São Paulo, sábado, 18 de abril de 1998

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TEATRO CRÍTICA
'Tedium vitae' contamina encenação de 'Vânia'

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

São todos infelizes, dizem e repisam ser infelizes. "Tio Vânia", de Tchecov, retrata, talvez mais que um tempo de tédio, de "tedium vitae" como vai a expressão, um tempo de infelicidade.
Num fim de século em que ideais haviam caído sem que outros se erguessem no lugar, até os mais vigorosos, os que ainda trazem alguma empolgação de juventude, se vêem tomados. E se deixam levar pela inação, o torpor.
O velho professor diz, no final: "É preciso produzir". Mas é quase uma auto-ironia, certamente uma hipocrisia, do aposentado que vai viver da produção de outros. Que trabalham sem perspectiva de felicidade, eles também.
Serebriakov, o professor que vive das glórias duvidosas do passado, Vânia, que anulou sua existência em favor de tal glória duvidosa, Ielena, a jovem mulher de Serebriakov que suprime a esperança de paixão -e felicidade- por uma pureza auto-indulgente. Eles e outros se arrastam por intrigas que não se completam, num mundo sem saída.
Mas eles se arrastam também, é preciso dizer, na encenação sem ritmo deste "Tio Vânia".
A montagem ganhou coerência, desde a estréia em Curitiba. A iluminação trabalhada, algumas mudanças de marcação e cenário, uma firmeza maior nas atuações -foi o bastante para compor um segundo ato (da encenação) coeso, de qualidade.
Mas a infelicidade ainda segue mais falada, descrita, do que vivida. Renato Borghi, a partir do momento em que seu Vânia vê Ielena, que acordou nele uma paixão tardia, com Astrov, mergulha em tristeza verdadeira.
Também Abraão Farc, talvez a atuação mais estável, constante da peça, com seu parasita Peneira, atinge um limite em que deixa a comédia pela tragicomédia e desaba, vencido na tristeza.
Mas no mais se nota uma busca quase individual, de caminhos que não se cruzam, por Mariana Lima, Leona Cavalli, Luciano Chirolli, Wolney de Assis. São bons atores que parecem não dialogar, eles próprios. Uns tentam furar a quarta parede, outros se fecham nela. Uns abrem-se ao arrebatamento, outros o recusam.
"Não existe um contato puro, livre, imediato", ouve-se a certa altura da peça, no que mais parecia uma piada sobre as interpretações. Falta uma direção, no sentido de um caminho único para todos, capaz de integrar e fazer crescer os esforços isolados.
A falta de ritmo de "Tio Vânia" pode ser melhor representada pelos semiblecautes para troca de cenário. São raros no palco hoje, porque desnecessários -ao público ainda mais descrente deste outro fim de século.


Peça: Tio Vânia
Quando: qui a sáb, às 21h; dom, às 20h
Onde: TBC (r. Major Diogo, 315, tel. 604-5523)
Quanto: R$ 12



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