São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2001

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LIVRO/LANÇAMENTO

ÁFRICA

O jornalista português Pedro Rosa Mendes apresenta histórias recolhidas durante viagem de Angola a Moçambique

Obra refaz trajeto histórico com lirismo

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Uma lenda angolana descreve a baía dos Tigres, no sul do país, como um lugar que, por falta de água, se transformou em ilha. Isolados ali, alguns cães transformaram-se em animais monstruosos.
"Baía dos Tigres", do português Pedro Rosa Mendes, 33, é também uma metáfora para abordar o isolamento da África. O livro será lançado no Brasil nos dias 28 (São Paulo) e 29 (Rio) deste mês, com a presença do autor.
Rosa Mendes é jornalista e trabalha no jornal "Público", de Lisboa. Em 1997, realizou um trajeto no continente africano desde Luanda (Angola) até Quelimane (em Moçambique), lugares que foram ex-colônias portuguesas e que hoje apresentam paisagens onde imperam a fome, a guerra e a miséria, mas também, como defende o autor, em que há uma imensa riqueza poética.
Rosa Mendes refaz uma histórica viagem de exploradores do século 19, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, que resultou no livro "De Angola a Contracosta".
"Os viajantes da época andavam com o olhar voltado para aspectos geográficos e científicos, pouco se importavam com as pessoas", diz o jornalista, que conta que sua única intenção na viagem era a de "ouvir histórias".
São essas histórias que compõem "Baía dos Tigres". Sem ordem cronológica ou a preocupação com a descrição física do trajeto, Rosa Mendes utiliza uma linguagem ficcional e não-linear para retratar impressões. O resultado é um romance constituído de retalhos narrativos. Leia os principais trechos da entrevista que Pedro Rosa Mendes deu à Folha.

Folha - Você diz que não quer que sua viagem seja vista como uma façanha. É por isso que sua narrativa não segue ordem cronológica?
Pedro Rosa Mendes -
A façanha é o menos importante na viagem. E a viagem é o menos importante no livro. Só não é irrelevante porque há algo nela -a minha própria deriva- que faz parte de uma insanidade geral que atravessa as histórias. A viagem funciona como pretexto para fazer o leitor percorrer outra geografia com outro tempo. É uma viagem por um universo também real, mesmo que feito de pesadelo: o da guerra, um espaço onde se nasce e morre em violência absoluta.

Folha - Por que fez essa viagem?
Rosa Mendes -
A viagem e o livro aconteceram porque, a partir de certo momento na minha vida de jornalista, dei-me conta de que há uma dimensão da realidade, subterrânea e lírica, que não é possível retratar com o jornalismo. É desconfortável estar a enviar textos de Luanda, Belgrado ou Kigali e sentir que há coisas que não são ditas porque não cabem na linguagem jornalística. A imaginação não é exclusiva da ficção nem a poesia é exclusiva do delírio.

Folha - Você já teve o seu estilo comparado ao de Bruce Chatwin e Paul Bowles. Ambos o inspiram?
Rosa Mendes -
Gosto muito dos dois. Há uma elegância invejável na escrita de Bowles, distante, quase trocista, uma espécie de melancolia existencialista muito depurada. Chatwin é um mentiroso genial. Gosto do universo bizarro das suas histórias de viagem, mais ainda de sua forma de escrever aparentemente caótica.

Folha - Há um trecho que fala de "notícias colhidas sem interesse nem necessidade (de que serve a atualidade quando não se exercita o tempo?)". Crê que a globalização agrava o isolamento africano?
Rosa Mendes -
O que me inquieta na mídia globalizada é que hoje nos são oferecidas duas narrativas: a da globalização econômica, que nos diz que vivemos num espaço de concorrência sem piedade; e a do apocalipse, que nos diz que vastas zonas do mundo serão engolidas pelo tribalismo, guerra, máfias, doença. Ambas alimentam a distância e a intolerância. A África é a primeira vítima dessa distorção. A consequência é que alimenta-se uma espécie de nojo moral em relação a ela.

Folha - Há dois personagens, Joaquim, que inventa uma nova língua, e Augusto, obcecado por calendários, que parecem representar uma necessidade de reestruturação de um mundo destruído por meio da reorganização do tempo e da língua. Concorda com isso?
Rosa Mendes -
Sim. No meio da destruição, há uma vitalidade e imaginação incríveis. As palavras são novas, da mesma forma que o tempo é pensado de outra forma. A gramática, o léxico, é continuamente desfeito e inventado. Há uma lógica e uma estética do estilhaço, da fragmentação em cadeia, da sobreposição sucessiva do que é velho, do que foi destruído, para construir algo que não é novo, mas é diferente e funcional.


BAÍA DOS TIGRES. De: Pedro Rosa Mendes. Editoras: Sá e Rosari. Quanto: R$ 39 (416 págs.). Lançamento: dia 28, às 19h, na Fnac (r. Pedroso de Morais, 858, tel. 0/xx/11-3097-0022); dia 29, às 19h, no Museu da República (r. do Catete, 153, 0/xx/21/ 2558-6350).


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