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MÚSICA
Coleção com 39 títulos faz arqueologia de gêneros populares, com preço médio sugerido pela gravadora de R$ 15
Série "RCA Victor" alarga territórios de samba e baião
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Gravadora que tem feito o
mais completo painel de arqueologia de seu acervo, a BMG
coloca nas ruas agora a série
"RCA Victor Essential Classics",
desta vez sublinhando gêneros
populares como o samba dos
anos 30 aos 80 e o forró nordestino dos 50 e 60.
Os preços também são populares: R$ 15 cada CD, em média, segundo a BMG, que se encontra
em processo de fusão com a também multinacional Sony Music.
Seriam 40 títulos, mas o músico
José Carlos Barroso (Barrosinho)
embargou o álbum "Saci Pererê"
(80), da Banda Black Rio, ao desautorizar a reedição de sua
"Zumbi". Segundo a BMG, a faixa
será retirada do disco, que será relançado mesmo assim.
Há destaques inequívocos entre
os 39 volumes (conheça a lista
completa nos quadros ao lado).
Espantoso é o moderníssimo "Jadir no Samba", do baterista Jadir
de Castro, que em 62 aproveitava
a marola novidadeira e promovia
fusão vanguardista de gêneros como samba, jazz, bossa nova, baião
etc. Pulava dali, surpreendente,
por exemplo, "Samba na Passarela", pai escondido do "Samba de
Verão" (63), de Marcos Valle.
Seduziam-no a oratória e a geografia. Jadir era todo dado a brinquedos de onomatopéia, como no
"Samba do Ziriguidum" (que em
79 seria motivo de festa para Baby
Consuelo): "Ziriguidum, ziriguidum, ziriguidum/ meu coração
bate num teleco-teco, teleco, teleco-teco". Bagunçava o mapa-múndi, bisbilhotando idiomas
em "Pourquoi?", "Baratin" ("pensei que s'il vous plâit era o Sílvio
Preto"), "Ao Chegar em Lisboa" e
na aloprada "Lição de Baião" (que
Adriana Calcanhotto resgatou
num sagaz CD infantil). Jadir era
mangue beat, funk carioca, hip
hop e drum'n'bass, bem antes que
seus netos musicais nascessem.
Partindo do samba do crioulo
lúcido de Jadir, a coleção coordenada por Charles Gavin finca morada forte no samba. Outro dos
ápices da seleção está nos quatro
títulos do que a RCA chamou, entre 72 e 73, de "Série Documento".
Ali a gravadora, que empunhava bandeira tradicionalista em
oposição ao tropicalismo da Philips, tomava pelas mãos sambistas
da antiga que andavam abandonados. Espantoso é sobretudo o
título dedicado a Ismael Silva, "Se
Você Jurar" (73), em que o inventor das escolas de samba do Rio
revisava em pessoa e em vulto histórico imponente temas como
"Antonico" (que Gal Costa relançara dois anos antes), "Pra me Livrar do Mal" (com Noel Rosa) etc.
História viva (até hoje) da evolução da indústria musical brasileira, João de Barro (ou Braguinha) também soltava a voz traçando um painel das mais populares (e geniais) marchas carnavalescas que já existiram -todas de
sua própria autoria. Não brilhavam menos os volumes dedicados
à voz árdua de Nelson Cavaquinho e ao doce Synval Silva, antigo
fornecedor de Carmen Miranda,
em "Adeus, Batucada" e "Ao Voltar do Samba" e outras.
Embora contemple a torrente
histórica do samba "de raiz", visite o samba manso de Cristina
Buarque ("Prato e Faca", 76) e radiografe as origens do pagode de
fundo de quintal dos anos 80, a
coleção resulta menos tradicionalista que o próprio samba.
Isso se dá quando focaliza, por
exemplo, o samba-jazz-funk-balanço do Jorge Autuori Filho, as
subversões ao violão de Rosinha
de Valença e o sambão jóia dos
Originais do Samba, conjunto comumente desprezado, mas popularíssimo nos 70, até pela presença
de Mussum, dos Trapalhões.
Faziam sambão, mas tinham
pés nas "impurezas" da tropicália,
das baladas românticas, até do
black power brasileiro que nascia
com eles para sucumbir com rapidez assassina. No disco de estréia
(69), faziam da "impura" "Cadê
Tereza?", de Jorge Ben, uma batucada para endoidar qualquer tantã. Em "Samba É de Lei" (70), induziam a dupla Roberto-Erasmo
Carlos a cair no samba, na irônica
"Eu Queria Era Ficar Sambando".
A BMG só começa a explorar o
legado dos Originais. Restam coisas do arco da velha no baú -como os infames versos gamados
"pela dona do primeiro andar" e o
assassinato do camarão.
Enfim, para não dizer que só se
falou do samba, a "Essential Classics" desbrava também o terreno
sempre desprezado do forró, trazendo luz ao simpático Ary Lobo
e à simpaticíssima Marinês (que,
segundo o resenhista dos CDs Rodrigo Faour, virou "Marinês e Sua
Gente" por influência de Chacrinha, que queria remeter Marinês
a "todo mundo" que gostava de
seus baiões, xotes e xaxados). Não
eram nenhum Luiz Gonzaga, mas
às vezes chegavam perto -assim
como a música brasileira chega
mais perto de sua própria história
com mais essa coleção.
RCA Victor Essential Classics
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 15, cada CD (39 títulos)
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