|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ERIKA PALOMINO
Como é que fica a cena com o apagón?
Foi Arnaldo Jabor quem deu
a pista nesta semana na Ilustrada: "O apagão vai dividir as
vidas, de novo, em dias e noites, que serão nítidos sem as luzes que a modernidade celebra
para nos fascinar e nos fazer esquecer de que as cidades, de
perto, são feias e injustas. (...)
Vamos dormir melhor. Talvez
amemos mais a verdade dos
dias. Acabará a ilusão de clubbers e playboys, que terão medo dos "manos" em cruzamentos negros, e talvez o amor fique mais recolhido, sussurrado
e trêmulo".
Dormir melhor? Acho que
não. A cena de São Paulo já resistiu a tanta coisa, com certeza
superaremos o apagão. Aliás,
daqui para a frente, apagón.
Na noite underground, por
enquanto, o povo não está nem
aí. No melhor estilo clubber, os
donos de clubes deixam para
ver na hora como é que vai ficar. Questionado sobre as precauções que tomará com o apagón, Julio Rabinovitch, DJ residente e um dos sócios do Stereo, chega a perguntar: "Que
apagão?". Depois, diz que ainda não pensou sobre o assunto
e que acha que a solução será
um gerador. "Para tudo se dá
um jeito", diz, despreocupado.
Flavia Ceccato, diretora do Lov.e, diz que só ficou sabendo há
pouco que o apagón aconteceria à noite também. "É uma falta de respeito. Não faz sentido
fazer isso justo no maior Estado do Brasil, que, bem ou mal,
leva o país para frente", reclama, também em estilo clubber,
dizendo que vai alugar um gerador. Ninguém aqui quer dormir melhor. E o último que
apague a luz.
COLUNA TEM HOJE ESPECIAL LENHA
Mesmo sob a atual febre da
tech-house em São Paulo, alguns clubbers e DJs têm mostrado especial predileção por
um tipo de tecno mais pesado,
intenso. Para quem ainda chama música eletrônica de bate-estaca, espere até ouvir o peso
dessa variação, comumente
chamada de lenha. Isso mesmo.
Por quê? Nem a gente sabe. O
termo veio da expressão cortar
lenha, quando o DJ toca pesado.
E a lenha virou uma vertente
tão popular que alguns DJs desse estilo chegam perto da celebridade. Para dar conta da história e entrar um pouco mais
fundo na segmentada noite de
São Paulo, decidimos fazer uma
espécie de "especial lenha" na
coluna de hoje.
O QUE É LENHA, AFINAL DE CONTAS?
"Não faço a menor idéia de onde veio o termo. Talvez tenha
surgido de uma comparação
com um lenhador trabalhando... Não passa de música pesada", tenta definir Renato Cohen, um dos mais talentosos
produtores brasileiros de música eletrônica e um dos pilares
da lenha made in SP. Cohen se
exercita na Lôca, considerada
hoje o grande templo do gênero
na cidade. É lá que pregam, durante as madrugadas do final de
semana, a dupla de DJs Ana e
David, casados na vida real e
nas picapes. Radical, Ana era a
hostess do Hell's Club, onde desenvolveu o gosto pelo tecno.
OS PRIMÓRDIOS DA LENHA EM SÃO PAULO
No extinto e lendário after-hours da rua Estados Unidos,
onde hoje funciona um salão de
cabeleireiro, o DJ Mau Mau foi
o primeiro a tocar lenha, lá em
94, 95. "Eu tocava as primeiras
faixas do Jeff Mills, que foi o
criador da lenha. Hoje suas produções são mais calminhas."
PRECONCEITO CONTRA A LENHA?
"Não tenho preconceitos contra a música. Gosto de ver o trabalho dos outros DJs", diz Mau
Mau. Mas dá para aguentar a lenha a noite inteira? "Até dá, dependendo do DJ", argumenta
André Juliani. Cohen é mais enfático: "Não aguento ouvir nada
a noite inteira, o mais legal é
quando o DJ mostra sua interpretação". Para Mau Mau, os
próprios DJs de lenha são segmentados: "Quem toca lenha só
ouve som pesado mesmo".
A NOVA GERAÇÃO DA CENA LENHA
A tese confirma. Um grupo de
meninos fãs de lenha formou o
Dirruba (com i mesmo), sensacional trocadilho. Promovem
suas próprias festinhas regadas
a lenha. "É uma reunião de lenhadores", brinca a hostess Luma Assis, que costuma frequentar essas noites. Luma se lembra
em especial do set do D-Julio no
chill-out no Stereo, depois do
Skol Beats: "Não saí da pista
nem para beber água". Mas
chill-out de lenha? "Claro, por
que não?", diz Luma. Para Mau
Mau, "os lenhadores de primeira" são Marco Carolla, o espanhol Christian Varella (que já
tocou no Brasil) e o inglês Marco Lenzi, que chegou a ser apelidado de Marco Lenha. Muitas
vezes quem só gosta de lenha
está usando um fundamento de
um som radical, pesado, para
demonstrar sua vocação underground, de contracultura mesmo, em tempos que o próprio
conceito de contracultura parece diluído. Seria o equivalente
aos meninos que ouvem rock
pesado ou mesmo quem faz a
opção do punk. Gostar de lenha
significa, principalmente para
quem chega agora, ser rebelde.
Quanto mais pesado, melhor.
Colaborou Camila Yahn, free-lance para
a Folha
Internet: www.erikapalomino.com.br
E-mail: palomino@uol.com.br
Texto Anterior: Projeto encomendado era outro Próximo Texto: Cybervovô Índice
|