São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2001

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"A INTUICIONISTA"

Whitehead se perde em lugares-comuns

MARCELO PEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Publicado nos EUA no ano de 1999, o romance "A Intuicionista" já anda nos planos de Jonathan Demme, o diretor de "O Silêncio dos Inocentes", que o está adaptando para o cinema. Além disso, possibilitou a seu autor, o jornalista afro-americano Colson Whitehead, que emplacasse um excelente contrato para seu próximo livro.
"A Intuicionista" conquistou ainda boas críticas dos dois lados do Atlântico e um Prêmio Pulitzer de melhor estréia. Tudo somado, Whitehead, que até então escrevia resenhas sobre televisão para o "Village Voice", não tem do que reclamar. O autor vai de Nova York para o mundo.
O que deixou a crítica entusiasmada, de par com a qualidade estilística do autor, foi sua capacidade de juntar gêneros literários distintos, como o romance policial, o realismo de crítica social e o que poderíamos chamar de ficção paracientífica.
O romance se passa numa metrópole americana não nomeada, talvez Nova York, numa época muito parecida com os anos 50 e início dos 60. A atmosfera é toda noir, com suas ruas escuras e desertas, os dry martínis servidos em bares esfumaçados, a contaminação entre o submundo e as altas esferas do governo.
Nesse tópos conhecido, Whitehead imagina um contraponto original: os elevadores, ou transporte vertical, como são chamados na história, adquirem proeminência social. A ciência dos elevadores é estudada nas universidades, bibliotecas são dedicadas ao tema, revistas setoriais alcançam grande penetração, contratos de manutenção são controlados pela Máfia e os inspetores de elevadores ganham uma responsabilidade danada.
Que o diga Lila Mae Watson, primeira mulher negra a romper o feudo machista e preconceituoso do Departamento de Inspeção de Elevadores. Lila é uma intuicionista, ou seja, sente o que pode estar errado num elevador, ao contrário dos empiricistas, que examinam o aparelho, peça a peça. A minoria revolucionária dos intuicionistas está em guerra com os empiricistas na corrida pela presidência da corporação.
Nesse momento delicado, um dos elevadores inspecionados por Lila despenca em queda livre. Seria sabotagem dos empiricistas, dispostos a arruinar as chances do candidato intuicionista?
Para limpar o seu nome, Lila decide investigar. Descobre que não pode confiar em ninguém, nem mesmo naqueles que são os aliados. E que ela mesma pode ser a chave para a decifração do enigma, que envolve o fundador da escola intuicionista.
Um outro tipo de transporte, a partir do qual também podemos conceber uma inquietante distorção da realidade, inspirou ao escritor argentino Julio Cortázar escrever "Texto em uma Caderneta". Nesse excelente e misterioso conto, Cortázar cria uma Buenos Aires subterrânea, vivendo em túneis abertos para a construção do metrô.
O que há de concisão e terror em Cortázar, entretanto, some em Whitehead. O americano estica a situação até esmorecê-la, constrói personagens inúteis e se perde em lugares-comuns. Mesmo o componente de denúncia, ligado ao fato de Lila ser negra e mulher e, portanto, duplamente massacrada num mundo branco e patriarcal, perde a força.
Ou seja, a fantasia idealizada em "A Intuicionista" não comporta a profundidade alcançada por um James Baldwin ou uma Toni Morrison, por exemplo.
A impressão que se tem é que Whitehead quis inserir coisas demais. Henry James, também acusado de produzir histórias muito longas, extrapolava os limites porque o assunto, aliado ao tratamento dramático que o desenredava, assim o exigia.
Whitehead tinha um assunto pequeno, mesmo quando desenvolvido. Somá-lo a outros não é solução. É problema.


A Intuicionista
  
Autor: Colson Whitehead
Tradutor: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras Quanto: 29,50 (312 págs.)



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