São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 2000

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"LUCIA DI LAMMERMOOR"
Para a soprano June Anderson, trauma romântico da personagem comove homens e mulheres
Cantora atingiu fama com papéis italianos

Divulgação
Cena da montagem de "Lucia de Lammermmoor", que estréia esta noite no Teatro Municipal de São Paulo, com cenários e figurinos vindos do Cólon, de Buenos Aires, e protagonizada por americanos


DA REPORTAGEM LOCAL

June Anderson se apresenta pela terceira vez em São Paulo. Em 1996 fez uma récita como solista com a Orquestra Sinfônica Municipal e, dois anos depois, repetiu a dose em companhia do barítono espanhol Juan Pons.
Mas é com "Lucia di Lammermoor" que a soprano nascida em Boston se apresenta por aqui em sua primeira montagem lírica.
Estreou em Nova York em 1978, como a Rainha da Noite, em "A Flauta Mágica", de Mozart, papel no qual também apareceria, em 1984, no filme "Amadeus", sob a direção de Milos Forman.
Caminhou em seguida para o repertório romântico italiano, consagrando-se como Rosina ("O Barbeiro de Sevilha") e Amina ("A Sonâmbula"), antes de se tornar uma grande Lucia.
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha, concedida por ocasião da estréia paulistana da ópera de Donizetti.
(JOÃO BATISTA NATALI)

Folha - De quantas encenações de "Lucia" a sra. já participou?
June Anderson -
Já perdi a conta. Esta é a ópera que provavelmente eu cantei o maior número de vezes, bem mais que "La Traviata". Já fui Lucia no mundo inteiro, sobretudo em boa parte dos teatros norte-americanos e europeus...

Folha - Eram produções mais tradicionais, como a que está sendo montada em São Paulo?
Anderson -
Muitas delas tinham uma concepção bem diferente, com a ação se desenrolando fora da Escócia, num período contemporâneo. Ou então com montagens abstratas, que deixam a Lucia solta no tempo e no espaço...

Folha - Qual é o tipo de concepção que a deixa mais segura?
Anderson -
Muitas das montagens de que participei acabaram por diluir o drama em que Lucia está envolvida por tenderem a um excesso de experimentalismo. De um certo modo, a visão mais tradicional me deixa mais segura. Nela, ao menos, eu sei que estou na Escócia do século 17.

Folha - O personagem de Lucia teria hoje o peso de um mito?
Anderson -
Com certeza, em razão da quantidade de peças, livros e filmes que foram feitos a respeito de sua tragédia pessoal.

Folha - Mas ela também não seria mitológica por concentrar a história das mulheres que não conseguem vivenciar um grande amor por força de pressões da família?
Anderson -
Certamente. São mulheres que não precisam pertencer a clãs da nobreza escocesa para sentir os efeitos de uma situação semelhante. Prefiro, pessoalmente, cantar papéis com os quais o público possa se identificar. E não é uma identificação exclusivamente feminina.

Folha - Como assim?
Anderson -
Lucia é um personagem que fala fundo também ao sentimento dos homens que, por obstáculos armados por terceiros, não puderam viver a fundo o amor que sentiam. É algo que ultrapassa a ópera, o idioma e a música italianos. Lucia é mais ou menos como Romeu e Julieta. É uma quintessência de nossos cotidianos.

Folha - O fato de o personagem enlouquecer... A loucura é uma probabilidade bem mais próxima do que normalmente se acredita.
Anderson -
Sem dúvida. A experiência traumática que Lucia vive está nos sonhos de cada um de nós, sem que sejamos necessariamente insanos.

Folha - A loucura poderia ser um mero sonho sobre a loucura?
Anderson -
Não acredito. Nunca participei de uma encenação nessa linha. Mas sabemos todos que, no início, Lucia é uma jovem mulher perfeitamente sã. Ela é também sensível, frágil, romântica. A situação traumática que ela atravessa nos dois atos seguintes a mergulham numa profunda crise.

Folha - Qual é a seu ver a melhor gravação desta ópera?
Anderson -
Sem dúvida é aquela em que o papel é cantado por Maria Callas, sob a regência de Karajan. É uma gravação ao vivo, em Berlim, de 1955.

Folha - Ao interpretar papéis do primeiro romantismo italiano, que compositor seria o seu preferido?
Anderson -
Sem dúvida alguma, Bellini. "Norma" é a grande ópera daquele período.

Folha - Por que a sra. não interpreta mais Mozart?
Anderson -
Eu o cantei no início de minha carreira. Não que minha voz tenha mudado. Mas agora tenho autonomia para cantar aquilo que me dá mais prazer. E sinto em Mozart muito mais prazer quando se trata da música de câmara ou sinfônica.


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