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LIVRO LANÇAMENTOS
"A Boca do Inferno" destrói a inocência juvenil
BERNARDO AJZENBERG
Secretário de Redação
Passados 40
anos da primeira edição, volta
ao mercado a
coletânea de
contos "A Boca
do Inferno", de
Otto Lara Resende (1922-1992). São sete narrativas que, como praticamente toda
a obra de ficção do autor, transformam o interior de Minas Gerais
num verdadeiro palco para o desfile de personagens e conteúdos
nitidamente universais.
Estão presentes, aqui, o peso da
educação católica e suas culpas; a
"mineirice", entendida antes como capacidade de sugestão do que
como fato puro e simples; a ironia
de um narrador voltado para os
detalhes, mas sem desprezar, em
nenhum momento, a tensão dramática daquilo que nos revela.
Dois aspectos, porém, caracterizam em especial esta coletânea e
fazem dela uma espécie de obra
monotemática. Primeiramente, o
fato de todos os seus contos terem
pré-adolescentes como personagens principais. Em segundo lugar, não há neles nenhum desfecho que não seja trágico.
Por trás de um mundo simples
de galinhas e hortaliças, aulas de
catequese, sorveterias e grupos escolares, surgem porões secretos,
esconderijos, cavernas, cemitérios; e suicídios, assassinatos, abusos sexuais. Não há inocência que
não seja afrontada, agredida, destruída, seja por adultos, seja pelas
próprias crianças em sua precariedade de julgamento moral.
Em "Dois Irmãos", por exemplo, a oposição de comportamento entre irmãos -um bom, o outro ruim- acaba por sacrificá-los,
sendo o primeiro levado pela
doença e o segundo pela auto-extinção. "O Porão" mostra um garoto cuja obsessão em atazanar a
vida de pequenos animais se
transforma em espírito verdadeiramente assassino. O abuso sexual
de meninas aparece com nitidez
no conto "O Segredo" e está sugerido em "Três Pares de Patins".
A chamada Boca do Inferno é
uma furna na qual se refugia frequentemente o protagonista de
"Filho de Padre", oprimido pelo
vigário encarregado de sua criação
e de seu sustento. Mas, na verdade, pode servir como símbolo daquilo que o livro todo expressa: a
dolorosa passagem de meninos e
meninas para um mundo da hipocrisia, culpa, mentira, violência física e moral.
Não há diálogo possível com
pais ou responsáveis. Tudo se esconde. E o espectro da Santa Igreja
Católica ronda a todos com suas
ameaças de eterna punição aos pecadores.
A leveza estilística de Otto Lara
Resende, de texto enxuto, cheio de
imagens fortes e vocábulos específicos, é o contraponto, na linguagem, que permite ao leitor não se
afundar simplesmente no torpor
que essas narrativas embutem. Aí
reside a sabedoria do autor.
Veja este exemplo, de "O Porão": "...no porão não havia sol
nem horizonte aberto a perder de
vista. A casa pesava em cima dos
meninos, ambos se sentiam meio
sepultados, já não tinham noção
de onde se encontravam. Apenas
respiravam, e o coração de cada
um deles batia descompassado,
fora do ritmo de todas as coisas e
seres que a preguiça da tarde adormecia. Floriano abriu o canivete,
ergueu-o diante dos olhos, a lâmina fria reluziu (...)".
Levamos uma bofetada atrás da
outra, para ser bem claro -afinal,
é de nossos próprios defeitos que
se fala. Mas Otto Lara Resende sabe outorgá-las com belas e mineiríssimas luvas de pelica.
Livro: A Boca do Inferno
Autor: Otto Lara Resende
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 16,50 (108 págs.)
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FAROESTE MINEIRO
Patagônia é romance bom com frases de efeito
RODOLFO LUCENA
Editor de Informática
Gostei e não
gostei. Fiquei
satisfeito e irritado com a leitura de "Patagônia", romance
do contista mineiro João Batista Melo.
É uma boa história, que prende o
leitor, contada em estrutura meio
complicada, mas inteligível.
O diabo são as palavras: volta e
meia aparece uma frase rebuscada, termos de pouco uso na língua
de todo o dia.
Isso incomoda, atrapalha a leitura, distancia o leitor da trama, que
é uma aventura legal, calcada nos
temas do faroeste, com mocinho,
bandido e belas mulheres. De extra, os dramas psicológicos do
mocinho -a perseguição ao bandido vira a busca do verdadeiro eu.
No início do século, um jornalista, filho caçula de um fazendeiro
mineiro, sai à caça do bandido que
teria matado, nos Estados Unidos,
o seu irmão mais velho, Virgílio.
O bandoleiro norte-americano,
famoso assaltante de bancos, escapa da justiça ianque e dos sabujos
da Pinkerton e vai se esconder nos
cafundós da Patagônia. É o temido
Butch Cassidy.
Atrás dele vai Otaviano Caldeira,
o jornalista, em trilha de vingança
e também de expiação: o primogênito se mandara para os Estados
Unidos depois de ver a mulher nos
braços do próprio irmão. A traição
descoberta terminara em tiros, o
traidor foi mais rápido e feriu o
mais velho.
Quem conta a história é o próprio Otaviano, que vai partilhando
com o leitor suas aventuras, suas
pesquisas, descobertas e dúvidas.
Muitas dúvidas, como esta: "Diante da miríade de pontas de gelo,
sobressaindo-se (sic) na gélida
muralha, que significados contêm
a minha vida e meus rancores?".
