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LIVRO/LANÇAMENTO
"HOMENS E COISAS ESTRANGEIRAS"
Coletânea de artigos de 1899 a 1908 do crítico paraense ganha tomo único
Textos de José Veríssimo iluminam época
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Há várias maneiras de penetrar o calhamaço "Homens e Coisas Estrangeiras", do
crítico e historiador paraense José
Veríssimo (1857-1916), e a não
menos interessante delas é pelo
índice onomástico.
Por meio dele, podemos perceber a assombrosa lista de nomes
mencionados, que se estende
muito além dos temas principais
dos ensaios.
Temos aqui Charles Baudelaire,
Burne-Jones, Fiódor Dostoiévski,
Alfred Dreyfus (do caso Dreyfus),
Ralph Waldo Emerson, Epicuro,
Gustave Flaubert, Galileu, Goethe, Hegel, Ibsen, Immanuel
Kant, Rudyard Kipling, Keats,
Menipo, Mallarmé, Karl Marx,
Friedrich Nietzsche, Aleksandr
Púchkin, Robert Louis Stevenson,
Leon Tolstói e Ruskin, de par com
muitos outros, alguns dos quais
menos conhecidos hoje.
O que essa pequena relação
confirma é que, afora os assuntos
clássicos e históricos, a nossa intelligentsia sintonizava-se, na época, com questões internacionais
que lhe eram contemporâneas -
pensemos nas considerações sobre Nietzsche, Mallarmé e Ruskin, por exemplo.
Os artigos deste livro não só frequentaram, em sua primeira versão, periódicos de destaque, mas
ainda figuraram muitas vezes em
primeira página, caso das resenhas publicadas no "Correio da
Manhã". O que mostra a importância do pensamento de Veríssimo na virada para o século 20 e
também o interesse pelos tópicos
discutidos.
Reunidos em três livros, publicados em 1902, 1905 e 1910, os artigos e resenhas de Veríssimo só
agora vieram a lume em tomo
único, com esclarecedor prefácio
do crítico literário João Alexandre
Barbosa. De quebra, o volume
traz em apêndice textos do autor
publicados na obra "Que é Literatura? E Outros Ensaios".
Como em seu compêndio mais
famoso, "História da Literatura
Brasileira", no qual são defendidas idéias racistas contra índios e
contra negros, em "Homens e
Coisas Estrangeiras" há exemplos
flagrantes de preconceito e de
miopia crítica.
Num artigo, Veríssimo acusa
Mallarmé de mistificação, enquanto, noutra parte, encampa a
tese de Auguste Comte sobre a inferioridade biológica da mulher.
São derrapadas sérias, mas, em
defesa do ensaísta, podemos alegar que escrevia na pressão do
"jornalismo imediato", como sugere João Alexandre Barbosa, e
que estava imbuído de um certo
ideário de seu tempo.
Quanto ao aspecto temporal, é
possível ler esses artigos como
uma espécie de holofotes a iluminar a época, a virada do século 19
para o 20. O feminismo, o impacto do socialismo e do anarquismo, o perigo do pan-americanismo são alguns dos pontos examinados, sempre sob uma mirada
essencialmente brasileira.
Sobre nós mesmos, "obreiros de
segunda mão", Veríssimo afirma
que produzimos uma literatura
que representa "pálido reflexo do
pensamento europeu".
Como não recordar as palavras
de Antonio Candido, escritas
mais de cinco décadas depois, e
que tanta celeuma causaram: "A
nossa literatura é galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim das Musas..."?
Pois, além de permitir-nos enxergar o Brasil (e o mundo) em
retrospecto, daqui para trás, "Homens e Coisas Estrangeiras" nos
convida a ver a matéria de lá para
cá, ou seja, a descobrir nos fluxos
então antevistos as marcas atuais
da nossa (má) consciência.
Já naquela época, Veríssimo
alertava para a ameaça do "imperialismo" ianque. "O mundo está
sendo americanizado", dizia ele
em 1902.
Alguns anos depois, profetizou
que os EUA poriam o resto do
continente americano "sob sua
imediata dependência econômica, e finalmente sob a sua plena
hegemonia política", sendo seu
"manifesto destino" estender-se
"de pólo a pólo".
Num momento em que se encaminham as discussões sobre o
destino da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), talvez o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva pudesse tirar partido das previsões de Veríssimo, escritas cerca
de 100 anos atrás.
Homens e Coisas Estrangeiras -
1899-1908
Autor: José Veríssimo
Editora: Topbooks & Academia
Brasileira de Letras
Quanto: R$ 64 (688 págs.)
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