São Paulo, terça-feira, 18 de outubro de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Exposição no Metropolitan Museum reúne 113 obras e mostra faceta menos célebre do pintor holandês

Nova York recebe Van Gogh, o desenhista

LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK

Esqueça por um momento as pinceladas pastosas, vigorosas e eloqüentes dos girassóis ou do céu estrelado das telas icônicas de Vincent van Gogh (1853-1890). Pense agora na possibilidade dessa expressividade em preto-e-branco. É o convite implícito da exposição dos desenhos de Van Gogh, aberta hoje no Metropolitan Museum of Art de Nova York (www.met.org), com 113 obras.
Em seus curtos dez anos de produção artística, o desenho foi muitas vezes a única forma de trabalhar, quase sempre uma compulsão e, no todo, uma jornada. Às vezes, depois de produzir uma tela com tintas a óleo, Van Gogh pegava a caneta para descompor e variar o mesmo tema. "Era um repensar com caneta e tinta, uma jornada artística para desembaralhar cor e traçado", disse à Folha uma das curadoras da mostra, Susan Alyson Stein.
Essas "repétitions", espalhadas em coleções públicas e privadas, são intrigantes quando ladeadas numa única parede. São os casos de "Ciprestes" (1889) e "Barcos ao Mar", quadro e desenhos de veleiros em Saintes-Maries-de-la-Mer, onde Van Gogh viu o mar pela primeira vez em 1888.
Naquele verão, Van Gogh fez 32 reproduções a caneta de seus quadros para o irmão Theo e os colegas Émile Bernard e John Russell. Queria reportar ou impressionar, mas acima de tudo explorar. Na série de veleiros, Van Gogh experimenta com pontilhados, caracolados e rastreados curtos e espontâneos para reinterpretar a mesma imagem sem uso da cor. Com uma paleta de traços em vez de tintas, o mar fica calmo ou revolto, o céu mais intenso ou apagado nas versões.

Evolução
Alguns desenhos incipientes de Van Gogh são conhecidas figuras campesinas, grosseiras e desproporcionais, em carvão ou giz preto. Era o esforço de dominar o desenho humano, mas com consciente caricatura da pobreza e da degradação. Um lenhador, por exemplo, tem pernas que se assemelham a troncos. São desenhos rústicos, mas o artista já buscava transmitir sentimento.
Têm seu espaço ao lado de séries delicadas, com espantoso grau de acabamento, como as cinco grandes paisagens feitas em 1884, que transmitem desolação invernal em Nuenen, Holanda -uma "grandiosidade melancólica", nas palavras dos curadores. Com linhas finas e simetrias calculadas surgem texturas para galhos secos, lâminas de grama e os contornos de um crepúsculo.
A mostra também inclui aquarelas do período parisiense para mostrar a influência de gravuras japonesas no traçado do artista. São telas pequenas, sucintas e com as econômicas pinceladas de vermelho, azul ou verde.
O pintor colecionou desenhos japoneses e os considerava subapreciados. Contava aos amigos do fascínio por traços curtos, velozes e espontâneos, "rápidos como relâmpagos".
Em seus dois anos em Paris (1886-1888) foi contemporâneo dos impressionistas Pisarro, Seurat e Gauguin. Deixando de lado um pouco o desenho, encontrou espaço para se descolar da meticulosidade realista holandesa e esforços anteriores por um expressionismo áspero.
Depois disso, Van Gogh, preocupado com seus distúrbios mentais, optou por um retiro e se isolou em Arles, num período prolífico de quadros, desenhos e "repétitions". Com a caneta, buscou consolidar seu próprio estilo.
Nas "repétitions" dos campos de trigo feitas para o trio Theo, Bernard e Russell, o próprio Van Gogh explica que com a tinta ele "perdia a clareza do toque".
Coroados pelo próprio artista como seu maior triunfo no desenho, a mostra reúne a série de seis desenhos de Montmajour, do período em Arles. Neles, a simbiose entre desenho e pintura, com o resgate da caneta de palha (reed pen), talhada por ele próprio.
Com a ponta amolecida pelo uso, mesclava linha e pincelada. Além disso, reuniu a objetividade japonesa e amplidão paisagística nos arbustos, rochedos e campos.
Na série de Montmajour, o grafismo dá movimento às oliveiras contorcidas do desenho "Oliveiras". As planícies e colinas se destacam como tapeçaria, quase um mapa de relevo topográfico em "La Crau: Vista de Montmajour". Todos transmitem a sensação de dimensão e cor a partir das nuances. A caneta de palha tinha pouca capacidade de tinta, mas Van Gogh orquestrava essa limitação.
"Logo antes de chegar em Saint-Rémy, ele estava pintando desenhos e desenhando pinturas", disse Stein. "Ele desenvolveu a riqueza de suas pinceladas a partir da criatividade necessária para preencher expressivamente os espaços nos desenhos."

Asilo
No final de 1888, a história conhecida: Van Gogh perdeu a sanidade e mutilou sua orelha. Internou-se por um ano em um asilo em Saint-Rémy, onde continuou produzindo, limitado por seus ataques e falta de materiais.
No Met, desenhos do asilo, dos jardins do monastério e dos campos sintetizam o estilo e a paleta de tracejados consolidados em Arles. A mostra termina com dois desenhos feitos depois de deixar o asilo, antes da morte por tiro auto-infligido. São aquarelas leves, um Van Gogh novo e fresco para quem só conhecia a intensidade dos redemoinhos de cores vibrantes do artista perturbado.


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