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O compositor alemão Karlheinz Stockhausen, pioneiro da música eletrônica, que se apresenta em junho em SP |
O influente compositor alemão Karlheinz Stockhausen, 72, criador da primeira música eletrônica, se apresenta no Brasil em junho
MARCELO NEGROMONTE
DA REDAÇÃO
O avô da música eletrônica não
possui nenhum aparelho eletrônico em casa. Nada de rádio, televisão nem computador. "Não tenho nada disso. Quero ficar em
paz", diz Karlheinz Stockhausen
por telefone, o aparelho-exceção.
Para tomar conhecimento do que
acontece no mundo e em sua volta, o compositor lê jornais quando viaja de avião. "É o suficiente",
diz de sua casa em Kürten, Alemanha, próxima de onde nasceu.
A partir dos anos 50, a música
passou por transformações profundas, originadas pela curiosidade, inteligência e uma dose espantosa de intuição e determinação
de um jovem de menos de 30
anos. Stockhausen foi o primeiro
músico a criar uma peça em que
unia -literal e artesanalmente-
o tradicional e a vanguarda, utilizando a eletricidade como elemento musical.
Ele vive num universo próprio,
criado por ele mesmo nos anos 50
e influente até hoje em toda música mundial, de Beatles, Sonic
Youth e Brian Eno a Björk, Kraftwerk e Aphex Twin -o último citado por ele como um de seus seguidores preferidos.
"Gesang der Jünglinge" (Canção das Crianças, de 1956) foi a
primeira peça da história a usar
loops eletrônicos. A música tornava-se infinita.
Um dos pioneiros da música
concreta e do serialismo (ou dodecafonismo), em que 12 notas
em série, funcionando como células harmônicas, podiam ser combinadas, misturadas, transpostas,
com mais ou menos velocidade,
de trás para frente -tudo ao mesmo tempo-, Stockhausen é a
atração musical do Carlton Arts,
evento multimídia que acontece
em São Paulo.
O compositor faz sua segunda
"performance" no Brasil, nos dias
29 e 30 de junho, às 21h. Os ingressos estarão à venda a partir da
próxima sexta em www.carltonarts.com.br.
Leia a seguir trechos da entrevista com um dos maiores compositores vivos do mundo, que,
aos 72 anos, considera máquinas
como integrantes da "natureza" e
mantém a curiosidade, determinação e praticidade de quem ainda tem muito a fazer (sua obra
"Licht" -luz-, iniciada em
1977, ainda não foi concluída).
"Às vezes reajo como humano",
diz sem maiores preocupações.
Folha - O sr. foi o primeiro músico
a compor uma música eletrônica
nos anos 50. Hoje a música eletrônica se tornou pop.
Karlheinz Stockhausen - Por que
não? Eu comecei a música eletrônica em 1953 e anunciei que toda
música de rádio deveria ser música eletrônica, porque era genuína
música de rádio. Todas as outras
músicas eram músicas tradicionais, que não foram compostas
para serem transmitidas por rádio. Pop music e música de entretenimento seriam feitas para mídia eletrônica, é natural.
Folha - O sr. foi um dos criadores
da música eletroacústica, em 1955,
em que se fundiam músicas concreta (criada em disco ou fita magnética a partir de gravações de sons naturais) e eletrônica (que utiliza
sons artificiais produzidos eletricamente). Isso era o futuro?
Stockhausen - Sim. Oh, sim.
Meus antigos artigos, de 1952,
1953, previam exatamente isto:
que toda mídia tradicional, ou
instrumentos ou vozes, seriam
apenas parte da música no futuro.
E que o mainstream usaria produção eletrônica principalmente.
Folha - E o resultado disso é mais
racional ou emotivo?
Stockhausen - Os dois. Não há
contradição entre os dois. Se você
ouve algo dentro de você, ou se
você sente algo, você tem de usar
o seu cérebro para fazê-lo funcionar. O cérebro é outra máquina.
Folha - O que o motiva a compor
uma música? Como o sr. faz isso?
