São Paulo, sábado, 18 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SHOW/CRÍTICA
Caetano se aproxima da "música impopular"

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Caetano Velso pode ser acusado de muitas coisas, mas mesmo tendo se comparado a Zagallo, será difícil chamá-lo de retranqueiro. Vestido à João Gilberto (a ponta da gravata a tatear-lhe a braguilha) e sob um móbile grosseiro inspirado em Calder, ele estreou o show "Livro Vivo" em São Paulo anteontem revelando simpatia pela "música impopular".
Das duas passagens lidas de seu "Verdade Tropical", uma fala do interesse de Augusto de Campos (ele leu apenas "Augusto") em difundir Stockhausen.
Assim, foi coerente ao abortar a tentativa do público em acompanhá-lo em "Terra", enxertando interrupções, uma percussão estridente e escondendo por vezes a melodia, o que já era sugerido na insólita formação de sua banda, sem destaque para instrumentos de "meio-campo" como baixo e violão (discretíssimos) e piano (ausente).
Se "Livro" esboça essa impopularidade -a razão talvez de ser o mais chato de toda a discografia de Caetano-, "Livro Vivo" apenas funciona como demonstração da incorreção da tese estapafúrdia do compositor, que vê redenção na axé music.
Ora, manter quatro percussionistas baianos no palco, dando-lhes enorme destaque na equalização, não é fazer axé. Peça para Netinho defenestrar seu tecladista para ver se sobrevive.
Mas o cantor poderia mesmo jogar na retranca, fiar-se em seu velho repertório, mesclar moderadamente suas novas canções. Se não conseguiu harmonizar a seção percussiva com os sopros, pelo menos levou a sério a proposta. Os cacos de "Odara" e "London, London" causam mais efeito que a enésima interpretação de "Sampa".
Há problemas em querer tornar-se "impopular". Primeiro, pode-se afirmar que Caetano jamais foi popular, e seu projeto, portanto, seria mero capricho.
O outro problema é lançar mão de Djavan, o definitivo aproximador do pop com a excelência musical brasileira. Ao cantar "Linha do Equador", Caetano buscava, ainda que inconscientemente, o perdão, abraçando o que poderia haver de mais redentor no pop feito no Brasil e chutando para longe sua homenagem a "Augusto".


Show: Livro Vivo
Artista: Caetano Veloso
Onde: Palace (al. dos Jamaris, 213, Moema, tel. 011/531-4900)
Quando: qui, às 21h30; sex e sáb, às 22h; dom, às 20h; até dia 3 de maio
Quanto: R$ 20 a R$ 60



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.