São Paulo, sexta-feira, 18 de maio de 2001

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ERIKA PALOMINO

Como é que fica a cena com o apagón?

Foi Arnaldo Jabor quem deu a pista nesta semana na Ilustrada: "O apagão vai dividir as vidas, de novo, em dias e noites, que serão nítidos sem as luzes que a modernidade celebra para nos fascinar e nos fazer esquecer de que as cidades, de perto, são feias e injustas. (...) Vamos dormir melhor. Talvez amemos mais a verdade dos dias. Acabará a ilusão de clubbers e playboys, que terão medo dos "manos" em cruzamentos negros, e talvez o amor fique mais recolhido, sussurrado e trêmulo".
Dormir melhor? Acho que não. A cena de São Paulo já resistiu a tanta coisa, com certeza superaremos o apagão. Aliás, daqui para a frente, apagón.
Na noite underground, por enquanto, o povo não está nem aí. No melhor estilo clubber, os donos de clubes deixam para ver na hora como é que vai ficar. Questionado sobre as precauções que tomará com o apagón, Julio Rabinovitch, DJ residente e um dos sócios do Stereo, chega a perguntar: "Que apagão?". Depois, diz que ainda não pensou sobre o assunto e que acha que a solução será um gerador. "Para tudo se dá um jeito", diz, despreocupado. Flavia Ceccato, diretora do Lov.e, diz que só ficou sabendo há pouco que o apagón aconteceria à noite também. "É uma falta de respeito. Não faz sentido fazer isso justo no maior Estado do Brasil, que, bem ou mal, leva o país para frente", reclama, também em estilo clubber, dizendo que vai alugar um gerador. Ninguém aqui quer dormir melhor. E o último que apague a luz.

COLUNA TEM HOJE ESPECIAL LENHA

Mesmo sob a atual febre da tech-house em São Paulo, alguns clubbers e DJs têm mostrado especial predileção por um tipo de tecno mais pesado, intenso. Para quem ainda chama música eletrônica de bate-estaca, espere até ouvir o peso dessa variação, comumente chamada de lenha. Isso mesmo. Por quê? Nem a gente sabe. O termo veio da expressão cortar lenha, quando o DJ toca pesado. E a lenha virou uma vertente tão popular que alguns DJs desse estilo chegam perto da celebridade. Para dar conta da história e entrar um pouco mais fundo na segmentada noite de São Paulo, decidimos fazer uma espécie de "especial lenha" na coluna de hoje.

O QUE É LENHA, AFINAL DE CONTAS?
"Não faço a menor idéia de onde veio o termo. Talvez tenha surgido de uma comparação com um lenhador trabalhando... Não passa de música pesada", tenta definir Renato Cohen, um dos mais talentosos produtores brasileiros de música eletrônica e um dos pilares da lenha made in SP. Cohen se exercita na Lôca, considerada hoje o grande templo do gênero na cidade. É lá que pregam, durante as madrugadas do final de semana, a dupla de DJs Ana e David, casados na vida real e nas picapes. Radical, Ana era a hostess do Hell's Club, onde desenvolveu o gosto pelo tecno.

OS PRIMÓRDIOS DA LENHA EM SÃO PAULO
No extinto e lendário after-hours da rua Estados Unidos, onde hoje funciona um salão de cabeleireiro, o DJ Mau Mau foi o primeiro a tocar lenha, lá em 94, 95. "Eu tocava as primeiras faixas do Jeff Mills, que foi o criador da lenha. Hoje suas produções são mais calminhas."

PRECONCEITO CONTRA A LENHA?
"Não tenho preconceitos contra a música. Gosto de ver o trabalho dos outros DJs", diz Mau Mau. Mas dá para aguentar a lenha a noite inteira? "Até dá, dependendo do DJ", argumenta André Juliani. Cohen é mais enfático: "Não aguento ouvir nada a noite inteira, o mais legal é quando o DJ mostra sua interpretação". Para Mau Mau, os próprios DJs de lenha são segmentados: "Quem toca lenha só ouve som pesado mesmo".

A NOVA GERAÇÃO DA CENA LENHA
A tese confirma. Um grupo de meninos fãs de lenha formou o Dirruba (com i mesmo), sensacional trocadilho. Promovem suas próprias festinhas regadas a lenha. "É uma reunião de lenhadores", brinca a hostess Luma Assis, que costuma frequentar essas noites. Luma se lembra em especial do set do D-Julio no chill-out no Stereo, depois do Skol Beats: "Não saí da pista nem para beber água". Mas chill-out de lenha? "Claro, por que não?", diz Luma. Para Mau Mau, "os lenhadores de primeira" são Marco Carolla, o espanhol Christian Varella (que já tocou no Brasil) e o inglês Marco Lenzi, que chegou a ser apelidado de Marco Lenha. Muitas vezes quem só gosta de lenha está usando um fundamento de um som radical, pesado, para demonstrar sua vocação underground, de contracultura mesmo, em tempos que o próprio conceito de contracultura parece diluído. Seria o equivalente aos meninos que ouvem rock pesado ou mesmo quem faz a opção do punk. Gostar de lenha significa, principalmente para quem chega agora, ser rebelde. Quanto mais pesado, melhor.


Colaborou Camila Yahn, free-lance para a Folha

Internet: www.erikapalomino.com.br

E-mail: palomino@uol.com.br



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