São Paulo, sexta, 18 de julho de 1997.



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Zappa

FÁBIO MASSARI
especial para a Folha

Com Frank Zappa parece ser difícil ficar no meio do caminho. É amar ou odiar. Ficar indiferente frente à música do "american composer" requer sacrifício.
Foram 30 anos na ativa, documentados numa discografia monstruosa. Dizer que Zappa praticou variações de bebop, doo wop, r&b, boogie woogie, rock'n'roll, rockabilly, rock psicodélico, jazz rock (esse ele abominava), pop descartável, trilhas sonoras hollywoodianas, música erudita, de vanguarda etc. é insistir em contrariar as vontades do artista (ainda que ele tenha (des)feito tudo isso em algum momento).
Zappa buscara a realização do seu "Projeto/Objeto", buscara sua musa na trilha ideal para o filminho que ele via dentro da cabeça, desde sempre.
Procurando colocar abaixo os muros que dividiam horizontal ou verticalmente esse tipo de som daquele, encarando de frente quem se metesse pelo caminho, Zappa trilhou uma América universal de contradições e hipocrisias com a mais ardorosa das devoções artísticas. E com humor impagável. Cáustico muitas vezes. Sincero sempre.
Os "produtos" Frank Zappa vêm chegando às lojas em ritmo acelerado. Até um filme sobre sua vida vem pintando. Mas talvez não seja o caso de falar em "zappamania". Isso porque ela já existe há um bom tempo.
Trata-se de uma rede de atividades oficiais ou não que insistem em fazer com que a música de Frank Zappa continue viva, livre de regras de um mercado estabelecido.
Quando Zappa morreu, em 93, deixou como legado uma das mais inacreditáveis discografias da música da segunda metade desse século. Em qualidade e volume. Algo em torno de 50 discos oficiais, do seminal documento psicodélico (às avessas?) "We're Only in It for the Money" (67) ao vencedor do Grammy "Jazz from Hell" (86).
Mas sua morte marcou apenas o final de um capítulo. Arquivista alucinado, Zappa forrou as paredes de seu laboratório californiano com incontáveis registros de seus trabalhos: apresentações ao vivo, ensaios, entrevistas, trilhas, experiências...
Uma parte considerável desse material vem ganhando forma, fruto da dedicação familiar do Zappa Family Trust em parceria com o pessoal da Rykodisc.
Os lançamentos mais recentes dão uma boa mostra da força desse material arquivado. Saiba a seguir sobre as mais recentes novidades zappianas em CD (veja nesta página também o disco-tributo espanhol e a mais nova biografia sobre o roqueiro).

"Lather" - Lançado no ano passado, é uma espécie de menina dos olhos para os amantes de Zappa. E de rock, é claro. O disco é um libelo anticorporativo, estabelece a redenção de uma música que, de algum jeito, sempre falou mais alto do que as "forças inimigas". É o disco que Zappa queria ter lançado em 77, na forma de caixa com quatro discos, mas que foi vetado pela gravadora.
Para acabar com o contrato, Zappa entregou o pacote à corporação, que o picotou e lançou aleatoriamente nos anos seguintes.
Não sem antes "ouvir" um lance zappiano: Zappa foi a uma rádio e tocou o disco inteiro, do jeito que deveria ser. E incentivou sua pirataria. Nocaute técnico.
"Lather" saiu em CD triplo. O mercado japonês prepara um versão limitada em vinil. A música? Com direito a historias e intervenções do próprio (o disco tem várias faixas inéditas), é Zappa "guitarrístico" da melhor qualidade.
Furioso e apaixonado, Zappa manda alguns fraseados guitarrísticos humilhantes. Onde quer que ele esteja, está feliz da vida com "Lather".
"Frank Zappa Plays the Music of Frank Zappa - A Memorial Tribute" - Este é o tributo a um dos mais completos guitarristas de todos os tempos e a seus fãs.
Lançado no ano passado como edição exclusiva "mail order only", com pesquisa e organização do filho Dweezil Zappa, o disco, com bigode postiço na capa, traz os três solos prediletos de Zappa, devidamente ladeados pelas suas versões embrionárias, interpretadas ao vivo antes do seu registro em disco.
"Black Napkins", "Zoot Allures" e "Watermelon in Eater Hay" são geniais esculturas no ar, praticadas por um mestre de sua arte. Colocando uma técnica assustadora a serviço de uma sensibilidade única, Zappa fez valer como poucos aquele famoso clichê do instrumento como extensão do corpo. E da alma. Como "cereja", o disco traz Zappa caindo no blues, "Merely a Blues in A".
"Have I Offended Someone?" - O disco saiu no começo deste ano e pode ser considerado o álbum dos insultos de Frank Zappa.
Pelo menos é assim que se sentiram executivos de gravadoras, cristãos, princesas judias, feministas, gays, franceses, californianas... Com inacreditável ilustração de Ralph Steadman na capa, o disco traz 15 dos hits encrenqueiros de Zappa em versões remixadas, reconstruídas ou inéditas.
É Zappa destilando a porção avacalhada de seu humor em canções de orientação pop, em andamento teatral, circense.
Vamos de "Bobby Brown Goes Down" a "Yo Cats", passando por uma versão diferente de "Titties'n Beer" e uma ao vivo, inédita, de "Tinsel Town Rebellion". Apesar da aparência, é diversão para toda a família.
"Strictly Genteel - A Classical Introduction to Frank Zappa" - O recém-lançado CD é isso mesmo, uma introdução ao Zappa "clássico", "erudito", "sério" ou qualquer coisa do tipo.
Mas pode também não ser nada disso. Zappa não gostava dessas divisões e brigava para que essa porção de sua música fosse consumida por todos, indiscriminadamente.
Nem sempre isso deu certo. O material às vezes se mostra hermético demais para quem foi acostumado às leis do fácil consumo. Livres dessa camisa-de-força, porém, os amantes da boa música têm bons motivos para mergulhar de cabeça nesse Zappa mais cerebral.
Os corre-corres e elipses típicos de Zappa estão presentes nesse disco labiríntico, que vai da trilha "Run Home Slow Theme" à maravilhosa "Strictly Genteel".



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