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"A INTUICIONISTA"
Whitehead se perde em lugares-comuns
MARCELO PEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Publicado nos EUA no ano
de 1999, o romance "A Intuicionista" já anda nos planos de Jonathan Demme, o diretor de "O
Silêncio dos Inocentes", que o está adaptando para o cinema.
Além disso, possibilitou a seu autor, o jornalista afro-americano
Colson Whitehead, que emplacasse um excelente contrato para
seu próximo livro.
"A Intuicionista" conquistou
ainda boas críticas dos dois lados
do Atlântico e um Prêmio Pulitzer
de melhor estréia. Tudo somado,
Whitehead, que até então escrevia
resenhas sobre televisão para o
"Village Voice", não tem do que
reclamar. O autor vai de Nova
York para o mundo.
O que deixou a crítica entusiasmada, de par com a qualidade estilística do autor, foi sua capacidade de juntar gêneros literários distintos, como o romance policial, o
realismo de crítica social e o que
poderíamos chamar de ficção paracientífica.
O romance se passa numa metrópole americana não nomeada,
talvez Nova York, numa época
muito parecida com os anos 50 e
início dos 60. A atmosfera é toda
noir, com suas ruas escuras e desertas, os dry martínis servidos
em bares esfumaçados, a contaminação entre o submundo e as
altas esferas do governo.
Nesse tópos conhecido, Whitehead imagina um contraponto
original: os elevadores, ou transporte vertical, como são chamados na história, adquirem proeminência social. A ciência dos elevadores é estudada nas universidades, bibliotecas são dedicadas
ao tema, revistas setoriais alcançam grande penetração, contratos de manutenção são controlados pela Máfia e os inspetores de
elevadores ganham uma responsabilidade danada.
Que o diga Lila Mae Watson,
primeira mulher negra a romper
o feudo machista e preconceituoso do Departamento de Inspeção
de Elevadores. Lila é uma intuicionista, ou seja, sente o que pode
estar errado num elevador, ao
contrário dos empiricistas, que
examinam o aparelho, peça a peça. A minoria revolucionária dos
intuicionistas está em guerra com
os empiricistas na corrida pela
presidência da corporação.
Nesse momento delicado, um
dos elevadores inspecionados por
Lila despenca em queda livre. Seria sabotagem dos empiricistas,
dispostos a arruinar as chances do
candidato intuicionista?
Para limpar o seu nome, Lila decide investigar. Descobre que não
pode confiar em ninguém, nem
mesmo naqueles que são os aliados. E que ela mesma pode ser a
chave para a decifração do enigma, que envolve o fundador da
escola intuicionista.
Um outro tipo de transporte, a
partir do qual também podemos
conceber uma inquietante distorção da realidade, inspirou ao escritor argentino Julio Cortázar escrever "Texto em uma Caderneta". Nesse excelente e misterioso
conto, Cortázar cria uma Buenos
Aires subterrânea, vivendo em túneis abertos para a construção do
metrô.
O que há de concisão e terror
em Cortázar, entretanto, some
em Whitehead. O americano estica a situação até esmorecê-la,
constrói personagens inúteis e se
perde em lugares-comuns. Mesmo o componente de denúncia,
ligado ao fato de Lila ser negra e
mulher e, portanto, duplamente
massacrada num mundo branco
e patriarcal, perde a força.
Ou seja, a fantasia idealizada em
"A Intuicionista" não comporta a
profundidade alcançada por um
James Baldwin ou uma Toni Morrison, por exemplo.
A impressão que se tem é que
Whitehead quis inserir coisas demais. Henry James, também acusado de produzir histórias muito
longas, extrapolava os limites
porque o assunto, aliado ao tratamento dramático que o desenredava, assim o exigia.
Whitehead tinha um assunto
pequeno, mesmo quando desenvolvido. Somá-lo a outros não é
solução. É problema.
A Intuicionista
Autor: Colson Whitehead
Tradutor: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: 29,50 (312 págs.)
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