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"LUCIA DI LAMMERMOOR"
Para a soprano June Anderson, trauma romântico da personagem comove homens e mulheres
Cantora atingiu fama com papéis italianos
Divulgação
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Cena da montagem de "Lucia de Lammermmoor", que estréia esta noite no Teatro Municipal de São Paulo, com cenários e figurinos vindos do Cólon, de Buenos Aires, e protagonizada por americanos |
DA REPORTAGEM LOCAL
June Anderson se apresenta pela terceira vez em São Paulo. Em
1996 fez uma récita como solista
com a Orquestra Sinfônica Municipal e, dois anos depois, repetiu a
dose em companhia do barítono
espanhol Juan Pons.
Mas é com "Lucia di Lammermoor" que a soprano nascida em
Boston se apresenta por aqui em
sua primeira montagem lírica.
Estreou em Nova York em 1978,
como a Rainha da Noite, em "A
Flauta Mágica", de Mozart, papel
no qual também apareceria, em
1984, no filme "Amadeus", sob a
direção de Milos Forman.
Caminhou em seguida para o
repertório romântico italiano,
consagrando-se como Rosina ("O
Barbeiro de Sevilha") e Amina
("A Sonâmbula"), antes de se tornar uma grande Lucia.
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha,
concedida por ocasião da estréia
paulistana da ópera de Donizetti.
(JOÃO BATISTA NATALI)
Folha - De quantas encenações de
"Lucia" a sra. já participou?
June Anderson - Já perdi a conta.
Esta é a ópera que provavelmente
eu cantei o maior número de vezes, bem mais que "La Traviata".
Já fui Lucia no mundo inteiro, sobretudo em boa parte dos teatros
norte-americanos e europeus...
Folha - Eram produções mais tradicionais, como a que está sendo
montada em São Paulo?
Anderson - Muitas delas tinham
uma concepção bem diferente,
com a ação se desenrolando fora
da Escócia, num período contemporâneo. Ou então com montagens abstratas, que deixam a Lucia solta no tempo e no espaço...
Folha - Qual é o tipo de concepção
que a deixa mais segura?
Anderson - Muitas das montagens de que participei acabaram
por diluir o drama em que Lucia
está envolvida por tenderem a um
excesso de experimentalismo. De
um certo modo, a visão mais tradicional me deixa mais segura.
Nela, ao menos, eu sei que estou
na Escócia do século 17.
Folha - O personagem de Lucia teria hoje o peso de um mito?
Anderson - Com certeza, em razão da quantidade de peças, livros
e filmes que foram feitos a respeito de sua tragédia pessoal.
Folha - Mas ela também não seria
mitológica por concentrar a história das mulheres que não conseguem vivenciar um grande amor
por força de pressões da família?
Anderson - Certamente. São mulheres que não precisam pertencer a clãs da nobreza escocesa para sentir os efeitos de uma situação semelhante. Prefiro, pessoalmente, cantar papéis com os
quais o público possa se identificar. E não é uma identificação exclusivamente feminina.
Folha - Como assim?
Anderson - Lucia é um personagem que fala fundo também ao
sentimento dos homens que, por
obstáculos armados por terceiros,
não puderam viver a fundo o
amor que sentiam. É algo que ultrapassa a ópera, o idioma e a música italianos. Lucia é mais ou menos como Romeu e Julieta. É uma
quintessência de nossos cotidianos.
Folha - O fato de o personagem
enlouquecer... A loucura é uma
probabilidade bem mais próxima
do que normalmente se acredita.
Anderson - Sem dúvida. A experiência traumática que Lucia vive
está nos sonhos de cada um de
nós, sem que sejamos necessariamente insanos.
Folha - A loucura poderia ser um
mero sonho sobre a loucura?
Anderson - Não acredito. Nunca
participei de uma encenação nessa linha. Mas sabemos todos que,
no início, Lucia é uma jovem mulher perfeitamente sã. Ela é também sensível, frágil, romântica. A
situação traumática que ela atravessa nos dois atos seguintes a
mergulham numa profunda crise.
Folha - Qual é a seu ver a melhor
gravação desta ópera?
Anderson - Sem dúvida é aquela
em que o papel é cantado por Maria Callas, sob a regência de Karajan. É uma gravação ao vivo, em
Berlim, de 1955.
Folha - Ao interpretar papéis do
primeiro romantismo italiano, que
compositor seria o seu preferido?
Anderson - Sem dúvida alguma,
Bellini. "Norma" é a grande ópera
daquele período.
Folha - Por que a sra. não interpreta mais Mozart?
Anderson - Eu o cantei no início
de minha carreira. Não que minha voz tenha mudado. Mas agora tenho autonomia para cantar
aquilo que me dá mais prazer. E
sinto em Mozart muito mais prazer quando se trata da música de
câmara ou sinfônica.
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