São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 2005

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MÚSICA

Encontro de compositores na zona norte do Rio de Janeiro quer reviver época que revelou o cantor Zeca Pagodinho

"Samba do Trabalhador" refaz história

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Uma festa que acontece toda segunda-feira à tarde e se chama "Samba do Trabalhador" parece só uma piada. Mas é bem mais do que isso. Foi em encontros diurnos como esse que, na década de 80, surgiu o subgênero do samba batizado de pagode -o real, não o meloso que herdou o nome.
Há 20 anos, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Almir Guineto, Luiz Carlos da Vila e os integrantes do Fundo de Quintal faziam história no bloco Cacique de Ramos e em outras quadras suburbanas. Desde 31 de maio, entre 14h e 21h, há uma nova turma cantando, sambando e trocando idéias no Renascença (r. Barão de São Francisco, 54, Andaraí, zona norte), um clube fundamental na história da cultura negra no Rio. "Meu sonho é oferecer a essa juventude um novo pau-de-sebo", diz o cantor e compositor Moacyr Luz, 47, idealizador da festa e do título, que se refere ao fato de segunda ser o dia de folga dos músicos.
Pau-de-sebo, no jargão fonográfico, é um disco em que vários artistas, normalmente pouco conhecidos, mostram seus trabalhos. O sonho de Luz evoca "Raça Brasileira", o disco que, em 1985, vendeu 100 mil cópias, revelou Zeca Pagodinho e começou a mostrar à zona sul o que havia de bom nos subúrbios cariocas.
Luz planeja selecionar alguns dos jovens que tem ouvido às segundas e realizar uma versão "anos 2000" do "Raça Brasileira".
"Todo mundo quer ser eleito a alguma coisa hoje, ganhar prêmio, ser famoso. Parece que estamos vivendo na ilha de "Caras". Temos que mostrar que existe um outro lado", prega Luz, parceiro de Aldir Blanc, Martinho da Vila, Nei Lopes e outros.
Insuflado pela emoção, o discurso parece raivosamente político, mas não é. Luz apenas resolveu, em vez de ecoar o chororô comum do "não temos espaço, não temos mídia", reunir seus colegas em uma trincheira cheia de música, comida, bebida, alegria e esperança.
"Aqui canta quem quiser e o que quiser", resume Wanderley Monteiro, compositor (de "Água de Chuva no Mar", sucesso de Beth Carvalho) que costuma tocar cavaquinho no Renascença.
O compromisso com o prazer atrai cada vez mais compositores e espectadores/ouvintes. Se no primeiro dia havia menos de cem pessoas, hoje o "Samba do Trabalhador" não recebe menos de 300. Ninguém paga para entrar. Se não quiser comer ou beber, ouve boa música de graça.
Essa não é a única diferença para as casas de samba da Lapa, as mais cultuadas da cidade, onde não se pisa por menos de R$ 10 e a cerveja custa de R$ 3 a R$ 4. No Renascença -e em algumas outras poucas rodas cariocas, como a do Cacique, aos domingos- não há microfone, os músicos se reúnem em torno de uma mesa (e não sobre um palco) e basta querer para cantar criações inéditas.
"Como não temos compromisso com bilheteria, não precisamos cantar só sucessos", diz Luz.
"Mostrar sambas novos é uma forma de as pessoas conhecerem nosso trabalho", exalta Leandro D'Menor, 33, revelado no pau-de-sebo "Quintal do Pagodinho", em 2001, e que na última segunda cantou duas inéditas.
"O samba, desde o início, era feito assim, em quintais, em torno de mesas. O que acontece aqui lembra os pagodes dos anos 70 e 80", diz Jorge Trindade, o Agrião, 41, compositor de Vila Isabel.
Além da garotada ainda anônima que Luz sonha revelar, vêm freqüentando o "Samba do Trabalhador" nomes já consagrados como Hermínio Bello de Carvalho e um sem-número de autores que, apesar do talento, estão fora dos grandes palcos.
Nesse caso estão Zé Luiz (líder da Velha-Guarda do Império Serrano e autor de sucessos como "Todo Menino É um Rei"), Toninho Geraes ("Seu Balancê" e "Pago pra Ver", do repertório de Zeca), Luizinho Toblow ("À Vera", faixa-título do último disco de Zeca), Paulinho da Aba ("Na Aba", sucesso de Martinho da Vila), Efson ("Firme e Forte", hit de Beth Carvalho) e outros.
Além de ouvi-los, ainda é possível testemunhar no Renascença cenas emocionantes como o minuto de silêncio -marcado pela batida do surdo- feito na última segunda em homenagem à tia Eulália, fundadora do Império Serrano que morrera na véspera. Hoje à tarde tem mais.

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