São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2007

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Jornalista narra vinda do autor ao Rio, em 1962

CARLOS MINUANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma carta alucinada encaminhada de Lima, capital peruana, para o jornal "Brazil Herald", dirigido à comunidade americana no Rio, chamou a atenção de Bill Willianson, então editor e dono do diário. O autor era Hunter S. Thompson.
Em sua viagem pela América do Sul, a escrita visceral já borbulhava e escancarou-se na forma empregada para pleitear uma vaga no jornal: "Estou no limite da insanidade. Enfraquecido pela disenteria, atacado por moscas e vermes, sem correio, dinheiro ou sexo. Perseguido por ladrões, mendigos, cafetões, fascistas, agiotas, loucos e bestas humanas de toda espécie". O estilo maluco emplacou e o jovem repórter, de 25 anos, foi contratado.
Após a venda do "Brazil Herald", em 1981, Willianson voltou aos EUA. De sua residência na Flórida, por telefone, falou à Folha sobre o tempo em que partilhou a redação e algumas cervejas com a figura que mais tarde seria também conhecida como dr. Gonzo, em 1962.  

FOLHA - O que teria trazido Hunter Thompson ao Brasil e como ocorreu seu encontro com ele?
BILL WILLIANSON
- Penso que viajou pela América do Sul em busca de aventura. Também tinha um amigo jornalista que morava no Rio, o Bob Bone, mais conhecido como "Bobão". Hunter chegou ao Rio em meados de 1962 e instalou-se num apartamento em Copacabana.
Antes, trocamos algumas cartas. Com freqüência jornalistas americanos nos procuravam solicitando emprego no Brasil.
Disse a ele que o jornal era modesto, que o país tinha certas restrições para o trabalho de estrangeiros, mas, se viesse, poderíamos aproveitá-lo. Hunter passou por Porto Rico, Aruba, Colômbia e Peru, de onde veio para o Brasil. Percebi, desde a nossa correspondência, que tinha talento. Em abril de 1963 ele voltou para os EUA.

FOLHA - Pode descrever um pouco o Thompson daqueles anos?
WILLIANSON
- Ele não era tão alucinado quanto parecia nas cartas que me enviou. Seu bom humor era contagiante, mas já possuía também um ego grande. Acreditava entender mais de Brasil e América Latina do que todos os outros correspondentes juntos. De fato, entendia bem mesmo, especialmente considerando o pouco tempo que passou nos países latino-americanos. Certamente aprendeu muito pela maneira como viveu em sua viagem até o Rio, com pouco dinheiro, morando em lugares baratos, misturando-se ao povão.

FOLHA - A temperatura política daqueles anos criou algum obstáculo para a cobertura que faziam?
WILLIANSON
- O ambiente andava quente, tivemos alguns problemas. Por exemplo, com uma coluna meio humorística e irônica baseada em notícias publicadas em outros jornais. Os leitores entendiam, mas as autoridades nem sempre. Uma vez fui intimado a comparecer ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Tínhamos dificuldades de acesso a fontes oficiais, não podíamos ser sindicalizados. Hunter chegou a publicar boas reportagens sobre esse período, não apenas para o "Brazil Herald", mas para outras publicações, como o "National Observer".

FOLHA - Thompson se envolveu em alguma confusão por aqui?
WILLIANSON
- Teve um episódio divertido. Viajei para o Chile no final de outubro de 1962, e deixei o Hunter encarregado das matérias locais. Ele foi a um almoço na Câmara Americana de Comércio cobrir uma palestra de um político conhecido nos EUA, o senador Herman Talmadge. Mas em seu artigo fez comentários sobre o que o senador falou, de modo irreverente. Segundo seu texto, Talmadge teria dito que havia uma grande transformação em curso. Se as pessoas mudassem mais rápido do que os governos, isso só beneficiaria Moscou. Hunter comentou: "Ninguém entendeu nada, mas deu pra perceber que o tom era sinistro". No íntimo gostei, mas muita gente poderosa considerou a reportagem um insulto.


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