São Paulo, Quarta-feira, 18 de Agosto de 1999
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DISCO/CRÍTICA
CD recupera mestre da música popular brasileira não sutil

da Reportagem Local


Jair Rodrigues é representante dileto de uma geração do meio na música popular brasileira, incrustada entre os adventos épicos da bossa nova e da tropicália. Daí são resultantes, como ele, Elis Regina, Wilson Simonal, Jorge Ben, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, todos catapultados entre 1962 e 1964, antes até da canção de protesto que derivou da bossa após o golpe militar.
Cada um à sua maneira, eram todos artistas em conflito, nascidos aprendizes da antiga canção brasileira, mas tomados em seus primeiros passos artísticos pela convulsão geral promovida pela bossa.
Em comum, tinham entre eles o fato de não serem sutis. Lidavam com o grosseiro e com o delicado -com a música mais popular e com o intimismo introduzido pela bossa-, e se faziam híbridos de um com o outro.
Deles, os menos sutis eram, naqueles primeiros anos 60, Jair, Elis e Simonal. Dos três, talvez fosse Jair, sambista afeito a orquestras, o menos sutil -também o mais espontâneo, extrovertido, alegre, e o menos pretensioso.
Bem, respeitada essa característica de Jair, "500 Anos de Folia" é justiça tardia ao talvez maior cantor brasileiro não sutil vivo.
Não é de estranhar que aconteça na Trama, gravadora que, pelas mãos do filho de Elis e de Ronaldo Bôscoli, congrega em seu elenco os herdeiros de Elis, os de Simonal e os de Jair, numa atualização da afinidade passada entre os pais -o perigo é que vire seita, mas não é o tom que a Trama vem se dando até aqui.
Jair reaparece, agora, como patriarca dessa estirpe algo marginalizada pelo tropicalismo. O repertório de "500 Anos de Folia" impressiona justamente quando se entrega ao que de mais épico houve no sambalanço e na bossa ríspida de Jair e de Elis.
É o que acontece no medley de "Triste Madrugada" (de Jorge Costa), "A Minha Madrugada" (Jair-Carlos Odilon-Estáquio Sena) e "Tristeza" (Haroldo Lobo-Niltinho), no "Berimbau" de Baden Powell e Vinicius de Moraes, na "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas" de Carlos Lyra e Vinicius e, sobretudo, no épico sertanejo "Disparada", de Geraldo Vandré e Théo de Barros.
Essa última volta a aclimatar o ar grandiloquente dos primeiros festivais de MPB, e ganha com a anexação de "Ponteio" (Edu Lobo-Capinan), que à época foi defendida por Edu Lobo e Marília Medalha, mas que a um tempo evoca Nara, Edu, Elis, Marília, Jair e toda uma vertente depois tornada minoritária na MPB.
Pela mesma razão, fazem falta "O Morro Não Tem Vez" e "Feio Não É Bonito", que marcaram as carreiras, respectivamente, de Elis Regina e de Nara Leão, mas que antes haviam sido gravadas por Jair, em seu LP de estréia, em 63.
Enfim, o que não falta (é evidente) é o tema-síntese de Jair, "Deixa Isso pra Lá" (Alberto Paz-Edson Menezes), o tal que agora todo mundo chama de "primeiro rap".
Modernizando o samba que era rap que era samba, unem-se a Jair os Artistas Reunidos -ou seja, um de seus filhos (Jairzinho, que comparece também como autor do samba "Morena Paulista", uma das duas inéditas do CD), dois de Simonal e um de Elis- e três grupos contemporâneos de rap, Criminal D e Gangue de Rua, Camorra e Potencial 3 (todo mundo do elenco da Trama).
Fica bacana a espanada estilística, mas, como nem é de esperar, não chega a fazer jus ao sambalanço que inscreveu Jair na história da MPB. E não se poderá compará-la com a original, pois a Universal (ex-Philips) não quer saber do catálogo de Jair Rodrigues (nem de quase ninguém). A jovem Trama, por amor à MPB ou às famílias, vai cumprindo seu belo papel. (PAS)


Avaliação:   


Disco: 500 Anos de Folia Artista: Jair Rodrigues Lançamento: Trama Quanto: R$ 18, em média

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