|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
Cinco razões para ignorar "Godspell"
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
1 - "Godspell" é um espetáculo dogmático. Seu objetivo é
ensinar à platéia uma verdade dada como absoluta. Não se cobra
aqui a necessidade de questionar
a Bíblia, apenas a constatação de
que um teatro que serve a uma
ideologia, seja ela qual for, colocando o estético como mero instrumento da doutrina, está contrariando a razão pela qual ele foi
criado junto com a democracia: o
questionamento dialético da norma. Assim, quando, logo no começo, Cristo desce das alturas para resolver instantaneamente todos os questionamentos socráticos, não há mais conflito nem trama a se esperar da peça.
2 - O espetáculo não aprofunda
nenhum de seus temas, ou seja, é
inócuo até mesmo enquanto teatro evangélico. A estratégia do
"Godspell" original era aproximar a doutrina de Cristo da contracultura hippie: invasores de
uma casa abandonada "brincavam" com a imitação de Cristo até
as histórias se misturarem perigosamente. Endossando o discurso
revolucionário do Cristo histórico, a platéia acabava torcendo para que os anti-heróis escapassem
da polícia, em uma lúdica e ousada inversão de valores. Tendo o
movimento da contracultura perdido seu vigor, o diretor escolheu
na "versão brasileira" transformar as personagens em inofensivos palhacinhos e emílias que
ilustram parábolas sobre a fraternidade com as mais ofensivas gracinhas contra japoneses, mulheres gordas e homossexuais. A forma destrói o conteúdo, o verbo se
faz purpurina.
3 - "Godspell" é um desrespeito
ao circo, o verdadeiro circo que
celebra o risco e a fugacidade, do
Circo Mínimo ao Grande Circo
Místico. Os elementos circenses
subaproveitados -trapézios que
só sobem e descem, figurinos e cenários que imitam canhestramente a estética kitsch do Cirque
du Soleil e uma certa palhaçada
do Senhor que preenche sistematicamente todo o espetáculo, com
os atores disputando o foco com
cacos congelados- estão ali como que para distrair a platéia, para quebrar um pouco o tom pastoral escolhido pelo diretor. Assim, as belas canções da peça, cantadas pelo elenco de modo afinado e obedecendo a marcas precisas, acabam soando como uma
competente festa de paróquia, de
dar orgulho aos pais do elenco,
mas constrangendo um pouco
quem for de outra freguesia. Para
que usar com esse fim o circo, barateando uma tradição que vem
sendo defendida a duras penas?
4 - A interpretação é padronizada pelo estilo pessoal de seu diretor/ator, que chegou a atuar na
peça: neste espetáculo, todos os
apóstolos são Caco Antibes, que
tanta atenção vem recebendo na
mídia. Para esse fim, este espaço
crítico não lhe será útil.
5 - O espetáculo não precisa de
crítica. É um grande sucesso de
público, que já sabe o que vai ver e
não se sente ludibriado pelo alto
preço do ingresso. Preenche totalmente uma certa noção de teatro
enquanto entretenimento compromissado com o descompromisso. Se esta for apenas uma opção entre as muitas que o teatro
oferece, não há reparos a fazer.
Resta torcer para que ainda possa
haver espaço para um outro teatro, que, ao optar pela arte e pelo
risco, não costuma contar com
tanto endosso de mídia e patrocínio. No mais, não há razão para
querer mudar Miguel Falabella.
Vamos mudar de assunto.
GODSPELL - roteiro: Stephen Schwartz.
Adaptação e direção: Miguel Falabella.
Onde: Jardel Filho (av. Brig. Luís Antônio,
884, tel. 0/xx/11/3105-8433). Quando:
qui., às 21h; sex., às 21h30; sáb., às 19h30
e às 22h30; e dom., às 19h. Quanto: de R$
30 a R$ 60 (qui.: de R$ 30 a R$ 45).
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Dança: Quasar investiga a influência do tempo Índice
|