São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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CINEMA

Buenos Aires assiste nesta noite à pré-estréia de "18-J", sobre o atentado contra a Amia, que completa dez anos hoje

Diretores colocam "buena onda" a serviço da história

Divulgação
Trecho de Daniel Burman, que faz giro pelo bairro do Once, onde ficava a Amia


SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

"Existem só três episódios em minha vida em que me lembro exatamente do que estava fazendo no momento em que ocorreram: a chegada de Armstrong à Lua, a catástrofe das Torres Gêmeas em Nova York e o atentado da Amia em Buenos Aires."
As palavras do cineasta argentino Carlos Sorín, 60, mostram um pouco do que foi o choque coletivo que tomou de surpresa os portenhos na manhã do dia 18 de julho de 1994, há exatos dez anos.
Às 9h53 daquele dia, Sorín estava em uma mesa de reuniões em sua produtora, quando um carro-bomba mandou pelos ares o edifício nš 633 da calle Pasteur, sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), no bairro do Once, deixando um saldo de 85 mortos, mais de 300 feridos e várias perguntas até hoje sem resposta.
O atentado contra a Amia -assim como o que atingira, dois anos antes, a embaixada israelense, causando a morte de 29 pessoas- foi atribuído a grupos extremistas islâmicos. As investigações para apurar as responsabilidades de ambos, entretanto, ainda estão inconclusas.
Sorín (que tem seu "Histórias Mínimas" em cartaz em SP) é um dos dez cineastas que filmaram o longa "18-J", produzido pelo Incaa (Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales) em parceria com mais dez produtoras.
A idéia aproveita o bom momento do cinema argentino no exterior para voltar a expor o caso para diferentes platéias.
Cada artista filmou cerca de dez minutos. O trecho de Sorín é o último e mostra uma seqüência de fotografias das vítimas. "Oitenta e cinco mortos podem ser só uma cifra, mas, ao revelar seus olhares, damos a eles uma outra dimensão. É muita gente e, o mais importante, é que são pessoas como todo mundo", disse à Folha.
"18-J" terá sua pré-estréia nesta noite em uma Buenos Aires que deve parar tanto para homenagear os mortos como para lembrar que o crime segue impune.
Integram o time de diretores Daniel Burman ("Esperando ao Messias"), Adrián Caetano ("Bolivia"), Lucía Cedrón, Alberto Lecchi, Marcelo Schapces, Alejandro Doria, Juan Stagnaro, Adrián Suar e Mauricio Wainrot.
Nascido e criado no Once, bairro que concentra boa parte da comunidade judaica de Buenos Aires, Daniel Burman, 31, decidiu mostrar "como o atentado continua acontecendo lá até hoje".
Burman toma o depoimento de um médico que fez um parto no dia da tragédia. A câmera então passeia pelo Once dos dias de hoje, guiada por narração na voz de um menino. "Interessei-me em contar histórias simples das pessoas que estão agora ali. Queria falar, mais do que da morte e da destruição, de como o atentado atingiu a vida dos familiares, dos vizinhos dos que morreram e que hoje circulam pelas ruas carregando as marcas da tragédia."
Burman acha que as medidas de segurança adotadas no Once após o ataque representaram mudança negativa para o dia-a-dia do bairro. "As câmeras e todo o aparato de vigilância e segurança são detalhes que alteram os hábitos e que fazem com que se tenha a impressão de que, lá, a bomba ainda está explodindo a cada novo dia."
Sorín e Burman acham necessário tocar nessa ferida aberta. "É raro o cinema poder atuar na história, e esse é caso. Na maioria das vezes, por mais que um filme seja bom, ele não deixa de ser apenas um entretenimento de duas horas e nada mais", diz Burman.
"Temos de manter as feridas abertas, para continuar investigando. Na Argentina, temos uma quantidade imensa de feridas que não deveriam nunca fechar. Pensemos, como exemplo, nos desaparecidos do período militar", diz Sorín. "A ditadura ainda é uma conta pendente do cinema e da sociedade argentinos. Talvez agora, com o passar do tempo, consigamos ter uma visão mais eficaz dessa catástrofe", conclui.
Os dois diretores concordam com o fato de que a impunidade, no caso da Amia, é algo sintomático de como muitas coisas deveriam mudar na Argentina. "Temos uma das maiores organizações criminosas do mundo, a polícia bonaerense, que está comprometida com o delito. O atentado não foi perpetrado por ela, mas certamente teve seu braço logístico. Se será apurado e punido, é uma outra história", diz Sorín.
E Burman, se recorda do que fazia naquele momento? "Sim, como se fosse hoje. Estava num táxi, a quatro quadras do lugar. A sensação foi muito forte", conta.
"18-J" estréia em circuito comercial na Argentina em outubro, mas ainda não tem previsão para ser lançado no Brasil.


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