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MOSTRA DE CINEMA "A HUMANIDADE"
Dumont filma homens como se fossem insetos
AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
A primeira qualidade de "A Humanidade", de Bruno Dumont, é
provocar reações exageradas. Os
jurados de Cannes 99, presididos
por David Cronenberg, o acumularam de diplomas: Grande Prêmio do Júri, melhor ator, melhor
atriz. Só o drama realista belga
"Rosetta" o superou, levando a
Palma de Ouro.
A crítica internacional rachou,
ficando a maior parte contra o segundo longa de Dumont, diretor
de "A Vida de Jesus", vencedor da
Mostra há dois anos. O influente
Todd McCarthy, da "Variety",
classificou o filme como "a mais
lenta investigação criminal já realizada". "Completamente insano", emendou o "Los Angeles Times". "Sórdido até quase a náusea", completou o "El País".
"Cahiers du Cinéma" e "Liberátion" à frente, os franceses celebraram como "radical" o veredicto de Cannes e aplaudiram "a austeridade" de Dumont. Serge Toubiana, editor dos "Cahiers", destacou o filme como "pictórico e
metafísico", "uma verdadeira observação do mundo".
É cinema dos bons aquele que
produz filmes mobilizadores de
opiniões tão opostas e radicais. "A
Humanidade" exige uma posição
de seu público. Ninguém aguentaria uma dieta exclusiva de filmes como este, mas a apuração
do paladar fílmico é indiscutível.
A reação contrária da crítica
americana nada surpreende. "A
Humanidade" põe de cabeça para
baixo um gênero caríssimo à tradição hollywoodiana: o policial.
Dumont caça-lhe o suspense e o
substitui pela espera. Naturalmente os resenhistas franceses vibram com a inversão.
Duas horas e meia é a duração
da busca compassada de um criminoso, numa cidadela do norte
da França. Um abobado policial
de província (Emmanuel Schotté)
encabeça a investigação. Chama-se Pharaon e é um idiota de bom
coração, uma espécie de filho sem
carisma do inspetor Clouseau.
Pharaon mora com a mãe e não
oculta a paixão platônica pela voluptuosa vizinha Domino (Séverine Caneele). A disponibilidade
dela nada se reduz mesmo diante
da agressividade sexual de seu namorado, tolo e bonitão. Pharaon
recua frente a generosa oferta da
amada, professando a máxima do
crítico Luiz Nazário, o sexo como
uma espécie de traição do desejo.
Dumont não tem qualquer
pressa na apresentação detalhada
do cotidiano de seus personagens. Pharaon ziguezagueia na
pesquisa do assassino e estuprador de uma garota. O triângulo
amoroso se amplia e se reduz.
Toubiana é preciso ao aproximar o estilo de Dumont do enfoque de um entomólogo (estudioso dos insetos). Tudo é filmado
em cinemascope, com os cenários
largamente superando os espaços
vitais dos personagens. O caráter
não profissional dos intérpretes
serve à tipologia desdramatizante
do cineasta.
"A Humanidade" agarra-se à
concretude dos corpos na busca
de alguma transcendência. Muito
da carga simbólica do filme concentra-se em dois closes genitais.
O primeiro, logo no início, mostra
a vulva esgarçada de um jovem
cadáver. A segunda, perto do fim,
exibe a insaciável xoxota de Domino. "Um filme sobre sexo e
morte", prometeu Dumont. Ei-lo.
Avaliação:
Filme: A Humanidade (L" Humanité)
Direção: Bruno Dumont
Produção: França, 1999, 148 min
Onde: hoje, às 19h45, no MIS
Outras exibições na mostra: 20, 21 e
28 de outubro
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