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LIVRO/LANÇAMENTO
ÁFRICA
O jornalista português Pedro Rosa Mendes apresenta histórias recolhidas durante viagem de Angola a Moçambique
Obra refaz trajeto histórico com lirismo
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Uma lenda angolana descreve a
baía dos Tigres, no sul do país, como um lugar que, por falta de
água, se transformou em ilha. Isolados ali, alguns cães transformaram-se em animais monstruosos.
"Baía dos Tigres", do português
Pedro Rosa Mendes, 33, é também uma metáfora para abordar
o isolamento da África. O livro será lançado no Brasil nos dias 28
(São Paulo) e 29 (Rio) deste mês,
com a presença do autor.
Rosa Mendes é jornalista e trabalha no jornal "Público", de Lisboa. Em 1997, realizou um trajeto
no continente africano desde
Luanda (Angola) até Quelimane
(em Moçambique), lugares que
foram ex-colônias portuguesas e
que hoje apresentam paisagens
onde imperam a fome, a guerra e
a miséria, mas também, como defende o autor, em que há uma
imensa riqueza poética.
Rosa Mendes refaz uma histórica viagem de exploradores do século 19, Hermenegildo Capelo e
Roberto Ivens, que resultou no livro "De Angola a Contracosta".
"Os viajantes da época andavam com o olhar voltado para aspectos geográficos e científicos,
pouco se importavam com as pessoas", diz o jornalista, que conta
que sua única intenção na viagem
era a de "ouvir histórias".
São essas histórias que compõem "Baía dos Tigres". Sem ordem cronológica ou a preocupação com a descrição física do trajeto, Rosa Mendes utiliza uma linguagem ficcional e não-linear para retratar impressões. O resultado é um romance constituído de
retalhos narrativos. Leia os principais trechos da entrevista que
Pedro Rosa Mendes deu à Folha.
Folha - Você diz que não quer que
sua viagem seja vista como uma façanha. É por isso que sua narrativa
não segue ordem cronológica?
Pedro Rosa Mendes - A façanha é
o menos importante na viagem. E
a viagem é o menos importante
no livro. Só não é irrelevante porque há algo nela -a minha própria deriva- que faz parte de
uma insanidade geral que atravessa as histórias. A viagem funciona como pretexto para fazer o
leitor percorrer outra geografia
com outro tempo. É uma viagem
por um universo também real,
mesmo que feito de pesadelo: o da
guerra, um espaço onde se nasce e
morre em violência absoluta.
Folha - Por que fez essa viagem?
Rosa Mendes - A viagem e o livro
aconteceram porque, a partir de
certo momento na minha vida de
jornalista, dei-me conta de que há
uma dimensão da realidade, subterrânea e lírica, que não é possível retratar com o jornalismo. É
desconfortável estar a enviar textos de Luanda, Belgrado ou Kigali
e sentir que há coisas que não são
ditas porque não cabem na linguagem jornalística. A imaginação não é exclusiva da ficção nem
a poesia é exclusiva do delírio.
Folha - Você já teve o seu estilo
comparado ao de Bruce Chatwin e
Paul Bowles. Ambos o inspiram?
Rosa Mendes - Gosto muito dos
dois. Há uma elegância invejável
na escrita de Bowles, distante,
quase trocista, uma espécie de
melancolia existencialista muito
depurada. Chatwin é um mentiroso genial. Gosto do universo bizarro das suas histórias de viagem, mais ainda de sua forma de
escrever aparentemente caótica.
Folha - Há um trecho que fala de
"notícias colhidas sem interesse
nem necessidade (de que serve a
atualidade quando não se exercita
o tempo?)". Crê que a globalização
agrava o isolamento africano?
Rosa Mendes - O que me inquieta na mídia globalizada é que hoje
nos são oferecidas duas narrativas: a da globalização econômica,
que nos diz que vivemos num espaço de concorrência sem piedade; e a do apocalipse, que nos diz
que vastas zonas do mundo serão
engolidas pelo tribalismo, guerra,
máfias, doença. Ambas alimentam a distância e a intolerância. A
África é a primeira vítima dessa
distorção. A consequência é que
alimenta-se uma espécie de nojo
moral em relação a ela.
Folha - Há dois personagens, Joaquim, que inventa uma nova língua, e Augusto, obcecado por calendários, que parecem representar uma necessidade de reestruturação de um mundo destruído por
meio da reorganização do tempo e
da língua. Concorda com isso?
Rosa Mendes - Sim. No meio da
destruição, há uma vitalidade e
imaginação incríveis. As palavras
são novas, da mesma forma que o
tempo é pensado de outra forma.
A gramática, o léxico, é continuamente desfeito e inventado. Há
uma lógica e uma estética do estilhaço, da fragmentação em cadeia, da sobreposição sucessiva
do que é velho, do que foi destruído, para construir algo que não é
novo, mas é diferente e funcional.
BAÍA DOS TIGRES. De: Pedro Rosa Mendes. Editoras: Sá e Rosari. Quanto: R$ 39 (416 págs.). Lançamento: dia 28, às 19h, na Fnac (r. Pedroso de Morais, 858, tel. 0/xx/11-3097-0022); dia 29, às 19h, no Museu da
República (r. do Catete, 153, 0/xx/21/
2558-6350).
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