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GASTRONOMIA
Quem se lembra de preá, tapioca e castanha?
"Há um prazer áspero na permanente descoberta de quanto supérfluo a
gente se sobrecarrega e de como é fácil a gente se despojar dele."
Rachel de Queiroz
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Quando se fala em comida
brasileira -como na resenha de "O Não me Deixes", livro
de cozinha de Raquel de Queiroz-, a reação dos leitores é imediata e chovem mensagens. Com
isso, ganhei a coluna pronta, feita
por dois leitores. Tive de cortar ferozmente, uma pena, por causa
do espaço.
Fernanda Salles concorda com
Rachel de Queiroz sobre a preá,
que não é rato nenhum comido
pelas crianças nas grandes secas.
"Sei que sua carne é apreciada em
diversas partes do país, inclusive
no litoral norte de São Paulo, onde nasci, cresci e tive a oportunidade de acompanhar uma caça ao
preá, promovida por caiçaras enjoados de peixe.
Uma vez, estava com um grupo
de pessoas na boléia de um pequeno caminhão indo a Jericoacoara, no Ceará. No trajeto, um
senhor pediu carona, no que foi
prontamente atendido. Ele subiu,
sentou, abriu o seu farnel, que liberou um cheiro maravilhoso.
Educado e sincero, ofereceu a
quem quisesse experimentar o
que parecia ser um ensopadinho
com arroz. "Guisado de preá",
anunciou singelamente. A aparência era ótima. Sempre faminta,
eu não resistiria não fosse a expressão de asco dos meus companheiros. Menos por influência do
que por vergonha, recusei e me
arrependo até hoje."
Outro leitor acometido de surto
proustiano foi Julio Nobre, jornalista ele mesmo, que se encheu de
lembranças da infância passada
no sertão do Rio Grande do Norte, entre Paraíba e Ceará.
"Havia o hábito de guardar rapaduras junto com a farinha, ao
lado de queijos de coalho, que
perdiam a oleosidade, o que fazia
a farinha ficar bem cheirosa. (....)
Nas noites de lua cheia, estendíamos lençóis, sentávamo-nos na
calçada da casa da fazenda saboreando bolachas salgadas levemente passadas na manteiga
(sempre de garrafa) e amolecidas
com leite (....).
O comer e o viver nordestino
têm muito de medieval, me parece. Algo que se revela, principalmente, nos arcaísmos da fala. A
casa da fazenda era nua de móveis, restrita ao essencial: baús, redes, que eram enroladas pela manhã, uma mesa grande e rústica
na sala de jantar, grandes caixotes
cheios de rapadura ou farinha,
tamboretes para sentar e mais nada. À noite, antes de dormir, comíamos coalhada com rapadura
ralada ou, então, jerimum, batata
doce ou cuscuz misturado com
leite. O mel era saboreado com farinha de mandioca mesmo, num
minimalismo que deixaria não
poucos gourmets chocados com
tanta ascese e desprendimento.
No mês de junho e julho, bem
no fim da estação das chuvas, que
é o inverno de lá, comia-se muita
coisa à base de milho verde. As
pamonhas, estranhamente, eram
salgadas, amanteigadas e saboreadas com café e queijo. O feijão
verde era temperado com nata ou
queijo de coalho e comido com as
mãos. Fazíamos bolinhas misturando feijão e farinha.
Comer com as mãos era um deleite supremo. E sempre havia um
acompanhamento de frutas: cajus, mangas ou bananas eram
consumidos junto com o prato
salgado, numa combinação incrível de sabores.
Morávamos, certa época, no
meio de um cajueiral na caatinga.
Assávamos as castanhas de caju,
anteriormente postas a secar ao
sol. Moídas, davam excelentes bolos que eram assados num grande
forno circular atrás da casa. Das
vazantes, na beira dos açudes,
saíam batatas doces, feijão verde,
macaxeiras (eu como, você cheira), melancias, melões perfumadíssimos. Com as goiabas, faziam-se compotas.
Invariavelmente, o café da manhã era formado por cuscuz misturado a ovos fritos ou leite. E
aquelas maravilhosas tapiocas
servidas com manteiga e café,
quentinhas, desmanchando na
língua de tão finas e delicadas.
As manhãs luminosíssimas tinham aquele perfume de café recém-passado e de queijo de coalho torrado na chapa do fogão a
lenha. Uma jarra de barro para fazer o café; outra para ferver o leite.
Com o passar do tempo, ficavam
impregnadas. O leite fervido naquelas jarras adquiria um sabor
parecido com o do queijo...."
Obrigada! Não me deixem, quero mais!!!
E-mail - ninahort@uol.com.br
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