Stockhausen - Uma mistura de
imaginação, intuição, visões de
sons -o tempo todo- e fazendo
o trabalho enquanto as idéias
vêm. Tudo junto. É o trabalho em
si que inspira o próximo passo
sempre. E imaginação, que vem
da experiência da vida toda, do
sobreconsciente. E tudo junto resulta em música nova.
Folha - Quando o sr. acha que vai
terminar "Licht"?
Stockhausen - Devo concluí-la
antes de julho de 2005. A apresentação no ar deve acontecer em 1º
de julho de 2005, mas ainda temos
de achar o lugar ideal.
Folha - Um lugar específico?
Stockhausen - Nas casas de óperas não dá. Talvez duas cenas (a
terceira e a quarta) possam ser
apresentadas num palco de uma
casa de ópera, mas, mesmo assim,
precisaria de movimentações no
auditório. As outras cenas não
podem ser apresentadas nesse lugar, porque há muitas movimentações pelo público, projeções.
Simplesmente é impossível.
Folha - Seu trabalho é direcionado a buscas de novos timbres aliadas ao desenvolvimento tecnológico. Isso não acaba tornando um
universo muito fechado?
Stockhausen - Sim, certamente.
Eu faço tudo isso por que eu tenho muita curiosidade. Eu me interesso o tempo todo por experimentar. E acho que muitas pessoas vão seguir isso.
Folha - A questão então não é ser
popular, é tudo só por curiosidade?
Stockhausen - O problema é que
a maioria das pessoas não têm
tempo para acompanhar o desenvolvimento... Até agora eu tenho
289 trabalhos. São dias e dias de
música. Se alguém estiver interessado em estudar a minha música,
são necessários anos para isso.
Folha - Como serão as apresentações aqui? É só o sr. no palco?
Stockhausen - Ninguém no palco. Estarei no centro, no mixer. E
é tudo escuro, só haverá um facho
de luz para as pessoas que não
gostam de escuro. Atrás do palco
há uma pequena lua, mas é tudo.
São concertos para as pessoas
apenas ouvirem. Serão dois dias.
No primeiro, apresentarei "Oktophonie" e "Kontakte"; no seguinte, "Hymnem", que dura quase
duas horas.
Folha - O sr. é uma das maiores influências da música pop e eletrônica, de Sonic Youth a Kraftwerk...
Stockhausen - Sim, sim... Aliás,
Karl Bartos [do Kraftwerk" foi o
convidado especial para ler o texto do meu prêmio do Polar Prize
[leia texto ao lado".
Folha - O sr. gosta de Kraftwerk?
Stockhausen - Sim, mas é muito
simples! Eu falei isso para Bartos,
e ele sabe que é ruim. Ele disse:
"Bem, é a maneira que começamos, influenciado pelo seu trabalho". Mas eu esperava mais polifonia, mais mudanças ricas de estruturas, harmonias etc. É muito
limitado em termos de qualidade
musical. É uma coleção atmosférica de eventos, mas de envergadura muito, muito pequena.
Folha - Como o sr. reage quando
ouve músicos contemporâneos, seja pop, rock ou eletrônico, utilizando alguma coisa criada pelo sr.?
Stockhausen - É normal. Todo o
universo da música vem do passado. Tem sido sempre uma mistura de padrões ou clichês musicais, que se juntam a algo que possui algo a mais além dessa reunião
preexistente. Mas algumas vezes
eu reajo como um humano. Por
exemplo, um músico alemão me
mandou uma fita e disse que faria
um mix de três composições minhas. É assim mesmo. Músicos
usam material de músicos dos
quais gostam. Mas eu não gosto
disso para mim. Eu tomo muito
cuidado de nunca usar nada que
foi usado antes.
Folha - O sr. não usa samples?
Stockhausen - Samples da natureza, apenas. Sons de indústria,
metrô... Em "Hymnem" há samples de todo os tipos de eventos:
da China, África, fábricas, navios,
jogos de futebol, aviões etc. [e hinos nacionais de alguns países".
Deve ter sido a primeira composição com samples da história.
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