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Zappa
FÁBIO MASSARI
especial para a Folha
Com Frank Zappa parece ser difícil ficar no meio do caminho. É
amar ou odiar. Ficar indiferente
frente à música do "american
composer" requer sacrifício.
Foram 30 anos na ativa, documentados numa discografia
monstruosa. Dizer que Zappa praticou variações de bebop, doo
wop, r&b, boogie woogie,
rock'n'roll, rockabilly, rock psicodélico, jazz rock (esse ele abominava), pop descartável, trilhas sonoras hollywoodianas, música
erudita, de vanguarda etc. é insistir
em contrariar as vontades do artista (ainda que ele tenha (des)feito
tudo isso em algum momento).
Zappa buscara a realização do
seu "Projeto/Objeto", buscara
sua musa na trilha ideal para o filminho que ele via dentro da cabeça, desde sempre.
Procurando colocar abaixo os
muros que dividiam horizontal ou
verticalmente esse tipo de som daquele, encarando de frente quem
se metesse pelo caminho, Zappa
trilhou uma América universal de
contradições e hipocrisias com a
mais ardorosa das devoções artísticas. E com humor impagável.
Cáustico muitas vezes. Sincero
sempre.
Os "produtos" Frank Zappa
vêm chegando às lojas em ritmo
acelerado. Até um filme sobre sua
vida vem pintando. Mas talvez não
seja o caso de falar em "zappamania". Isso porque ela já existe há
um bom tempo.
Trata-se de uma rede de atividades oficiais ou não que insistem em
fazer com que a música de Frank
Zappa continue viva, livre de regras de um mercado estabelecido.
Quando Zappa morreu, em 93,
deixou como legado uma das mais
inacreditáveis discografias da música da segunda metade desse século. Em qualidade e volume. Algo
em torno de 50 discos oficiais, do
seminal documento psicodélico
(às avessas?) "We're Only in It for
the Money" (67) ao vencedor do
Grammy "Jazz from Hell" (86).
Mas sua morte marcou apenas o
final de um capítulo. Arquivista
alucinado, Zappa forrou as paredes de seu laboratório californiano
com incontáveis registros de seus
trabalhos: apresentações ao vivo,
ensaios, entrevistas, trilhas, experiências...
Uma parte considerável desse
material vem ganhando forma,
fruto da dedicação familiar do
Zappa Family Trust em parceria
com o pessoal da Rykodisc.
Os lançamentos mais recentes
dão uma boa mostra da força desse
material arquivado. Saiba a seguir
sobre as mais recentes novidades
zappianas em CD (veja nesta página também o disco-tributo espanhol e a mais nova biografia sobre
o roqueiro).
"Lather" - Lançado no ano passado, é uma espécie de menina dos
olhos para os amantes de Zappa. E
de rock, é claro. O disco é um libelo
anticorporativo, estabelece a redenção de uma música que, de algum jeito, sempre falou mais alto
do que as "forças inimigas". É o
disco que Zappa queria ter lançado
em 77, na forma de caixa com quatro discos, mas que foi vetado pela
gravadora.
Para acabar com o contrato,
Zappa entregou o pacote à corporação, que o picotou e lançou aleatoriamente nos anos seguintes.
Não sem antes "ouvir" um lance zappiano: Zappa foi a uma rádio
e tocou o disco inteiro, do jeito que
deveria ser. E incentivou sua pirataria. Nocaute técnico.
"Lather" saiu em CD triplo. O
mercado japonês prepara um versão limitada em vinil. A música?
Com direito a historias e intervenções do próprio (o disco tem várias
faixas inéditas), é Zappa "guitarrístico" da melhor qualidade.
Furioso e apaixonado, Zappa
manda alguns fraseados guitarrísticos humilhantes. Onde quer que
ele esteja, está feliz da vida com
"Lather".
"Frank Zappa Plays the Music of
Frank Zappa - A Memorial Tribute" - Este é o tributo a um dos
mais completos guitarristas de todos os tempos e a seus fãs.
Lançado no ano passado como
edição exclusiva "mail order
only", com pesquisa e organização do filho Dweezil Zappa, o disco, com bigode postiço na capa,
traz os três solos prediletos de Zappa, devidamente ladeados pelas
suas versões embrionárias, interpretadas ao vivo antes do seu registro em disco.
"Black Napkins", "Zoot Allures" e "Watermelon in Eater
Hay" são geniais esculturas no ar,
praticadas por um mestre de sua
arte. Colocando uma técnica assustadora a serviço de uma sensibilidade única, Zappa fez valer como poucos aquele famoso clichê
do instrumento como extensão do
corpo. E da alma. Como "cereja",
o disco traz Zappa caindo no
blues, "Merely a Blues in A".
"Have I Offended Someone?" -
O disco saiu no começo deste ano e
pode ser considerado o álbum dos
insultos de Frank Zappa.
Pelo menos é assim que se sentiram executivos de gravadoras,
cristãos, princesas judias, feministas, gays, franceses, californianas... Com inacreditável ilustração
de Ralph Steadman na capa, o disco traz 15 dos hits encrenqueiros
de Zappa em versões remixadas,
reconstruídas ou inéditas.
É Zappa destilando a porção avacalhada de seu humor em canções
de orientação pop, em andamento
teatral, circense.
Vamos de "Bobby Brown Goes
Down" a "Yo Cats", passando
por uma versão diferente de "Titties'n Beer" e uma ao vivo, inédita, de "Tinsel Town Rebellion".
Apesar da aparência, é diversão
para toda a família.
"Strictly Genteel - A Classical Introduction to Frank Zappa" - O
recém-lançado CD é isso mesmo,
uma introdução ao Zappa "clássico", "erudito", "sério" ou
qualquer coisa do tipo.
Mas pode também não ser nada
disso. Zappa não gostava dessas
divisões e brigava para que essa
porção de sua música fosse consumida por todos, indiscriminadamente.
Nem sempre isso deu certo. O
material às vezes se mostra hermético demais para quem foi acostumado às leis do fácil consumo. Livres dessa camisa-de-força, porém, os amantes da boa música
têm bons motivos para mergulhar
de cabeça nesse Zappa mais cerebral.
Os corre-corres e elipses típicos
de Zappa estão presentes nesse
disco labiríntico, que vai da trilha
"Run Home Slow Theme" à maravilhosa "Strictly Genteel".
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