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TEATRO
Estréia montagem de texto da dramaturga inglesa Sarah Kane
"4.48 Psicose" vasculha os subsolos da mente
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A dramaturga inglesa Sarah Kane (1971-99) dizia que o teatro é a
mais existencial das artes porque
ele não tem memória. Sua condição é efêmera. Daí a urgência que
salta da curta obra de cinco peças
escritas até os 28 anos, quando a
autora suicidou-se.
A última delas, "4.48 Psicose",
ganha montagem a partir de hoje
em São Paulo, sob direção de Nelson de Sá, editor da Ilustrada.
Sá assina sua primeira produção profissional, ele que foi crítico
teatral da Folha (1990-2000) e, no
grupo Oficina, fez assistência para
Zé Celso em "As Boas" (91) e co-traduziu "Ham-Let" (93).
São Paulo assistiu à versão francesa de "4.48 Psicose" em fevereiro, no Sesc Anchieta, com Isabelle
Huppert e direção de Claude
Régy. Esta é a terceira produção
nacional de um texto de Kane.
Sá leva sua montagem para um
silo desativado do Sesc Belenzinho, numa área de subsolo, resquício da antiga fábrica de tecidos
que funcionava ali.
Segundo o diretor, o espaço (12
m de diâmetro e 6 m de altura), se
encaixa como representação física da mente da personagem.
Nesse tanque circular, de paredes de tijolos e uma escada de
acesso, músicas sampleadas e
imagens projetadas configuram
uma instalação. A idéia é envolver
a todos, atores e público, no fluxo
de consciência de uma mulher em
colapso psicótico.
"Não há uma ordenação, uma
narrativa definida, a não ser nos
poucos diálogos em que se dá a
relação da paciente com o médico, mas a peça não pode ser reduzida só a isso", afirma Sá, 42.
Apesar das múltiplas vozes da
personagem (a sua, a interior, a da
fantasia, a do delírio etc) o diretor
diz que, no fundo, o discurso vem
de uma única mente.
É o que acontece a uma pessoa
quando as barreiras que distinguem a realidade e as diferentes
formas de imaginação desaparecem completamente, conforme
declarou Kane.
Entre as muitas camadas deste
poema dramático, político, há
ainda o desespero de alguém que
deseja ser amado e é repudiado.
O tema do suicídio é diagnosticado na montagem como uma
doença das sociedades contemporâneas. "O suicídio se transformou em ação política, em tentativa desesperada de pressão, o que
é horrível, não justifica", diz o diretor, que lembra a atuação cruel
de homens e mulheres que explodem a si mesmos em atentados.
A jornada de um ser mergulhado no "absurdo" da existência é
conduzida pelos atores Luciana
Vendramini e Luiz Päetow.
Em cena, eles são despidos de
personagem. Para não dar brecha
para o realismo, Sá os orientou a
trabalhar sob o registro da performance, da não-representação.
"Não temos maquiagem, figurino fixo. Não nos olhamos em nenhum momento. Não existe um
papel, mas o universo do qual fala
Sarah Kane, que é o nosso, o do
agora", diz Vendramini, 32, cuja
última atuação em teatro ocorreu
em "Macário - Cadernos de Leitura", em 1993.
Luiz Päetow, ex-integrante do
Centro de Pesquisa Teatral (CPT)
do Sesc, dirigido por Antunes Filho, destaca o foco da "lucidez
inapropriada" no texto.
"A psicose é a grande lucidez,
somos todos uno, pai, mãe, Deus.
O absurdo é que as pessoas que
têm coragem para viver essa
consciência são renegados, são os
loucos da sociedade. Ao passo
que, quando a gente se fecha no
julgamento, na crítica, então somos considerados sãos."
4.48 PSICOSE. Texto: Sarah Kane.
Tradução: Laerte Mello. Direção: Nelson
de Sá. Com: Luciana Vendramini e Luiz
Päetow. Direção de Arte: Elaine Cesar e
Lenise Pinheiro. Onde: Sesc Belenzinho
-subsolo (av. Álvaro Ramos, 915, Quarta
Parada, tel. 0/xx/11/6602-3700).
Quando: estréia hoje; sáb. e dom., às
19h30. Quanto: R$ 15. Recomendado
para maiores de 16 anos. Até 7/12.
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