São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 2002

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Brésil por um triz


O escritor Jean-Christophe Rufin, ganhador do Goncourt, chega ao país para falar de um Brasil francês


MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O francês Jean-Christophe Rufin é um médico, um escritor e, o que fez dele uma notícia, um imenso sucesso. Seu premiado romance "Vermelho Brasil" já ultrapassou na Europa a marca de 500 mil exemplares vendidos, e nesta semana ele fala aos brasileiros sobre uma parte esquecida de nosso passado, responsável por torná-lo um best-seller.
Trata-se de história. Trata-se de aventura, e Rufin, um homem de 50 anos, sente, disse ele à Folha, por telefone, de Paris, na última segunda, uma imensa felicidade com "a possibilidade de que "Vermelho Brasil" (ed. Objetiva, 408 págs; R$ 44,90) possa, de alguma forma, ajudar em uma reaproximação entre o Brasil e a França".
Com essa expectativa, ele fala amanhã em São Paulo, na FNAC, para seguir no dia seguinte para Brasília, chegando ao Rio de Janeiro no dia 23. E o que ele conta, exatamente? Uma história, porque Rufin define a si mesmo como um "contador de histórias". Um contador de histórias vencedor do Goncourt em 2001, o maior prêmio literário francês.
"Na verdade", Rufin diz, "o mais importante da França. Estou há quase um ano vivendo apenas para a promoção do livro. Foram mais de meio milhão de exemplares vendidos, e isso, mesmo para o Goncourt, é algo raro."
Há então o êxito, as cópias compradas. Mas há ainda o cavalheiro francês Nicolas Durand de Villegagnon, que domina a narrativa do livro. É ele, enfim, o fantástico personagem escolhido pelo autor. Em 1555, Villegagnon procura as terras portuguesas. Chega com três navios e a missão de fundar no então novo território a França Antártica. Descobre o Rio de Janeiro, a baía de Guanabara, a ilha do Governador.
Descobre os índios e o canibalismo, e se encontra em meio a uma disputa religiosa entre protestantes e católicos franceses. Termina sendo expulso em 1560. Acaba o sonho de uma decisiva nova peça para um império.
"Ao menos na França, a história de Villegagnon, todo esse período brasileiro, é muito distante, quase desapareceu. Por meio desse livro, agora, imagino que esse momento na história dos dois países alcançou uma nova dimensão. Finalmente esse passado comum entre França e Brasil se aprofundou", diz Rufin.
Seu caso com o Brasil, na verdade, precede "Vermelho Brasil". Ele teve antes já um romance editado no mercado nacional: "O Abissínio" (ed. Record, 2000). Mais um de seus mergulhos na literatura de gênero, na tentativa de se aproximar do que considera uma linhagem pouco respeitada em seu país: a da literatura de "evasão" (e aqui retornam as palavras história e aventura), mas, ainda assim, de qualidade.
"Não é muito simples ou fácil lidar com essa questão. Trata-se de um gênero, e todo gênero é uma espécie de prisão", fala Rufin. "Os franceses amam o romance histórico, amam as biografias, toda essa literatura. Mas a passagem para a chamada "grande literatura" é algo muito difícil. Para ser direto, quando alguém publica um livro com um contexto histórico, imediatamente as pessoas dizem: "Trata-se de um romance histórico. Logo, não é literatura"."
O Goncourt, o prêmio responsável por sua projeção, não o ajudou a ter uma vida tranquila com os críticos. Mas, como explica, trata-se de mais uma particularidade francesa. Um possível "terrorismo de vanguarda".
"Na França, não tive nenhum favor da crítica que "lança modas". Eles não me apóiam, sobretudo porque cometi o pecado de ter vendido muitos livros", diz Rufin.
Isso o incomoda? "Essa situação não é algo que eu considere sério, porque acredito que a crítica representa apenas um pequeno grupo, e há uma outra França, que está viva e gosta do que faço. Mas o terrorismo de vanguarda é muito atuante entre nós."
Assim, Rufin se alia à tradição. "Penso que existe realmente uma tradição do romance de aventura. Não apenas histórico, mas de aventura. Os franceses parece que esqueceram que Alexandre Dumas, Balzac e Victor Hugo são ancestrais desse gênero."
Por essa razão, a predileção de Rufin por pensar a si mesmo como um "contador de histórias". Algo que curiosamente se aproxima da imagem do autor para a mídia. Ele, um médico vencedor do Nobel da Paz, por ter sido um dos fundadores da organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras, premiada em 1999; ele, um viajante -o que o levou a morar por um período no Brasil. Ele, quase um personagem.
"No mundo inteiro, não apenas na França, há aqueles que amam aquilo que os norte-americanos chamam de "contadores de história". Infelizmente, a crítica se debruça sobre livros intimistas, com certas proposições estéticas", diz.
"É verdade", continua, "que na França, como em toda parte, os contadores de história nunca estão na moda, não são nunca a tendência natural". Jean-Christophe Rufin mostra um pouco de incômodo com o assunto, se explica, se defende. Mas as listas de vendagens mostram não estar ele sozinho. Os leitores, definitivamente, adoram ainda contadores de história.


BATE-PAPO COM JEAN-CHRISTOPHE RUFIN - Amanhã, às 19h30. Onde: Fnac Pinheiros (av. Pedroso de Morais, 858, SP, tel. 0/xx/11/3097-0022 ). Quanto: entrada franca.



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