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Carlos Ginzburg
Chega ao Brasil "Olhos de Madeira", coletânea de nove
textos em que o historiador italiano analisa a distância
FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Do outro lado da linha telefônica, em Bolonha, o professor italiano pergunta se a jornalista brasileira chegou a ver seu livro. Ela
responde que sim, viu e leu.
A própria situação da entrevista
concedida por Carlo Ginzburg,
62, à Folha serve como introdução ao assunto que ela debateria: a
questão da distância, conforme
abordada no livro "Olhos de Madeira", escrito pelo historiador
em 1998 e que chega, na semana
que vem, às livrarias brasileiras.
O volume compõe-se de nove
ensaios, escritos entre 91 e 98 e
unidos pelo "fio condutor", como
diz Ginzburg, da indagação sobre
a distância, sob vários aspectos.
"Distância aqui se entende seja
no sentido literal como no metafórico. Examino as ambiguidades
da distância: existe uma distância
"boa" e uma distância "má", se quiser. Uma distância que implica
distanciamento crítico e que, na
minha opinião, é uma distância
positiva, e aquela que se traduz
em desumanização."
Se como estrutura é bastante diferente de títulos como "O Queijo
e os Vermes" -que tornaram
Ginzburg um dos difusores mais
populares da chamada Nova História-, em termos de metodologia ficam claros os procedimentos
desta linha de pensamento.
A Nova História busca ferramentas em outras ciências humanas, como antropologia e psicanálise, e prefere, em lugar de estudar feitos heróicos consagrados,
se debruçar sobre situações da vida comum, para analisar o contexto em que se inserem.
É o que faz Ginzburg, servindo-se de fontes provenientes em épocas e locais diferentes, na literatura, psicanálise, filosofia.
"Aceito o rótulo de Nova História com restrições", diz Ginzburg.
"Certamente, fui influenciado pelos estudiosos franceses da revista
"Annales", sobretudo Marc Bloch.
Bloch tinha essa tendência, e eu
peguei muito isso, de olhar os
eventos em uma perspectiva temporal muito longa."
Longa mesmo. Ele pode, no
mesmo texto, percorrer o trajeto
que separa o pensamento do grego Aristóteles das idéias do iluminista Diderot, usando como guia
a tese de que a distância física relativiza valores morais, o que faz em
"Matar um Mandarim Chinês".
Ginzburg ressalta, porém, que o
exercício de construção que faz
com citações de origens tão distintas não deve ser compreendido
como uma estratégia para comprovar determinadas idéias.
"Essas citações não são simplesmente como tijolos numa parede.
O problema é analisá-las em relação ao contexto do discurso, ler
nas entrelinhas, não é verdade?
Não se trata de usar citações para
demonstrar uma tese. Mas existe,
sim, um trabalho de construção,
que é um dos prazeres da escrita."
Em todos os ensaios, a questão
da relatividade dos conceitos se
impõe: algo não é bom ou ruim,
falso ou verdadeiro em si. Esta espécie de leitmotiv remete mais especificamente, porém, ao sétimo
ensaio do livro (veja quadro ao lado), sobre a perspectiva.
"Tive a impressão, a um certo
ponto, de que havia refletido por
um bom tempo sobre o tema. Então escrevi o prefácio, que articula
os textos. O que me fez perceber
que o fio condutor era a distância
foi o ensaio sobre a perspectiva.
Compreendi que havia construído um livro sem me dar conta."
No ensaio citado, ele discorre
sobre a possibilidade de chegar,
partindo de pontos de vista diversos, à concordância sobre uma
verdade absoluta.
"Sublinho, polemicamente, que
a verdade existe, mas que essa noção de verdade é compatível com
uma noção perspectiva."
"Qualquer um que estude a história vê que existem vários pontos
de vista em conflito em uma sociedade qualquer, isso é evidente.
Alguém poderia dizer que "vence
o mais forte", ou "não existe a verdade". Eu não acredito nisso. Nossa atitude frente aos confrontos
do mundo está ligada ao fato de
sermos homens ou mulheres, italianos ou brasileiros. São elementos presentes, mas acho que não
nos podemos encerrar em nossas
particularidades."
Apesar de unidos por este conceito expandido de distância, os
ensaios miram objetos tão diversos como literatura, idolatria e a
relação entre judeus e cristãos.
"Gostaria que o livro atingisse
curiosos, e não pessoas da área.
Não consigo imaginar uma comunidade circunscrita, já que os
temas são tão heterogêneos. Digo
sempre que meu objetivo não é
ser lido, mas relido. Exatamente
porque não são escritos fáceis."
E finaliza ensinando que o instrumento para esse repensar é
justamente a distância crítica:
"Ela tem a ver com não reagir de
maneira literal às coisas".
OLHOS DE MADEIRA - NOVE
REFLEXÕES SOBRE A DISTÂNCIA -
("Occhiacci di Legno", Itália, 1998). De:
Carlo Ginzburg. Companhia das Letras
(tel. 0/xx/11/3846-0801, www.companhiadasletras.com.br). Tradução:
Eduardo Brandão. 320 págs. R$ 28.
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