São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2007

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Livros - Crítica/narrativa

Trip hilária de "Medo e Delírio" evoca pesadelo americano

Clássico do escritor norte-americano Hunter S. Thompson foi escrito em 1971

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Medo e Delírio em Las Vegas", de Hunter S. Thompson, retrata com perfeição o canto de cisne de uma era que não existe mais, ao menos no Ocidente, em que as drogas foram usadas com fins outros, filosóficos, místicos e estéticos, quando não existenciais. O auge foram os anos 60, que culminaram em intensa ressaca e de onde surgiu o mero entorpecimento dos sentidos em massa potencializado pelo narcotráfico e pela indústria farmacêutica dos dias de hoje.
Escrito em 1971, ano que marca o início do fim, "Medo e Delírio" foi originalmente publicado pela revista "Rolling Stone", que encomendou ao pai do "jornalismo gonzo" (filhote do "new journalism", notório por abusar do coloquialismo e retratar mais os meandros mentais de seus autores alucinados do que o objeto da reportagem) a cobertura da Mint 400, uma corrida "off-road" de motos e buggies no meio do deserto de Nevada. Usando o pseudônimo Raoul Duke e acompanhando o enlouquecido advogado samoano dr. Gonzo, ao volante do conversível batizado de Grande Tubarão Vermelho, Thompson atravessa o deserto rumo a Las Vegas e à alucinação completa.
Como bagagem eles levam "dois sacos de maconha, 75 bolinhas de mescalina, cinco folhas de ácido de alta concentração, um saleiro cheio até a metade com cocaína e mais uma galáxia inteira de pílulas multicoloridas, estimulantes, tranqüilizantes, berrantes, gargalhantes, além de um litro de tequila, outro de rum, uma caixa de Budweiser, meio litro de éter puro e duas dúzias de amilas". Desnecessário dizer que não conseguem chegar perto da corrida, terminando por se perderem em meio às alucinações e à beira de uma overdose.

Convenção de policiais
Para completar os dois são incumbidos de nova missão: cobrir uma convenção de promotores e policiais sobre combate às drogas num hotel elegante. Pronto: o circo dos horrores está armado. A partir desse contraste surgem as observações mais agudas de Thompson sobre a hipocrisia da sociedade e a derrocada das expectativas surgidas na década de 60.
A hipérbole e o exagero são as armas usadas por Thompson para essa jornada selvagem ao coração do sonho americano. É claro que mesmo que Duke e dr. Gonzo efetivamente encontrassem o tal "sonho" é provável que não o reconhecessem, tamanha sua chapação. Uma trip hilária regada com paranóia transbordante, "Medo e Delírio" desreveste o olhar mistificador até então utilizado pela literatura para registrar o usuário de drogas, antecipando o anticlímax da década das drogas químicas que se seguiria.
Lido quase sempre de maneira equivocada, porém, o clássico de Thompson não enaltece o drogado, evitando lhe atribuir heroísmo romântico. Ao contrário, seus junkies são patetas cômicos imersos no mais negro pesadelo americano.


JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra)

MEDO E DELÍRIO EM LAS VEGAS
Autor:
Hunter S. Thompson
Tradução: Daniel Pellizzari
Editora: Conrad
Quanto: R$ 45 (216 págs.)
Avaliação: ótimo


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