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Romance vira do avesso o clichê do policial "noir"
da Equipe de Articulistas
À primeira vista, "Breve Espaço
entre Cor e Sombra", de Cristovão
Tezza, parece destinado a engrossar um dos rentáveis filões literários de nossos dias: o dos romances meio policiais, meio eruditos,
ambientados entre artistas, marchands e vigaristas elegantes.
Mas a semelhança é ilusória.
Quem ler o romance tendo em
mente os best sellers de Rubem
Fonseca ou do espanhol Pérez-Reverte vai notar que alguma coisa
está fora de registro aqui.
A intriga esvazia a si mesma, a
narrativa não tem o ritmo sôfrego
do policial "noir", as referências
eruditas não se levam a sério e,
mais importante que tudo, os personagens não se reduzem às unidimensionais "talking heads" do
"entretenimento com verniz de alta cultura".
Alguma coisa sempre escapa pelas bordas em "Breve Espaço entre Cor e Sombra".
Os personagens são esquivos e
cheios de sombras, a começar pelo
protagonista-narrador, o jovem
pintor Tato Simmone, que pensa
estar recomeçando a vida no dia
do enterro de seu ex-mestre, o
também pintor Aníbal Marsotti,
pelo qual nutre uma mistura de
amor e ódio, piedade e ressentimento.
A ação se concentra nos poucos
dias que se seguem ao enterro de
Marsotti.
O pretendido renascimento do
protagonista complica-se de uma
maneira inesperada e inverossímil.
Entram abruptamente em sua
vida novos personagens: um marchand estrangeiro interessado em
agenciá-lo, uma mulher sedutora
interessada em vampirizá-lo, arrombadores sinistros interessados
em apavorá-lo.
Há ainda as cartas de uma italiana perita em arte, que ele conheceu casualmente e por um único
dia, em Nova York, e os telefonemas inoportunos do pai (um fracassado que vive no Rio) e da mãe
(uma perua que vive nos Estados
Unidos).
As cartas da italiana -na verdade uma única carta, cujos trechos
são intercalados ao relato de Tato-, mais do que compassar a
narrativa, dão-lhe densidade e
perspectiva (como quando um desenho se transforma em pintura).
Personagem fugidia e cheia de
arestas, a loquaz italiana introduz
no livro a imprevisibilidade e a
paixão do feminino, fornecendo
uma nova escala para a apreciação
dos pequenos e grandes dramas de
Tato Simmone.
Sim, claro, há uma trama, que
gira obscuramente em torno de
uma cabeça de pedra erroneamente atribuída ao pintor Amadeo
Modigliani.
Tanto a mãe do protagonista como a italiana das cartas têm interesse, por motivos diversos, em
dar um sumiço na tal cabeça, que
coincidentemente está em Curitiba, na casa do marchand estrangeiro.
A própria inverossimilhança da
intriga, repleta aliás de pontos
confusos e inexplicados, mostra
que, para Tezza, ela só importa na
medida em que revela os personagens e seu mundo.
Para Hitchcock, o móvel da ação
(que ele chamava de "McGuffin")
era um mero pretexto para a construção do suspense.
Neste romance de Cristovão
Tezza, o próprio suspense é um
pretexto -ou, antes, um instrumento- para pegar os personagens no contrapé e, com isso, revelá-los por inteiro.
(JGC)
Livro: Breve Espaço entre Cor e Sombra
Autor: Cristovão Tezza
Lançamento: Rocco (tel. 021/507-2000)
Quanto: R$ 26 (266 págs.)
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