São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MAM paulistano transforma-se em território nebuloso

DA REPORTAGEM LOCAL

Viver no mundo das nuvens é metáfora corrente de quem anda desligado do contexto, longe do que se convenciona chamar de real. Com "Nefelibatas", mostra que o Museu de Arte Moderna de São Paulo inaugura hoje, o curador Ricardo Resende defende a tese de que uma forte vertente da arte contemporânea brasileira anda preferindo olhar para o céu a vislumbrar o que se passa aqui no chão. "Nefelibata", termo pomposo, refere-se a quem anda ou vive nas nuvens.
"Tendo a acreditar que é uma forma de escape, uma fuga do contexto sociopolítico", diz Resende. O fenômeno não é apenas brasileiro. "Nefelibatas" apresenta também o argentino Olkapää, com a instalação "Cielos". "O céu é uma forma de escape, mas também proporciona uma sensação de movimento e amplidão", diz o artista plástico.
Essa amplidão proporcionada pelas nuvens é tema recorrente na história da arte. Seja do belga René Magritte ou do inglês William Turner. "A mostra apresenta a influência de certo romantismo na arte contemporânea", afirma Resende.
Um dos melhores exemplos na mostra é a obra "Se Você Sonha com Nuvens" (1991), de Leonilson. O título da obra está bordado em um tecido branco em forma de cruz. "Foi a partir dessa obra, parte do acervo do MAM, que tive a idéia da mostra", diz o curador. Dos 20 artistas apresentados, apenas dois estão no acervo do museu -o próprio Leonilson e Iran do Espírito Santo.
Aliás, ele é outro "romântico" da mostra com a série "Photoshop Sunset". Manipuladas por computador, imagens de crepúsculos ganham cores variadas, com certo ar kitsch. Romântica também é Sandra Cinto, cuja obra está reproduzida nesta página, e Dora Longo Bahia, com "Paisagens com Dramas", duas fotos de céu avermelhadas, com molduras em mármore.
No entanto, não é só o romantismo, mas também a ironia, outra das características da arte contemporânea, que estão presentes na exposição. "Projeto para Construção de um Céu", de Carmela Gross, outra artista a inspirar a exposição, é uma parede de desenhos que busca representar o céu. Gross participa ainda da mostra com a instalação "Nuvens".
A ironia é também uma marca na série de fotografias do artista baiano Marepe, na qual ele se auto-retrata comendo algodão-doce em meio a nuvens. O romantismo aqui é devorado.
Ou então a escultura de Edgard de Souza, sem título, de 1986, quando o artista era estudante da Faap. Uma nuvem de concreto é sustentada por vergalhões de ferro. "Lembro-me dessa obra desde quando estudávamos juntos, o próprio Edgard se surpreendeu quando pedi a ele a escultura", afirma Resende.
Dois filmes são ainda exibidos na exposição: o curta "Paixão Nacional" (1994), de Karim Aïnouz, e "Nuvens", da belga Marion Hänsel. "Paixão Nacional" é das obras menos literais na exposição. O curta, apresentado no Panorama de 1995, curado por Ivo Mesquita, narra a história, de forma poética e muito simbólica, sobre um passageiro que entra clandestinamente na parte de carga de um avião e morre de frio.
Já Hänsel, cujo filme foi apresentado na 25ª Mostra Internacional de São Paulo, em 2001, apresenta imagens de nuvens de 12 países contrapostas com imagens dos céus de Magritte e Turner. De volta às origens. (FCY)


NEFELIBATAS - mostra com 20 artistas contemporâneos com obras que trazem nuvens como referência. Curadoria: Ricardo Resende. Quando: abertura hoje, às 19h; de ter. a sex., das 12h às 18h; qui. até 22h; sáb. e dom., das 10h às 18h. Até 8 de setembro. Onde: Museu de Arte Moderna de São Paulo (parque Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5549-9688). Quanto: R$ 5.



Texto Anterior: Artes Plásticas: Alfons Hug deve ser curador da 26ª Bienal
Próximo Texto: Panorâmica - Eletrônica: Love Parade de Berlim pode acabar
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.