São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007

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Comida

Do mar aos Andes

Com herança cultural de incas, europeus e asiáticos e produtos de qualidade, a culinária do Peru é original e moderna

JOSIMAR MELO
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

Também na gastronomia, vivemos olhando para o norte, no além-mar. Há boas razões para isso, claro. Mas é raro percebermos o que os vizinhos de parede têm a dizer na cultura em geral.
Restaurantes de parrilla temos vários, pois esta cultura argentina é também do gaúcho brasileiro. Mas, e ali pelo Pacífico, pelos Andes, não haverá o que descobrir?
Há sim, e muito. E depois de escrever aqui um roteiro de Buenos Aires, parto agora para o Peru (outros virão), cuja cozinha tem que ser acompanhada de perto por pelo menos três motivos, além dos sabores em si (que já valeriam a viagem).
Para começar, é a pátria dos incas, que ergueram um império milenar que dominou a cordilheira dos Andes e produziu uma cultura avançadíssima, de fazer cair o queixo dos rudes espanhóis que ali aportaram há 500 anos. Uma cultura tão forte que obrigou os invasores a assimilar em bom grau muitos hábitos locais (o que inclui das técnicas culinárias à sofisticação das louças e talheres). Muito dessa cultura perdura até hoje, mesclada à influência espanhola na cozinha do cotidiano peruano, a cozinha "criolla" do norte e do sul.
Outra razão para prestar atenção está na inacreditável variedade de ingredientes de ótima qualidade. Os peixes e mariscos do Pacífico são de um frescor comovente, além do sabor que obtêm do seu habitat de águas frias. É com eles que se fazem, por exemplo, os ceviches (peixes crus passados rapidamente -atenção: apenas alguns segundos- em limão, pimenta ají fresca e cebola), que em Lima podem ser experimentados em restaurantes como Chez Wong (na casa do proprietário) ou no moderno La Mar. Dos Andes vêm milhares (literalmente) de tipos de batatas, de raízes (como a mandioca, popular ali), de tubérculos.
Da montanha e da selva, os deliciosos ajís (pimentas equivalentes aos chiles), as frutas sumarentas, as caças e carnes -como o suculento cuy, o porquinho-da-índia que no passado alimentou os incas e que hoje começa a ser recuperado como ingrediente. Pratos dessa cozinha intensa e cheia de sabores e picância (nunca excessiva, porém) merecem ser comidos no restaurante Fiesta, de comida do Norte.
A terceira razão é que a mistura de uma sólida cultura antiga com tamanha variedade de produtos deveria, cedo ou tarde, redundar numa culinária original. Aconteceu. Assim, não apenas temos, Peru afora, várias cozinhas históricas, como desenvolveu-se nas últimas décadas uma cozinha peruana moderna, vibrante, de recuperação de velhas receitas e produtos integrados a novas técnicas, batizada de cozinha novoandina.
Novos chefs se projetam. Gastón Acurio -principal expoente desta nova cozinha- faz um sucesso fenomenal, inclusive além-fronteiras (seu restaurante principal, o gastronômico Astrid y Gastón, já tem filiais em mais seis países, inclusive Espanha; outra de suas casas, a cevicheria La Mar, terá sua próxima filial no Itaim, em São Paulo). Outros restaurantes nesta linha são Malabar (do chef Pedro Miguel Schiaffino), Fusión (de Rafael Piqueras), Rafael (de Rafael Osterling), El Olivar (de Javier Morante).

Pisco
Para beber, é obrigatório o Pisco (e seu coquetel, o pisco sour), destilado produzido no sul do país a partir de uvas fermentadas; ou a chicha, bebida de milho que pode ser refresco ou também alcoólica, se fermentada (e que na tradição indígena, como no Brasil, se fermentava através da saliva das mulheres).
Mas não pense que é só. No Peru as migrações não se constituíram em guetos fechados, logo se miscigenaram. Por isso existem também cozinhas derivadas da chinesa (a chifa) e da japonesa (a nikkei, presente em restaurantes como Toshiro's e Costanera 70). Ainda há gente que torce o nariz diante dos tubérculos e animais estranhos que seus antepassados comiam. Mas a modernidade culinária baseada nestes ingredientes chegou sem volta à cozinha peruana -e com ela, à América Latina.


O jornalista JOSIMAR MELO viajou ao Peru a convite da Comissão de Promoção do Peru para a Exportação e o Turismo (PromPeru) e da companhia aérea TACA.


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