo peso. É um
Brasil diferente. Curitiba é uma cidade que não tem Carnaval, que
gosta de fila etc.
Acho que quem escreve lá mantém a idéia de que a atividade artística tem uma espécie de missão ética. Não é aquela coisa fria, do mercado e da mídia.
Dalton Trevisan, sob um certo
olhar, é um profeta enfurecido.
Seu texto tem um lado ascético.
Acho legal não perder essa dimensão da literatura. O ato de fazer arte é uma escolha ética, é uma tomada de posição diante do mundo.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|