São Paulo, Quinta-feira, 18 de Novembro de 1999
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CRÍTICA

Livro cai na tietagem e se perde em frivolidades

FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local

Regina Zappa sucumbiu ao feitiço. É até chato dizê-lo, mas a jornalista caiu na armadilha que mais precisaria ter evitado: a tietagem. Esse é, sem dúvida, o principal problema de "Chico Buarque - Para Todos", que a Relume Dumará está lançando na série "Perfis do Rio".
Admirar Chico Buarque, sua figura ou sua obra, não é muito difícil. Basta ter um pouco de bom senso e de educação para reconhecer sua importância, sua centralidade na cultura brasileira, ou o teor esclarecido de sua coerência, de sua discrição, de sua relação tensa e por vezes hostil com a mídia, com sua lógica espetacular. São coisas que se sabem, ou, para quem não as percebe, não merecem ser ditas, sob risco de cair em ciladas perigosas. E Zappa se enrosca toda nesse cipoal.
Um exemplo, logo no início do livro: "Chico não criou personagem algum. Ou criou um não-personagem. Seu não-personagem é o homem comum, simples, despojado. (...) É intransigente com o estrelismo, e teima em ser ele mesmo, sempre, porque ele é ele mesmo". Há algo de revista "Caras" em passagens como essa, um misto de reverência com informalidade que contamina o livro do início ao fim, afora o pleonasmo inútil da frase.
Esse, aliás, é outro problema sério do livro, a sua repetição. Alguns exemplos. Chico diz no capítulo 4: "Fico aflito porque agora, durante a temporada, sinto que não estou fazendo nada. Para mim, ao contrário do que pensam os outros, trabalhar é quando estou quieto em casa, escrevendo ou compondo". No capítulo 15 se lê: "E quando Chico some do mapa, do palco e da mídia, ao contrário do que se pensa, é quando se sente realmente trabalhando".
Mais: "Quanto mais se atacar Chico, mais ele reage" (frase de Marieta Severo no capítulo 10); "Quanto mais se atacar o Chico, mais ele reage e assume" (frase de Marieta Severo no capítulo 16). Ou então: "Casou com Marieta aos 22, ela com 20" (capítulo 6); "Quando se casaram, Marieta estava fazendo 20 anos e Chico tinha 22" (capítulo 16).
A falta de cuidado com a edição das informações e o espaço desperdiçado com tietagens se desdobram em mais problemas. Quando se dedica à carreira do compositor, quando decide se ocupar de sua trajetória de forma mais objetiva, o livro entra num ritmo apressado, de enumeração quase relatorial. Assuntos de óbvio interesse, como a relação do compositor com os tropicalistas ou o pseudônimo Julinho da Adelaide, inventado por Chico nos anos 70 para escarnecer da censura que o atazanava, acabam recebendo tratamento ligeiro demais.
Ficam também prejudicados o Chico Buarque escritor, ao qual a autora dedica pouco espaço, e a relação dele com seu pai, o historiador Sergio Buarque de Holanda, e a geração de intelectuais a que pertenceu. Tome-se o trecho do capítulo 8: "Em casa, fora criado num clima de pedagogia onde desenvolveu uma forma crítica de ver o mundo. (...) Ninguém é filho do autor de "Raízes do Brasil" impunemente. Este, que é um dos seus mais importantes livros, e no qual Sérgio Buarque revolve a história da civilização brasileira, virou referência para se conhecer com profundidade o Brasil de tantas etnias". É preciso insistir no caráter insatisfatório dessas linhas? Num livro sobre Chico, o resumo é muito constrangedor.
Mas, sim, há qualidades na obra de Regina Zappa. O curto capítulo 12, sobre a relação de Chico com a estilista Zuzu Angel, é comovente e revelador. Também são muito reveladoras as passagens sobre Maria Amélia, a mãe do compositor. Desconhecida da maioria das pessoas, é uma figura muito esclarecida e uma personalidade forte e encantadora que surge ao longo do livro. Livro que, de resto, dedica espaço despropositado ao folclore em torno da relação de Chico com o álcool e a pormenores de sua vida particular. É um livro feito para muitos, infelizmente.


Avaliação: 

Livro: Chico Buarque - Para Todos
Autora: Regina Zappa
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 15 (200 págs.)


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