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DISCO/CRÍTICA
CD recupera mestre da música popular brasileira não sutil
da Reportagem Local
Jair Rodrigues
é representante
dileto de uma
geração do
meio na música
popular brasileira, incrustada entre os adventos
épicos da bossa nova e da tropicália. Daí são resultantes, como ele,
Elis Regina, Wilson Simonal, Jorge Ben, Roberto Carlos, Erasmo
Carlos, todos catapultados entre
1962 e 1964, antes até da canção de
protesto que derivou da bossa
após o golpe militar.
Cada um à sua maneira, eram
todos artistas em conflito, nascidos aprendizes da antiga canção
brasileira, mas tomados em seus
primeiros passos artísticos pela
convulsão geral promovida pela
bossa.
Em comum, tinham entre eles o
fato de não serem sutis. Lidavam
com o grosseiro e com o delicado
-com a música mais popular e
com o intimismo introduzido pela bossa-, e se faziam híbridos de
um com o outro.
Deles, os menos sutis eram, naqueles primeiros anos 60, Jair, Elis
e Simonal. Dos três, talvez fosse
Jair, sambista afeito a orquestras,
o menos sutil -também o mais
espontâneo, extrovertido, alegre,
e o menos pretensioso.
Bem, respeitada essa característica de Jair, "500 Anos de Folia" é
justiça tardia ao talvez maior cantor brasileiro não sutil vivo.
Não é de estranhar que aconteça
na Trama, gravadora que, pelas
mãos do filho de Elis e de Ronaldo
Bôscoli, congrega em seu elenco
os herdeiros de Elis, os de Simonal e os de Jair, numa atualização
da afinidade passada entre os pais
-o perigo é que vire seita, mas
não é o tom que a Trama vem se
dando até aqui.
Jair reaparece, agora, como patriarca dessa estirpe algo marginalizada pelo tropicalismo. O repertório de "500 Anos de Folia"
impressiona justamente quando
se entrega ao que de mais épico
houve no sambalanço e na bossa
ríspida de Jair e de Elis.
É o que acontece no medley de
"Triste Madrugada" (de Jorge
Costa), "A Minha Madrugada"
(Jair-Carlos Odilon-Estáquio Sena) e "Tristeza" (Haroldo Lobo-Niltinho), no "Berimbau" de Baden Powell e Vinicius de Moraes,
na "Marcha da Quarta-Feira de
Cinzas" de Carlos Lyra e Vinicius
e, sobretudo, no épico sertanejo
"Disparada", de Geraldo Vandré
e Théo de Barros.
Essa última volta a aclimatar o
ar grandiloquente dos primeiros
festivais de MPB, e ganha com a
anexação de "Ponteio" (Edu Lobo-Capinan), que à época foi defendida por Edu Lobo e Marília
Medalha, mas que a um tempo
evoca Nara, Edu, Elis, Marília, Jair
e toda uma vertente depois tornada minoritária na MPB.
Pela mesma razão, fazem falta
"O Morro Não Tem Vez" e "Feio
Não É Bonito", que marcaram as
carreiras, respectivamente, de Elis
Regina e de Nara Leão, mas que
antes haviam sido gravadas por
Jair, em seu LP de estréia, em 63.
Enfim, o que não falta (é evidente) é o tema-síntese de Jair, "Deixa
Isso pra Lá" (Alberto Paz-Edson
Menezes), o tal que agora todo
mundo chama de "primeiro rap".
Modernizando o samba que era
rap que era samba, unem-se a Jair
os Artistas Reunidos -ou seja,
um de seus filhos (Jairzinho, que
comparece também como autor
do samba "Morena Paulista",
uma das duas inéditas do CD),
dois de Simonal e um de Elis- e
três grupos contemporâneos de
rap, Criminal D e Gangue de Rua,
Camorra e Potencial 3 (todo
mundo do elenco da Trama).
Fica bacana a espanada estilística, mas, como nem é de esperar,
não chega a fazer jus ao sambalanço que inscreveu Jair na história da MPB. E não se poderá compará-la com a original, pois a Universal (ex-Philips) não quer saber
do catálogo de Jair Rodrigues
(nem de quase ninguém). A jovem Trama, por amor à MPB ou
às famílias, vai cumprindo seu belo papel.
(PAS)
Avaliação:
Disco: 500 Anos de Folia
Artista: Jair Rodrigues
Lançamento: Trama
Quanto: R$ 18, em média
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