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Comida
Do mar aos Andes
Com herança cultural de incas, europeus e asiáticos e produtos de qualidade, a culinária do Peru é original e moderna
JOSIMAR MELO
ENVIADO ESPECIAL A LIMA
Também na gastronomia, vivemos olhando para o norte, no
além-mar. Há boas razões para
isso, claro. Mas é raro percebermos o que os vizinhos de parede têm a dizer na cultura em geral.
Restaurantes de parrilla temos vários, pois esta cultura argentina é também do gaúcho
brasileiro. Mas, e ali pelo Pacífico, pelos Andes, não haverá o
que descobrir?
Há sim, e muito. E depois de
escrever aqui um roteiro de
Buenos Aires, parto agora para
o Peru (outros virão), cuja cozinha tem que ser acompanhada
de perto por pelo menos três
motivos, além dos sabores em
si (que já valeriam a viagem).
Para começar, é a pátria dos
incas, que ergueram um império milenar que dominou a cordilheira dos Andes e produziu
uma cultura avançadíssima, de
fazer cair o queixo dos rudes espanhóis que ali aportaram há
500 anos. Uma cultura tão forte
que obrigou os invasores a assimilar em bom grau muitos hábitos locais (o que inclui das
técnicas culinárias à sofisticação das louças e talheres). Muito dessa cultura perdura até hoje, mesclada à influência espanhola na cozinha do cotidiano
peruano, a cozinha "criolla" do
norte e do sul.
Outra razão para prestar
atenção está na inacreditável
variedade de ingredientes de
ótima qualidade. Os peixes e
mariscos do Pacífico são de um
frescor comovente, além do sabor que obtêm do seu habitat
de águas frias. É com eles que se
fazem, por exemplo, os ceviches (peixes crus passados rapidamente -atenção: apenas
alguns segundos- em limão,
pimenta ají fresca e cebola),
que em Lima podem ser experimentados em restaurantes como Chez Wong (na casa do proprietário) ou no moderno La
Mar. Dos Andes vêm milhares
(literalmente) de tipos de batatas, de raízes (como a mandioca, popular ali), de tubérculos.
Da montanha e da selva, os
deliciosos ajís (pimentas equivalentes aos chiles), as frutas
sumarentas, as caças e carnes
-como o suculento cuy, o porquinho-da-índia que no passado alimentou os incas e que hoje começa a ser recuperado como ingrediente. Pratos dessa
cozinha intensa e cheia de sabores e picância (nunca excessiva, porém) merecem ser comidos no restaurante Fiesta, de
comida do Norte.
A terceira razão é que a mistura de uma sólida cultura antiga com tamanha variedade de
produtos deveria, cedo ou tarde, redundar numa culinária
original. Aconteceu. Assim, não
apenas temos, Peru afora, várias cozinhas históricas, como
desenvolveu-se nas últimas décadas uma cozinha peruana
moderna, vibrante, de recuperação de velhas receitas e produtos integrados a novas técnicas, batizada de cozinha novoandina.
Novos chefs se projetam.
Gastón Acurio -principal expoente desta nova cozinha-
faz um sucesso fenomenal, inclusive além-fronteiras (seu
restaurante principal, o gastronômico Astrid y Gastón, já tem
filiais em mais seis países, inclusive Espanha; outra de suas
casas, a cevicheria La Mar, terá
sua próxima filial no Itaim, em
São Paulo). Outros restaurantes nesta linha são Malabar (do
chef Pedro Miguel Schiaffino),
Fusión (de Rafael Piqueras),
Rafael (de Rafael Osterling), El
Olivar (de Javier Morante).
Pisco
Para beber, é obrigatório o
Pisco (e seu coquetel, o pisco
sour), destilado produzido no
sul do país a partir de uvas fermentadas; ou a chicha, bebida
de milho que pode ser refresco
ou também alcoólica, se fermentada (e que na tradição indígena, como no Brasil, se fermentava através da saliva das
mulheres).
Mas não pense que é só. No
Peru as migrações não se constituíram em guetos fechados,
logo se miscigenaram. Por isso
existem também cozinhas derivadas da chinesa (a chifa) e da
japonesa (a nikkei, presente em
restaurantes como Toshiro's e
Costanera 70). Ainda há gente
que torce o nariz diante dos tubérculos e animais estranhos
que seus antepassados comiam. Mas a modernidade culinária baseada nestes ingredientes chegou sem volta à cozinha peruana -e com ela, à
América Latina.
O jornalista JOSIMAR MELO viajou ao Peru a
convite da Comissão de Promoção do Peru para a
Exportação e o Turismo (PromPeru) e da companhia aérea TACA.
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