São Paulo, quinta-feira, 18 de novembro de 2004

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MÚSICA

Coleção com 39 títulos faz arqueologia de gêneros populares, com preço médio sugerido pela gravadora de R$ 15

Série "RCA Victor" alarga territórios de samba e baião

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Gravadora que tem feito o mais completo painel de arqueologia de seu acervo, a BMG coloca nas ruas agora a série "RCA Victor Essential Classics", desta vez sublinhando gêneros populares como o samba dos anos 30 aos 80 e o forró nordestino dos 50 e 60.
Os preços também são populares: R$ 15 cada CD, em média, segundo a BMG, que se encontra em processo de fusão com a também multinacional Sony Music.
Seriam 40 títulos, mas o músico José Carlos Barroso (Barrosinho) embargou o álbum "Saci Pererê" (80), da Banda Black Rio, ao desautorizar a reedição de sua "Zumbi". Segundo a BMG, a faixa será retirada do disco, que será relançado mesmo assim.
Há destaques inequívocos entre os 39 volumes (conheça a lista completa nos quadros ao lado). Espantoso é o moderníssimo "Jadir no Samba", do baterista Jadir de Castro, que em 62 aproveitava a marola novidadeira e promovia fusão vanguardista de gêneros como samba, jazz, bossa nova, baião etc. Pulava dali, surpreendente, por exemplo, "Samba na Passarela", pai escondido do "Samba de Verão" (63), de Marcos Valle.
Seduziam-no a oratória e a geografia. Jadir era todo dado a brinquedos de onomatopéia, como no "Samba do Ziriguidum" (que em 79 seria motivo de festa para Baby Consuelo): "Ziriguidum, ziriguidum, ziriguidum/ meu coração bate num teleco-teco, teleco, teleco-teco". Bagunçava o mapa-múndi, bisbilhotando idiomas em "Pourquoi?", "Baratin" ("pensei que s'il vous plâit era o Sílvio Preto"), "Ao Chegar em Lisboa" e na aloprada "Lição de Baião" (que Adriana Calcanhotto resgatou num sagaz CD infantil). Jadir era mangue beat, funk carioca, hip hop e drum'n'bass, bem antes que seus netos musicais nascessem.
Partindo do samba do crioulo lúcido de Jadir, a coleção coordenada por Charles Gavin finca morada forte no samba. Outro dos ápices da seleção está nos quatro títulos do que a RCA chamou, entre 72 e 73, de "Série Documento".
Ali a gravadora, que empunhava bandeira tradicionalista em oposição ao tropicalismo da Philips, tomava pelas mãos sambistas da antiga que andavam abandonados. Espantoso é sobretudo o título dedicado a Ismael Silva, "Se Você Jurar" (73), em que o inventor das escolas de samba do Rio revisava em pessoa e em vulto histórico imponente temas como "Antonico" (que Gal Costa relançara dois anos antes), "Pra me Livrar do Mal" (com Noel Rosa) etc.
História viva (até hoje) da evolução da indústria musical brasileira, João de Barro (ou Braguinha) também soltava a voz traçando um painel das mais populares (e geniais) marchas carnavalescas que já existiram -todas de sua própria autoria. Não brilhavam menos os volumes dedicados à voz árdua de Nelson Cavaquinho e ao doce Synval Silva, antigo fornecedor de Carmen Miranda, em "Adeus, Batucada" e "Ao Voltar do Samba" e outras.
Embora contemple a torrente histórica do samba "de raiz", visite o samba manso de Cristina Buarque ("Prato e Faca", 76) e radiografe as origens do pagode de fundo de quintal dos anos 80, a coleção resulta menos tradicionalista que o próprio samba.
Isso se dá quando focaliza, por exemplo, o samba-jazz-funk-balanço do Jorge Autuori Filho, as subversões ao violão de Rosinha de Valença e o sambão jóia dos Originais do Samba, conjunto comumente desprezado, mas popularíssimo nos 70, até pela presença de Mussum, dos Trapalhões.
Faziam sambão, mas tinham pés nas "impurezas" da tropicália, das baladas românticas, até do black power brasileiro que nascia com eles para sucumbir com rapidez assassina. No disco de estréia (69), faziam da "impura" "Cadê Tereza?", de Jorge Ben, uma batucada para endoidar qualquer tantã. Em "Samba É de Lei" (70), induziam a dupla Roberto-Erasmo Carlos a cair no samba, na irônica "Eu Queria Era Ficar Sambando".
A BMG só começa a explorar o legado dos Originais. Restam coisas do arco da velha no baú -como os infames versos gamados "pela dona do primeiro andar" e o assassinato do camarão.
Enfim, para não dizer que só se falou do samba, a "Essential Classics" desbrava também o terreno sempre desprezado do forró, trazendo luz ao simpático Ary Lobo e à simpaticíssima Marinês (que, segundo o resenhista dos CDs Rodrigo Faour, virou "Marinês e Sua Gente" por influência de Chacrinha, que queria remeter Marinês a "todo mundo" que gostava de seus baiões, xotes e xaxados). Não eram nenhum Luiz Gonzaga, mas às vezes chegavam perto -assim como a música brasileira chega mais perto de sua própria história com mais essa coleção.


RCA Victor Essential Classics
    
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 15, cada CD (39 títulos)



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