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CRÍTICA
Livro cai na tietagem e se perde em frivolidades
FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local
Regina Zappa sucumbiu ao feitiço. É
até chato dizê-lo,
mas a jornalista
caiu na armadilha
que mais precisaria
ter evitado: a tietagem. Esse é, sem
dúvida, o principal problema de
"Chico Buarque - Para Todos",
que a Relume Dumará está lançando na série "Perfis do Rio".
Admirar Chico Buarque, sua figura ou sua obra, não é muito difícil. Basta ter um pouco de bom
senso e de educação para reconhecer sua importância, sua centralidade na cultura brasileira, ou
o teor esclarecido de sua coerência, de sua discrição, de sua relação tensa e por vezes hostil com a
mídia, com sua lógica espetacular. São coisas que se sabem, ou,
para quem não as percebe, não
merecem ser ditas, sob risco de
cair em ciladas perigosas. E Zappa
se enrosca toda nesse cipoal.
Um exemplo, logo no início do
livro: "Chico não criou personagem algum. Ou criou um não-personagem. Seu não-personagem é o homem comum, simples,
despojado. (...) É intransigente
com o estrelismo, e teima em ser
ele mesmo, sempre, porque ele é
ele mesmo". Há algo de revista
"Caras" em passagens como essa,
um misto de reverência com informalidade que contamina o livro do início ao fim, afora o pleonasmo inútil da frase.
Esse, aliás, é outro problema sério do livro, a sua repetição. Alguns exemplos. Chico diz no capítulo 4: "Fico aflito porque agora,
durante a temporada, sinto que
não estou fazendo nada. Para
mim, ao contrário do que pensam
os outros, trabalhar é quando estou quieto em casa, escrevendo
ou compondo". No capítulo 15 se
lê: "E quando Chico some do mapa, do palco e da mídia, ao contrário do que se pensa, é quando se
sente realmente trabalhando".
Mais: "Quanto mais se atacar
Chico, mais ele reage" (frase de
Marieta Severo no capítulo 10);
"Quanto mais se atacar o Chico,
mais ele reage e assume" (frase de
Marieta Severo no capítulo 16).
Ou então: "Casou com Marieta
aos 22, ela com 20" (capítulo 6);
"Quando se casaram, Marieta estava fazendo 20 anos e Chico tinha 22" (capítulo 16).
A falta de cuidado com a edição
das informações e o espaço desperdiçado com tietagens se desdobram em mais problemas.
Quando se dedica à carreira do
compositor, quando decide se
ocupar de sua trajetória de forma
mais objetiva, o livro entra num
ritmo apressado, de enumeração
quase relatorial. Assuntos de óbvio interesse, como a relação do
compositor com os tropicalistas
ou o pseudônimo Julinho da Adelaide, inventado por Chico nos
anos 70 para escarnecer da censura que o atazanava, acabam recebendo tratamento ligeiro demais.
Ficam também prejudicados o
Chico Buarque escritor, ao qual a
autora dedica pouco espaço, e a
relação dele com seu pai, o historiador Sergio Buarque de Holanda, e a geração de intelectuais a
que pertenceu. Tome-se o trecho
do capítulo 8: "Em casa, fora criado num clima de pedagogia onde
desenvolveu uma forma crítica de
ver o mundo. (...) Ninguém é filho
do autor de "Raízes do Brasil" impunemente. Este, que é um dos
seus mais importantes livros, e no
qual Sérgio Buarque revolve a história da civilização brasileira, virou referência para se conhecer
com profundidade o Brasil de
tantas etnias". É preciso insistir
no caráter insatisfatório dessas linhas? Num livro sobre Chico, o
resumo é muito constrangedor.
Mas, sim, há qualidades na obra
de Regina Zappa. O curto capítulo
12, sobre a relação de Chico com a
estilista Zuzu Angel, é comovente
e revelador. Também são muito
reveladoras as passagens sobre
Maria Amélia, a mãe do compositor. Desconhecida da maioria das
pessoas, é uma figura muito esclarecida e uma personalidade forte
e encantadora que surge ao longo
do livro. Livro que, de resto, dedica espaço despropositado ao folclore em torno da relação de Chico com o álcool e a pormenores
de sua vida particular. É um livro
feito para muitos, infelizmente.
Avaliação:
Livro: Chico Buarque - Para Todos
Autora: Regina Zappa
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 15 (200 págs.)
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