|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTES PLÁSTICAS
Exposição no Metropolitan Museum reúne 113 obras e mostra faceta menos célebre do pintor holandês
Nova York recebe Van Gogh, o desenhista
LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK
Esqueça por um momento as
pinceladas pastosas, vigorosas e
eloqüentes dos girassóis ou do
céu estrelado das telas icônicas de
Vincent van Gogh (1853-1890).
Pense agora na possibilidade dessa expressividade em preto-e-branco. É o convite implícito da
exposição dos desenhos de Van
Gogh, aberta hoje no Metropolitan Museum of Art de Nova York
(www.met.org), com 113 obras.
Em seus curtos dez anos de produção artística, o desenho foi
muitas vezes a única forma de trabalhar, quase sempre uma compulsão e, no todo, uma jornada.
Às vezes, depois de produzir uma
tela com tintas a óleo, Van Gogh
pegava a caneta para descompor e
variar o mesmo tema. "Era um repensar com caneta e tinta, uma
jornada artística para desembaralhar cor e traçado", disse à Folha
uma das curadoras da mostra, Susan Alyson Stein.
Essas "repétitions", espalhadas
em coleções públicas e privadas,
são intrigantes quando ladeadas
numa única parede. São os casos
de "Ciprestes" (1889) e "Barcos ao
Mar", quadro e desenhos de veleiros em Saintes-Maries-de-la-Mer,
onde Van Gogh viu o mar pela
primeira vez em 1888.
Naquele verão, Van Gogh fez 32
reproduções a caneta de seus quadros para o irmão Theo e os colegas Émile Bernard e John Russell.
Queria reportar ou impressionar,
mas acima de tudo explorar. Na
série de veleiros, Van Gogh experimenta com pontilhados, caracolados e rastreados curtos e espontâneos para reinterpretar a mesma imagem sem uso da cor. Com uma paleta de traços em vez de
tintas, o mar fica calmo ou revolto, o céu mais intenso ou apagado
nas versões.
Evolução
Alguns desenhos incipientes de
Van Gogh são conhecidas figuras
campesinas, grosseiras e desproporcionais, em carvão ou giz preto. Era o esforço de dominar o desenho humano, mas com consciente caricatura da pobreza e da
degradação. Um lenhador, por
exemplo, tem pernas que se assemelham a troncos. São desenhos
rústicos, mas o artista já buscava
transmitir sentimento.
Têm seu espaço ao lado de séries delicadas, com espantoso
grau de acabamento, como as cinco grandes paisagens feitas em
1884, que transmitem desolação
invernal em Nuenen, Holanda
-uma "grandiosidade melancólica", nas palavras dos curadores.
Com linhas finas e simetrias calculadas surgem texturas para galhos secos, lâminas de grama e os
contornos de um crepúsculo.
A mostra também inclui aquarelas do período parisiense para
mostrar a influência de gravuras
japonesas no traçado do artista.
São telas pequenas, sucintas e
com as econômicas pinceladas de
vermelho, azul ou verde.
O pintor colecionou desenhos
japoneses e os considerava subapreciados. Contava aos amigos do
fascínio por traços curtos, velozes
e espontâneos, "rápidos como relâmpagos".
Em seus dois anos em Paris
(1886-1888) foi contemporâneo
dos impressionistas Pisarro, Seurat e Gauguin. Deixando de lado
um pouco o desenho, encontrou
espaço para se descolar da meticulosidade realista holandesa e
esforços anteriores por um expressionismo áspero.
Depois disso, Van Gogh, preocupado com seus distúrbios mentais, optou por um retiro e se isolou em Arles, num período prolífico de quadros, desenhos e "repétitions". Com a caneta, buscou
consolidar seu próprio estilo.
Nas "repétitions" dos campos
de trigo feitas para o trio Theo,
Bernard e Russell, o próprio Van
Gogh explica que com a tinta ele
"perdia a clareza do toque".
Coroados pelo próprio artista
como seu maior triunfo no desenho, a mostra reúne a série de seis
desenhos de Montmajour, do período em Arles. Neles, a simbiose
entre desenho e pintura, com o
resgate da caneta de palha (reed
pen), talhada por ele próprio.
Com a ponta amolecida pelo
uso, mesclava linha e pincelada.
Além disso, reuniu a objetividade
japonesa e amplidão paisagística
nos arbustos, rochedos e campos.
Na série de Montmajour, o grafismo dá movimento às oliveiras
contorcidas do desenho "Oliveiras". As planícies e colinas se destacam como tapeçaria, quase um
mapa de relevo topográfico em
"La Crau: Vista de Montmajour".
Todos transmitem a sensação de
dimensão e cor a partir das nuances. A caneta de palha tinha pouca
capacidade de tinta, mas Van
Gogh orquestrava essa limitação.
"Logo antes de chegar em Saint-Rémy, ele estava pintando desenhos e desenhando pinturas",
disse Stein. "Ele desenvolveu a riqueza de suas pinceladas a partir
da criatividade necessária para
preencher expressivamente os espaços nos desenhos."
Asilo
No final de 1888, a história conhecida: Van Gogh perdeu a sanidade e mutilou sua orelha. Internou-se por um ano em um asilo
em Saint-Rémy, onde continuou
produzindo, limitado por seus
ataques e falta de materiais.
No Met, desenhos do asilo, dos
jardins do monastério e dos campos sintetizam o estilo e a paleta
de tracejados consolidados em
Arles. A mostra termina com dois
desenhos feitos depois de deixar o
asilo, antes da morte por tiro auto-infligido. São aquarelas leves,
um Van Gogh novo e fresco para
quem só conhecia a intensidade
dos redemoinhos de cores vibrantes do artista perturbado.
Texto Anterior: Literatura: Encontro examina produção latina Próximo Texto: Paixão pela técnica aparecia nas cartas a Theo Índice
|