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LITERATURA
Eloisa Cartonera publica autores consagrados e desconhecidos latinos em parceria com catadores de papel
Editora argentina converte papelão em livro artesanal
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Quanto ao fato de nada se perder, de tudo se transformar, parecem não restar dúvidas. Mas cabe
pensar em que temos transformado aquilo que damos por perdido.
O papelão, por exemplo. Enquanto em São Paulo tem-se discutido
se o material, juntamente de seus
catadores, deve ser retirado do
centro da cidade por atrapalhar o
tráfego dos automóveis, em outra
metrópole sul-americana, Buenos
Aires, seu destino tem sido bem
diferente. Lá, o papelão tem se
convertido num dos objetos mais
valorizados da cultura ocidental:
não, não o carro; o livro.
Trata-se do trabalho da pequena editora argentina Eloisa Cartonera, que produz livros de baixo
custo com capas de papelão cortado e pintado a mão. As páginas
internas podem ser impressas ou
xerocadas, mas sempre coladas
para constituir o livro. "Trata-se
de um projeto simultaneamente
editorial e social, e social de muitas maneiras", diz Cristian De Nápoli, um dos editores.
Tentemos compreendê-las. A
cada semana, um grupo de dez
catadores de papel passa pela pequena loja da editora para deixar
suas coletas. Por esse trabalho, recebem sete vezes mais do que
vendendo o papelão para a reciclagem convencional.
Quem recebe o material são três
ex-catadores, hoje os responsáveis pelo trabalho manual das edições: cortam o papelão, pintam as
capas, imprimem ou xerocam as
páginas internas, colam tudo.
Com esse trabalho, se sustentam.
Os livros são publicados em tiragens que variam entre 40 e 1.500
exemplares. São vendidos na própria editora e em mais de 30 pequenas livrarias argentinas, que
aceitam comercializá-los mesmo
sem registro (embora haja planos
de passar a registrá-los em 2006).
Custam entre quatro e seis pesos,
o que equivale, sem precisões matemáticas, a algo entre R$ 3 e R$ 5.
A partir desse trabalho, "difunde-se o acesso à literatura", nas palavras de De Nápoli.
Quem são os autores? Uma longa lista de escritores latino-americanos -mais de 80- em que se
intercalam nomes famosos, como
os de Ricardo Piglia e César Aira,
a outros bastante desconhecidos,
de autores debutantes nas letras
impressas. Entre os brasileiros
editados, o mesmo contraste proposital: lado a lado com os poetas
Haroldo de Campos e Manoel de
Barros, a mineira Camila do Valle,
nunca antes traduzida a uma língua estrangeira, e o sul-matogrossense Douglas Diegues -este que
nem sequer precisou de tradução,
pois escreve no portunhol característico da fronteira entre Brasil e
Paraguai.
"No começo, Cucurto e eu saíamos para procurar grandes escritores e pedir algum manuscrito,
algum texto inédito. Hoje, quase
não os procuramos, porque a editora já se tornou bastante conhecida e nos chegam muitos bons
originais", explica De Nápoli.
Washington Cucurto, não se apoquente o leitor, é o idealizador
disso tudo. O sujeito que, em
2002, criou a editora como extensão de uma outra que tinha, que
produzia livros grampeados, com
capas de cartolina.
Expansão
Se pensam em expansão? "Mais
do que nos expandir em direção a
outros países, queremos colocar o
exemplo. Para que cada nova iniciativa possa se adaptar às características que lhe impõe o mercado local", afirma De Nápoli. Assim tem acontecido. No Peru, por
exemplo, existe há um ano a Sarita Cartonera, algo como uma filial
da anterior, porém de funcionamento completamente independente. Esta, diferente da matriz,
dedica-se mais a autores locais.
No Brasil, que De Nápoli visitou
há cerca de uma semana para realizar workshops e oficinas -a
convite da Prefeitura de Niterói,
incentivada por Camila do Valle-, o projeto talvez esteja por
nascer. O escritor Joca Reiners
Terron entusiasmou-se com a
idéia e tem reunido sua editora, a
Ciência do Acidente, com representantes de outras pequenas, como a Amauta e a Baleia. Já começam ambiciosos: a idéia é que, até
abril de 2006, tenham lançado ao
menos dez títulos. Antes disso, no
entanto, procuram cooperativas
de catadores e organizações não-governamentais ligadas à inclusão social para realizar parcerias e tocar o projeto em conjunto.
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