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Livros - Crítica/narrativa
Trip hilária de "Medo e Delírio" evoca pesadelo americano
Clássico do escritor norte-americano Hunter S. Thompson foi escrito em 1971
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Medo e Delírio em
Las Vegas", de
Hunter S. Thompson, retrata com perfeição o canto de cisne de uma era
que não existe mais, ao menos
no Ocidente, em que as drogas
foram usadas com fins outros,
filosóficos, místicos e estéticos,
quando não existenciais. O auge foram os anos 60, que culminaram em intensa ressaca e de
onde surgiu o mero entorpecimento dos sentidos em massa
potencializado pelo narcotráfico e pela indústria farmacêutica dos dias de hoje.
Escrito em 1971, ano que
marca o início do fim, "Medo e
Delírio" foi originalmente publicado pela revista "Rolling
Stone", que encomendou ao pai
do "jornalismo gonzo" (filhote
do "new journalism", notório
por abusar do coloquialismo e
retratar mais os meandros
mentais de seus autores alucinados do que o objeto da reportagem) a cobertura da Mint
400, uma corrida "off-road" de
motos e buggies no meio do deserto de Nevada. Usando o
pseudônimo Raoul Duke e
acompanhando o enlouquecido advogado samoano dr. Gonzo, ao volante do conversível
batizado de Grande Tubarão
Vermelho, Thompson atravessa o deserto rumo a Las Vegas e
à alucinação completa.
Como bagagem eles levam
"dois sacos de maconha, 75 bolinhas de mescalina, cinco folhas de ácido de alta concentração, um saleiro cheio até a metade com cocaína e mais uma
galáxia inteira de pílulas multicoloridas, estimulantes, tranqüilizantes, berrantes, gargalhantes, além de um litro de tequila, outro de rum, uma caixa
de Budweiser, meio litro de
éter puro e duas dúzias de amilas". Desnecessário dizer que
não conseguem chegar perto da
corrida, terminando por se perderem em meio às alucinações
e à beira de uma overdose.
Convenção de policiais
Para completar os dois são
incumbidos de nova missão:
cobrir uma convenção de promotores e policiais sobre combate às drogas num hotel elegante. Pronto: o circo dos horrores está armado. A partir desse contraste surgem as observações mais agudas de Thompson sobre a hipocrisia da sociedade e a derrocada das expectativas surgidas na década de 60.
A hipérbole e o exagero são as
armas usadas por Thompson
para essa jornada selvagem ao
coração do sonho americano. É
claro que mesmo que Duke e
dr. Gonzo efetivamente encontrassem o tal "sonho" é provável que não o reconhecessem,
tamanha sua chapação. Uma
trip hilária regada com paranóia transbordante, "Medo e
Delírio" desreveste o olhar mistificador até então utilizado pela literatura para registrar o
usuário de drogas, antecipando
o anticlímax da década das drogas químicas que se seguiria.
Lido quase sempre de maneira
equivocada, porém, o clássico
de Thompson não enaltece o
drogado, evitando lhe atribuir
heroísmo romântico. Ao contrário, seus junkies são patetas
cômicos imersos no mais negro
pesadelo americano.
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de
"Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da
Palavra)
MEDO E DELÍRIO EM LAS VEGAS
Autor: Hunter S. Thompson
Tradução: Daniel Pellizzari
Editora: Conrad
Quanto: R$ 45 (216 págs.)
Avaliação: ótimo
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