São Paulo, Quinta-feira, 18 de Novembro de 1999
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LIVRO
Biografia revela que cantor participou de cirurgias espirituais e sonhava ser um jogador de futebol
Chico Buarque conta as suas histórias

Reprodução
Vinicius de Moraes e Chico Buarque, em foto do livro "Chico Buarque - Para Todos"



CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio

Casa de Tom Jobim, no Jardim Botânico (zona sul do Rio), nos idos de 1984. Miúcha, irmã de Chico Buarque, está deitada em uma das salas da casa, sendo submetida a uma cirurgia espiritual. Os amigos a cercam, assustados.
O sangue escorre de seu joelho, enquanto o médium Lourival corta a pele com uma gilete, uma faquinha e um canivete. Usa também uma agulha enferrujada. Retira de lá um lipoma (espécie de almofadinha de cartilagem).
Miúcha não sente dor. Lourival costuma usar música para anestesiar seus pacientes. E, naquela noite, como conta Miúcha, "a anestesia é de primeira linha": Tom Jobim, Chico Buarque e outros amigos, com Oscar Castro Neves ao piano, cantam "De Todas as Maneiras".
De olhos arregalados, acompanhando a cirurgia, Chico canta sob as ameaças do médium Lourival: "Canta direito senão a tua irmã vai ter dor".
A revelação é uma das mais surpreendentes de "Chico Buarque -Para Todos", livro escrito pela jornalista Regina Zappa, que será lançado na próxima semana pela editora Relume-Dumará e faz parte da série "Perfis do Rio".
"É engraçado imaginar que uma pessoa que parece ser tão cética tenha participado de uma situação como essa", diz Regina, que, durante cinco meses, fez longas entrevistas com Chico e com parentes e amigos do artista.
Chico conheceu Lourival por intermédio de Tom Jobim. Era Lourival quem preparava ervas quando Tom queria parar de beber por uns tempos. Na época, Chico precisava dar uma pausa na bebida, por recomendação médica. Tom fez as apresentações.
Em suas conversas com Regina, o compositor conta que sentia síndrome de abstinência quando não bebia. "Acho até que eu era alcoólatra", afirma.
No livro, Chico diz que participou de outras três ou quatro cirurgias feitas por Lourival. E revela que, graças às ervas receitadas por ele, parou de beber.
Há outras histórias interessantes no livro. Da temporada de exílio voluntário na Itália (nos anos de 1969 e 1970), Regina resgata o período em que Chico se inscreveu como jogador de futebol no Mentana, time que disputava o "Campeonato Italiano de Diletantes".
"O grande sonho dele era ser jogador de futebol. Na época do Mentana, ele tinha carteira de jogador e treinava todos os dias. A "carreira" só parou com o nascimento de Silvinha (sua filha mais velha), em 1969", conta a autora.
Regina diz que levou um susto quando Chico aceitou a proposta de ser personagem de um livro da série "Perfis do Rio": "Quando ele disse "acho ótimo", fiquei preocupada com a responsabilidade. Ele é uma entidade que todo mundo adora e que parece não gostar de falar de si", conta a autora.
Regina acabou descobrindo que Chico é "um grande inventor de histórias". O compositor também facilitou o acesso da autora a pessoas como Marieta Severo, sua ex-mulher, e as três filhas do casal, Sílvia, Heloísa e Luisa.
De Marieta, Regina ouviu histórias sobre o crescimento do casal -quando decidiram morar juntos, Chico tinha 22 anos, e Marieta, 20- e sobre a ligação que eles mantêm até hoje, mas quase nada sobre a separação. "Não nos separamos por causa de ninguém. Achamos que era melhor naquele momento", diz Marieta.
Das filhas, teve visões diferentes da vida do pai. Sílvia, a mais velha, conta que quando criança desejou "ser filha de bancário com professora". Helena, mulher de Carlinhos Brown e mãe de Francisco e Clara, fala da ligação de Chico com os dois netos. Luisa, a caçula, relembra as histórias inventadas na hora de dormir.
Cansada de ouvir de amigas, parentes e conhecidas a frase "que inveja, você está sempre com o Chico Buarque", Regina resolveu andar com uma medalhinha "para espantar o mau-olhado": "E o Chico ainda diz que o fascínio das mulheres por ele é invenção da mídia", diz.


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