São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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DVD/LANÇAMENTO

Dinamarquês ergue monumento à sua pretensão em filme que tem Nicole Kidman como protagonista

Von Trier aposta alto demais em "Dogville"

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Para os que ainda não viram, o lançamento de "Dogville" em DVD é mais uma chance de conferir o polêmico filme de Lars von Trier; para os que já viram, também: afinal, a obra é daquelas que chegam mais para confundir do que para explicar.
A cada novo projeto, Trier se impõe novas regras de jogo. A cada filme, tenta se equilibrar entre a aplicação restrita dessas regras e o livre fluir do jogo. Em "Os Idiotas", Trier esteve bem próximo disso. Já em "Dogville", a aposta é alta demais.
Uma forasteira, Grace (Nicole Kidman), chega a uma cidade americana, vive lua-de-mel com os habitantes locais, mas, revelada foragida da Justiça, logo passa a ser escravizada e sodomizada por estes. Trier flerta com a idéia de encenar a xenofobia americana.
O problema é que, dada a proposição, lançadas as regras, Trier não consegue ir muito longe. Nas raras vezes em que soma alguma invenção cênica ao modelo brechtiano de que parte, seu filme cresce, como na seqüência do Dia de Ação de Graças. De resto, seus personagens não saem do papel, permanecem esboços de uma dramaturgia ruim. Trier ergue, em "Dogville", um monumento à sua pretensão -imaginamos estar vendo uma alegoria antiamericana quando, na verdade, somos apenas testemunha da autocomplacência explícita do autor.
Monumento erguido por motivação das menos nobres: o cineasta queria responder àqueles que o haviam criticado por realizar um filme ambientado na América ("Dançando no Escuro") sem (supostamente) nunca ter ido lá. Assumir o preconceito foi uma resposta válida, mas preconceitos assim, como lembrou o colunista da Ilustrada Contardo Calligaris, a propósito de Trier, costumam revelar muito mais sobre quem os perpetua.
A certa altura de "Dogville", a crueldade exercida em Grace pela comunidade passa a se confundir com o tratamento de choque que Trier costuma reservar às suas heroínas. Trier dá a impressão de desprezar suas personagens e, por extensão, as atrizes que as encarnam -não deve ser por acaso que estas volta-e-meia se recusam a com ele trabalhar de novo.


Dogville
Idem
 
Direção: Lars von Trier
Produção: Dinamarca/EUA, 2003
Com: Nicole Kidman, Paul Bettany
Distribuidora: Califórnia Home Video



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