São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2010

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CRÍTICA CONTO

Ronaldo Correia de Brito testemunha Nordeste destroçado

Relatos agrupados em "Retratos Imorais" abordam com sarcasmo e sensibilidade a banalidade do homem


QUANDO OLHA O PRESENTE, SUA VOZ HESITA ENTRE A COMPAIXÃO E O DESCONSOLO, PRESTES A FAZER DA ESCRITA UMA MÁQUINA DE REDENÇÃO


ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA

O escritor Ronaldo Correia de Brito é o primeiro a reconhecer que as histórias de seu novo livro, "Retratos Imorais", "não se prendem a um modelo comum de narrativa que caracteriza o conto, podendo assumir o formato de ensaio, crônica, anedota e até mesmo perfil biográfico", como escreve no posfácio.
O livro traz 22 relatos, escritos em diferentes épocas (alguns de 40 anos atrás, segundo o autor) e agrupados em três partes: "Retratos Dispersos", "Retratos de Mães" e "Retratos de Homens".
Apesar da unidade forjada pela edição, há de fato uma tal variedade de vozes, de tons e de formas narrativas, que o conjunto pode deixar a impressão de que o escritor apenas varreu a gaveta de guardados, agrupando seus papéis numa antologia de ocasião, sem qualquer zelo.
É uma falsa impressão. E para tentar provar o que escrevo, procuro o que "Retratos Imorais" podem me dizer, no conjunto e nas partes, sobre o tempo em que vivo. Praticamente todas as histórias falam de um mundo que acabou: o Nordeste mítico da história e da cultura.
A força da literatura regionalista vinha da sua projeção visionária e utópica, que se esgotou. O Nordeste de Correia de Brito é um amontoado de destroços, na memória e na paisagem, na carne e na psique e na própria escrita.
O interesse desse livro está na sensibilidade do autor para testemunhar, em toda parte e por meio de diferentes dispositivos de narração, esse mundo destroçado. E identificar aí uma experiência que não é só local, mas universal, em que "explodiram valores e visões". "Imoral", aqui, não significa apenas o avesso da decência, mas diz respeito à nossa incapacidade de dotar a vida de sentido.
Quando mira as ruínas da infância no sertão, a escrita de Correia de Brito se impregna de certa solenidade melancólica, com ecos bíblicos -como se a literatura ainda pudesse, de alguma forma, consagrar a realidade.
Quando olha o presente, a tragédia social e o desespero, sua voz hesita entre a compaixão e o desconsolo, prestes a fazer da escrita uma máquina de redenção.

RIDICULARIAS
Mas o presente é feito sobretudo de ridicularias -amigas que duelam por um mesmo macho, homens que pintam as unhas com esmalte transparente, amantes que se engalfinham...
É justamente quando desiste de buscar a "solenidade na ruína", revelando uma veia quase satírica, que o autor de "Galileia" produz os melhores contos: retratos sem piedade deste mundo banal, que é não só o Nordeste, mas o de todos nós.


RETRATOS IMORAIS

AUTOR Ronaldo Correia de Brito
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 33,90 (184 págs.)
AVALIAÇÃO bom



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