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São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2003

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TEATRO

Estréia montagem de texto da dramaturga inglesa Sarah Kane

"4.48 Psicose" vasculha os subsolos da mente

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A dramaturga inglesa Sarah Kane (1971-99) dizia que o teatro é a mais existencial das artes porque ele não tem memória. Sua condição é efêmera. Daí a urgência que salta da curta obra de cinco peças escritas até os 28 anos, quando a autora suicidou-se.
A última delas, "4.48 Psicose", ganha montagem a partir de hoje em São Paulo, sob direção de Nelson de Sá, editor da Ilustrada.
Sá assina sua primeira produção profissional, ele que foi crítico teatral da Folha (1990-2000) e, no grupo Oficina, fez assistência para Zé Celso em "As Boas" (91) e co-traduziu "Ham-Let" (93).
São Paulo assistiu à versão francesa de "4.48 Psicose" em fevereiro, no Sesc Anchieta, com Isabelle Huppert e direção de Claude Régy. Esta é a terceira produção nacional de um texto de Kane.
Sá leva sua montagem para um silo desativado do Sesc Belenzinho, numa área de subsolo, resquício da antiga fábrica de tecidos que funcionava ali.
Segundo o diretor, o espaço (12 m de diâmetro e 6 m de altura), se encaixa como representação física da mente da personagem.
Nesse tanque circular, de paredes de tijolos e uma escada de acesso, músicas sampleadas e imagens projetadas configuram uma instalação. A idéia é envolver a todos, atores e público, no fluxo de consciência de uma mulher em colapso psicótico.
"Não há uma ordenação, uma narrativa definida, a não ser nos poucos diálogos em que se dá a relação da paciente com o médico, mas a peça não pode ser reduzida só a isso", afirma Sá, 42.
Apesar das múltiplas vozes da personagem (a sua, a interior, a da fantasia, a do delírio etc) o diretor diz que, no fundo, o discurso vem de uma única mente.
É o que acontece a uma pessoa quando as barreiras que distinguem a realidade e as diferentes formas de imaginação desaparecem completamente, conforme declarou Kane.
Entre as muitas camadas deste poema dramático, político, há ainda o desespero de alguém que deseja ser amado e é repudiado.
O tema do suicídio é diagnosticado na montagem como uma doença das sociedades contemporâneas. "O suicídio se transformou em ação política, em tentativa desesperada de pressão, o que é horrível, não justifica", diz o diretor, que lembra a atuação cruel de homens e mulheres que explodem a si mesmos em atentados.
A jornada de um ser mergulhado no "absurdo" da existência é conduzida pelos atores Luciana Vendramini e Luiz Päetow.
Em cena, eles são despidos de personagem. Para não dar brecha para o realismo, Sá os orientou a trabalhar sob o registro da performance, da não-representação.
"Não temos maquiagem, figurino fixo. Não nos olhamos em nenhum momento. Não existe um papel, mas o universo do qual fala Sarah Kane, que é o nosso, o do agora", diz Vendramini, 32, cuja última atuação em teatro ocorreu em "Macário - Cadernos de Leitura", em 1993.
Luiz Päetow, ex-integrante do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) do Sesc, dirigido por Antunes Filho, destaca o foco da "lucidez inapropriada" no texto.
"A psicose é a grande lucidez, somos todos uno, pai, mãe, Deus. O absurdo é que as pessoas que têm coragem para viver essa consciência são renegados, são os loucos da sociedade. Ao passo que, quando a gente se fecha no julgamento, na crítica, então somos considerados sãos."

4.48 PSICOSE. Texto: Sarah Kane. Tradução: Laerte Mello. Direção: Nelson de Sá. Com: Luciana Vendramini e Luiz Päetow. Direção de Arte: Elaine Cesar e Lenise Pinheiro. Onde: Sesc Belenzinho -subsolo (av. Álvaro Ramos, 915, Quarta Parada, tel. 0/xx/11/6602-3700). Quando: estréia hoje; sáb. e dom., às 19h30. Quanto: R$ 15. Recomendado para maiores de 16 anos. Até 7/12.

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