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Jornalista narra vinda do autor ao Rio, em 1962
CARLOS MINUANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Uma carta alucinada encaminhada de Lima, capital peruana, para o jornal "Brazil Herald", dirigido à comunidade americana no Rio, chamou a
atenção de Bill Willianson, então editor e dono do diário. O
autor era Hunter S. Thompson.
Em sua viagem pela América
do Sul, a escrita visceral já borbulhava e escancarou-se na forma empregada para pleitear
uma vaga no jornal: "Estou no
limite da insanidade. Enfraquecido pela disenteria, atacado por moscas e vermes, sem
correio, dinheiro ou sexo. Perseguido por ladrões, mendigos,
cafetões, fascistas, agiotas, loucos e bestas humanas de toda
espécie". O estilo maluco emplacou e o jovem repórter, de
25 anos, foi contratado.
Após a venda do "Brazil Herald", em 1981, Willianson voltou aos EUA. De sua residência
na Flórida, por telefone, falou à
Folha sobre o tempo em que
partilhou a redação e algumas
cervejas com a figura que mais
tarde seria também conhecida
como dr. Gonzo, em 1962.
FOLHA - O que teria trazido Hunter
Thompson ao Brasil e como ocorreu
seu encontro com ele?
BILL WILLIANSON - Penso que viajou pela América do Sul em
busca de aventura. Também tinha um amigo jornalista que
morava no Rio, o Bob Bone,
mais conhecido como "Bobão".
Hunter chegou ao Rio em meados de 1962 e instalou-se num
apartamento em Copacabana.
Antes, trocamos algumas cartas. Com freqüência jornalistas
americanos nos procuravam
solicitando emprego no Brasil.
Disse a ele que o jornal era modesto, que o país tinha certas
restrições para o trabalho de
estrangeiros, mas, se viesse, poderíamos aproveitá-lo. Hunter
passou por Porto Rico, Aruba,
Colômbia e Peru, de onde veio
para o Brasil. Percebi, desde a
nossa correspondência, que tinha talento. Em abril de 1963
ele voltou para os EUA.
FOLHA - Pode descrever um pouco
o Thompson daqueles anos?
WILLIANSON - Ele não era tão
alucinado quanto parecia nas
cartas que me enviou. Seu bom
humor era contagiante, mas já
possuía também um ego grande. Acreditava entender mais
de Brasil e América Latina do
que todos os outros correspondentes juntos. De fato, entendia bem mesmo, especialmente
considerando o pouco tempo
que passou nos países latino-americanos. Certamente
aprendeu muito pela maneira
como viveu em sua viagem até o
Rio, com pouco dinheiro, morando em lugares baratos, misturando-se ao povão.
FOLHA - A temperatura política daqueles anos criou algum obstáculo
para a cobertura que faziam?
WILLIANSON - O ambiente andava quente, tivemos alguns problemas. Por exemplo, com uma
coluna meio humorística e irônica baseada em notícias publicadas em outros jornais. Os leitores entendiam, mas as autoridades nem sempre. Uma vez
fui intimado a comparecer ao
Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Tínhamos dificuldades de acesso a
fontes oficiais, não podíamos
ser sindicalizados. Hunter chegou a publicar boas reportagens sobre esse período, não
apenas para o "Brazil Herald",
mas para outras publicações,
como o "National Observer".
FOLHA - Thompson se envolveu
em alguma confusão por aqui?
WILLIANSON - Teve um episódio
divertido. Viajei para o Chile no
final de outubro de 1962, e deixei o Hunter encarregado das
matérias locais. Ele foi a um almoço na Câmara Americana de
Comércio cobrir uma palestra
de um político conhecido nos
EUA, o senador Herman Talmadge. Mas em seu artigo fez
comentários sobre o que o senador falou, de modo irreverente. Segundo seu texto, Talmadge teria dito que havia uma grande transformação em curso. Se as pessoas mudassem
mais rápido do que os governos, isso só beneficiaria Moscou. Hunter comentou: "Ninguém entendeu nada, mas deu pra perceber que o tom era sinistro". No íntimo gostei, mas
muita gente poderosa considerou a reportagem um insulto.
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