A estrutura não é cronológica,
longe disso. A história começa no
meio, vai e volta, aos poucos os
leitor vai pegando o fio da meada,
conhecendo os personagens -são
muitos, mas acabam se reduzindo
a mocinho, bandido e belas que
povoam o caminho.
É um bom jeito de contar a história, talvez não o mais fácil de ser
entendido, mas também não é
muito complexo.
O complicado é aguentar as frases eloquentes e belas que se misturam à história.
Parece que, para o autor, não
basta escrever bem, é preciso escrever bonito. E aí a leitura é travada, incomodada por frases complicadas, de efeito, poéticas.
O herói olha a foto de uma mulher que lhe lembra a amada. Descreve assim a experiência: "A mulher abandonou a bidimensionalidade do papel e adquiriu a corporificação de uma pessoa real".
É um tique que acomete também
a alguns de nós, jornalistas. Às vezes, agimos como se fôssemos
mais importantes que a reportagem, parecendo acreditar que o
"como" se escreve alguma coisa é
mais importante que o "que" está
sendo escrito.
Na reportagem, como no romance, o que importa, mesmo, é
contar bem, ser entendido, deixar
o leitor bem informado ou entretido com satisfação.
Para isso, nada como a simplicidade. Ela é tão literária ou mais
que as frases rebuscadas, que o palavrório difícil. Este acaba, ao contrário, sendo antiliterário, porque
perturba a leitura, atrapalha o romance entre o leitor e a história.
Bem mais simples são os textos
escritos na terceira pessoa, que
narram histórias paralelas à contada pelo herói. Diferenciadas graficamente da história principal, elas
dão suporte à trama e ajudam a
prender a atenção e a não esgotar a
paciência do leitor.
Livro: Patagônia
Autor: João Batista Melo
Lançamento: Rocco
Quanto: R$ 28 (297 págs.)
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FOLHETIM
Clímax constante domina narrativa de Suzana Flag
HAROLDO CERAVOLO SEREZA
da Redação
O que se pode fazer num único
dia? Para Suzana Flag, ou melhor,
Nelson Rodrigues, esse limite parece não existir.
E é esse desrespeito incontido ao
constrangimento que a passagem
do tempo impõe à vida cotidiana
que dá fôlego a uma obra inicialmente escrita e publicada como
folhetim.
Em "Meu Destino É Pecar",
primeira obra da personagem
criada pelo dramaturgo para assinar seus folhetins, esse excesso
acaba por destacar pensamentos e
desejos, conscientes ou não.
A impossível sequência de fatos
torna-se, paradoxalmente, um
apego à realidade -afinal, o pensar também faz parte dela (no limite, é ela).
O romance, que ajudou a dobrar
as vendas de "O Jornal", parte de
uma história não muito original.
Um irmão inveja o outro, ou seja,
acabamos de ser apresentados a
Caim e Abel. Em torno deles, gravitará uma coleção de mulheres.
Elas agem, mas apenas em função
dos homens.
Paulo, o manco, é vítima da beleza irresistível de Maurício, cuja
lista de conquistas inclui as mulheres do primeiro e também as irmãs delas.
Daí a ciumeira, daí o ódio fraterno, daí as ameaças de morte (que
exigiriam a contratação de uma
auditoria independente para serem contabilizadas).
Beijo proibido
A trama tem início momentos
depois do casamento de Lena com
Paulo. Estão partindo para a
lua-de-mel, na fazenda da família.
Ela se recusa a beijá-lo. Tenta fugir, passa mal, se machuca, rasga
as meias.
Ainda nesse dia, a sogra a avisará
da beleza inacreditável de Maurício. Temos a proibição que, claro,
terá de ser violada. Estamos no segundo capítulo, e Lena já se apaixonou pelo cunhado.
E, mesmo que o ritmo industrial
de produção exigido pelo jornal
resulte em algumas falhas narrativas (pequenas confusões entre
ações de personagens, por exemplo), o leitor, nesse ponto, já está
apresentado a um estilo que se repetirá em "O Casamento", obra
assinada por Nelson, e em muitas
de suas obras para o teatro: o clímax constante.
Novas proibições e violações se
apresentam dentro dos próprios
momentos de tensão, sem que haja um relaxamento na sequência
de acontecimentos.
Muito provavelmente, ao fim
das 640 páginas, o leitor se lembrará de atos e diálogos à granel,
mas de apenas algumas pitadas de
descrições.
É por meio do que as personagens pensam e não dizem, prometem e não cumprem, ameaçam e
recuam que a trama se desenrola.
E gera uma força muito maior que
a vontade individual de Paulo, Lena, Maurício etc.
Assim, Lena não quer casar no
civil, mas não consegue evitar.
Quer dizer não no altar, mas solta
um sim. Espera ser beijada por
Maurício, mas vira o rosto. E, resistindo a beijar o marido, acaba
fazendo com que ele passe a gostar
dela. E a resistência dele, com que
ela se apaixone por ele.
O que se pode dizer de toda essa
aparente confusão? Que "Meu
Destino É Pecar" é um amontoado de clichês, muito bem sobrepostos, que resultam numa grande obra.
Some-se a isso o fato de que a
edição de bolso cai como uma luva
para o texto, pois, se não reproduz
exatamente o formato do jornal, é
muito próximo a ele (pode ser lido
no ônibus, metrô, lotação).
Vale a pena conferir, até para saber se o final confirma o título ou
se o autor (a autora) preferiu contemporizar com seu público, como fazem os novelistas de televisão hoje em dia.
Livro: "Meu Destino É Pecar"
Autor: Suzana Flag (Nelson Rodrigues)
Lançamento: Ediouro
Preço: R$ 28 (640 págs.)
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